Capítulo 3
Mesmo enquanto me dizia palavras doces, Anderson ainda não havia tirado o braço do colo de Leah.

Desviei o olhar e, com a voz serena, apenas respondi:

— Não precisa.

Uma avalanche acabara de acontecer. Tanta gente estava ferida.

Não conseguiria festejar enquanto tantos sofriam.

Minha calma, tão diferente do que estavam acostumados, pareceu deixá-los desconcertados.

Rhys, como sempre imaturo, não perdeu a chance de zombar:

— Irene, para com essa encenação patética. Aqui não é o palco das suas fantasias. Todo mundo sabe que você sempre quis ser a cadelinha do alfa, que até usou a gravidez pra tentar prendê-lo. Agora vem bancar a superior? Mesmo grávida, você não vale nem um fio de cabelo da Leah!

Ele continuava cego, incapaz de enxergar que eu já não era mais a mesma.

Como Anderson não recebeu a reação que esperava, também perdeu a paciência.

Com o rosto fechado, falou com frieza:

— Eu até estava disposto a ignorar seu controle doentio, mas por que teve que vir atrás de mim até aqui? A gente não tem tempo pros seus dramas. A Leah acabou de passar por uma avalanche, ela precisa de paz. E você… Só sabe atormentá-la. Você não serve pra nada. Vá embora imediatamente!

Ele segurou meu braço com força, com tanta brutalidade que senti dor.

No meio do empurra-empurra, uma segunda avalanche desabou.

A neve caiu como uma muralha branca e ensurdecedora.

Anderson e Rhys reagiram no mesmo instante, correram direto para proteger Leah.

Anderson me empurrou para o lado com violência.

Sabia exatamente o que estava fazendo.

Sabia que, naquela direção, vinha rolando uma rocha enorme.

A pedra atingiu meu pé esquerdo com força brutal.

A dor foi tão intensa que tudo escureceu. Apaguei.

Quando voltei a abrir os olhos, estava na ala de tratamento da tribo.

Meu pé esquerdo estava completamente imobilizado, enfaixado até parecer uma múmia.

E não havia mais ninguém no quarto. Só eu.

O curandeiro veio me fazer algumas perguntas. Depois de avaliar meu estado físico, disse, preocupado:

— Você precisa cuidar melhor de si mesma, Irene. Quase perdeu o bebê.

Meu rosto estava pálido. Nunca me senti tão fraca.

— Esse bebê nunca deveria ter existido… — Murmurei, quase sem voz. — Você pode verificar se minha solicitação de aborto já foi confirmada?

Quem me trouxe até a estação médica foi um beta que eu mesma havia tratado tempos atrás.

O alfa que deveria estar ao meu lado...

Só me enviou uma única mensagem:

[Leah ficou muito assustada com o seu ferimento. Estou levando ela até o curandeiro famoso do clã vizinho. Você deveria se desculpar com ela.]

Ele e Rhys já haviam assumido a forma lupina e desaparecido na neve com Leah.

Nem uma pergunta. Nem uma palavra sobre mim ou sobre a criança.

Encolhi meu corpo, sentindo cada parte da alma como se estivesse coberta de hematomas.

Não havia um só canto em mim que não doesse.

A cirurgia de aborto exigiria algumas horas de preparação.

Nesse meio-tempo, procurei os anciãos para perguntar como poderia romper, unilateralmente, o vínculo de companheira.

Enquanto eu tentava lidar com a angústia e a ansiedade, Leah também se ocupava do lado dela.

O grupo de mensagens no celular começou a piscar.

Fotos da celebração de aniversário de Leah surgiam na tela, enviadas por meu pai, Anderson e Rhys.

Olhei para as folhas secas caindo pela janela e senti meu coração afundar junto.

Meu pai deu a Leah um colar de presas de lobo, o mesmo que minha mãe um dia havia dado a ele.

[Feliz aniversário, Leah!]

Rhys presenteou Leah com uma garrafa do licor que ele mesmo havia destilado com ervas à luz da lua.

[Que a Deusa Lunar abençoe minha irmã Leah com paz e felicidade eternas!]

Anderson, por fim, entregou a ela um broche raro, arrematado num leilão exclusivo.

[Leah, você sempre será minha Luna.]

Leah sorriu, radiante de felicidade, rodeada de afeto, como se tudo estivesse exatamente onde deveria estar.

Aquela harmonia me cegava. Doía olhar.

Fechei o aplicativo.

E em seguida, saí do grupo.

Assim que receberam o aviso, Anderson me ligou na hora, gritando:

— Irene! Para com isso, já deu! Você não suporta ver sua irmã feliz, é isso? Você vive dizendo que foi a Leah e a mãe dela que levaram sua mãe à morte, mas a verdade não é essa! Seu pai me contou tudo: sua mãe tinha problemas mentais, sofria de delírios e se suicidou! E ainda inventou essa história de reformatório, dizendo que seu pai e a madrasta te colocaram lá e que você sofreu horrores… — Ele soltou uma risada seca e desprezível. — Eu fui atrás, sabia? O lugar que você descreveu nem existe! Rhys me contou a verdade: foi você quem o levou pra brincar num campo perigoso, e foi lá que um grupo de lobisomens hostis atacou vocês. Ele só teve aquele trauma e perdeu a memória por sua culpa! Leah cuidou dele com carinho… E você, só quer fugir da responsabilidade. Patética!

Parecia que ele vinha guardando aquilo há muito tempo e agora finalmente despejava tudo, sem filtro:

— Eu nunca quis que você fosse minha Luna! Se não fosse pela Leah, que só se aproximou de você por pena, com medo que você seguisse o mesmo caminho da sua mãe e tirasse a própria vida, eu jamais teria te procurado! E aquela noite… Você me drogou, sua nojenta!

Eu permaneci em silêncio.

Não por covardia mas porque, desta vez, eu não tinha mais nada a provar.

Foi só quando o curandeiro entrou no quarto e disse:

— Irene, a sala de cirurgia já está pronta.

Anderson parou por um segundo. E então vociferou:

— Que barulho é esse? Você vai abortar?!

O tom dele era de puro escárnio. Como se aquilo fosse a coisa mais absurda do mundo.

Estava esperando, claro, que eu negasse. Que eu implorasse. Que eu me humilhasse de novo.

Mas antes que eu dissesse qualquer coisa…

A voz da Leah atravessou o telefone:

— Anderson, não exagera. A Irene usou o método mais baixo pra engravidar, ela nunca teria coragem de tirar esse bebê. Ela valoriza essa criança como um prêmio.

A voz dele voltou a ficar fria. Cruel:

— Mais uma vez quase me enganei com você. Você sempre faz isso. Sempre tenta manipular tudo. É nojento. Você e a Leah viveram na mesma casa, mas ela é pura, radiante… E você, Irene… É desprezível. Não vou mais acreditar em você. Não vou mais cair na sua lábia. Se continuar com essa obsessão, se prepare: vou pedir a rejeição.

Antes, eu teria me ajoelhado. Teria pedido perdão. Teria implorado para ele ficar.

E ele sabia disso. Esperava isso.

Mas hoje, não.

Inspirei fundo. Fiz questão de que minha voz saísse clara, calma. Como uma sentença:

— Tudo bem. Apresente a rejeição em alguns dias. Eu aceito.

Desliguei o telefone.

E, sem olhar para trás, segui o curandeiro até a sala de cirurgia.

Me deitei na maca.

Estava pronta.
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