Mesmo enquanto me dizia palavras doces, Anderson ainda não havia tirado o braço do colo de Leah.
Desviei o olhar e, com a voz serena, apenas respondi:
— Não precisa.
Uma avalanche acabara de acontecer. Tanta gente estava ferida.
Não conseguiria festejar enquanto tantos sofriam.
Minha calma, tão diferente do que estavam acostumados, pareceu deixá-los desconcertados.
Rhys, como sempre imaturo, não perdeu a chance de zombar:
— Irene, para com essa encenação patética. Aqui não é o palco das suas fantasias. Todo mundo sabe que você sempre quis ser a cadelinha do alfa, que até usou a gravidez pra tentar prendê-lo. Agora vem bancar a superior? Mesmo grávida, você não vale nem um fio de cabelo da Leah!
Ele continuava cego, incapaz de enxergar que eu já não era mais a mesma.
Como Anderson não recebeu a reação que esperava, também perdeu a paciência.
Com o rosto fechado, falou com frieza:
— Eu até estava disposto a ignorar seu controle doentio, mas por que teve que vir atrás de mim até aqui? A gente não tem tempo pros seus dramas. A Leah acabou de passar por uma avalanche, ela precisa de paz. E você… Só sabe atormentá-la. Você não serve pra nada. Vá embora imediatamente!
Ele segurou meu braço com força, com tanta brutalidade que senti dor.
No meio do empurra-empurra, uma segunda avalanche desabou.
A neve caiu como uma muralha branca e ensurdecedora.
Anderson e Rhys reagiram no mesmo instante, correram direto para proteger Leah.
Anderson me empurrou para o lado com violência.
Sabia exatamente o que estava fazendo.
Sabia que, naquela direção, vinha rolando uma rocha enorme.
A pedra atingiu meu pé esquerdo com força brutal.
A dor foi tão intensa que tudo escureceu. Apaguei.
Quando voltei a abrir os olhos, estava na ala de tratamento da tribo.
Meu pé esquerdo estava completamente imobilizado, enfaixado até parecer uma múmia.
E não havia mais ninguém no quarto. Só eu.
O curandeiro veio me fazer algumas perguntas. Depois de avaliar meu estado físico, disse, preocupado:
— Você precisa cuidar melhor de si mesma, Irene. Quase perdeu o bebê.
Meu rosto estava pálido. Nunca me senti tão fraca.
— Esse bebê nunca deveria ter existido… — Murmurei, quase sem voz. — Você pode verificar se minha solicitação de aborto já foi confirmada?
Quem me trouxe até a estação médica foi um beta que eu mesma havia tratado tempos atrás.
O alfa que deveria estar ao meu lado...
Só me enviou uma única mensagem:
[Leah ficou muito assustada com o seu ferimento. Estou levando ela até o curandeiro famoso do clã vizinho. Você deveria se desculpar com ela.]
Ele e Rhys já haviam assumido a forma lupina e desaparecido na neve com Leah.
Nem uma pergunta. Nem uma palavra sobre mim ou sobre a criança.
Encolhi meu corpo, sentindo cada parte da alma como se estivesse coberta de hematomas.
Não havia um só canto em mim que não doesse.
A cirurgia de aborto exigiria algumas horas de preparação.
Nesse meio-tempo, procurei os anciãos para perguntar como poderia romper, unilateralmente, o vínculo de companheira.
Enquanto eu tentava lidar com a angústia e a ansiedade, Leah também se ocupava do lado dela.
O grupo de mensagens no celular começou a piscar.
Fotos da celebração de aniversário de Leah surgiam na tela, enviadas por meu pai, Anderson e Rhys.
Olhei para as folhas secas caindo pela janela e senti meu coração afundar junto.
Meu pai deu a Leah um colar de presas de lobo, o mesmo que minha mãe um dia havia dado a ele.
[Feliz aniversário, Leah!]
Rhys presenteou Leah com uma garrafa do licor que ele mesmo havia destilado com ervas à luz da lua.
[Que a Deusa Lunar abençoe minha irmã Leah com paz e felicidade eternas!]
Anderson, por fim, entregou a ela um broche raro, arrematado num leilão exclusivo.
[Leah, você sempre será minha Luna.]
Leah sorriu, radiante de felicidade, rodeada de afeto, como se tudo estivesse exatamente onde deveria estar.
Aquela harmonia me cegava. Doía olhar.
Fechei o aplicativo.
E em seguida, saí do grupo.
Assim que receberam o aviso, Anderson me ligou na hora, gritando:
— Irene! Para com isso, já deu! Você não suporta ver sua irmã feliz, é isso? Você vive dizendo que foi a Leah e a mãe dela que levaram sua mãe à morte, mas a verdade não é essa! Seu pai me contou tudo: sua mãe tinha problemas mentais, sofria de delírios e se suicidou! E ainda inventou essa história de reformatório, dizendo que seu pai e a madrasta te colocaram lá e que você sofreu horrores… — Ele soltou uma risada seca e desprezível. — Eu fui atrás, sabia? O lugar que você descreveu nem existe! Rhys me contou a verdade: foi você quem o levou pra brincar num campo perigoso, e foi lá que um grupo de lobisomens hostis atacou vocês. Ele só teve aquele trauma e perdeu a memória por sua culpa! Leah cuidou dele com carinho… E você, só quer fugir da responsabilidade. Patética!
Parecia que ele vinha guardando aquilo há muito tempo e agora finalmente despejava tudo, sem filtro:
— Eu nunca quis que você fosse minha Luna! Se não fosse pela Leah, que só se aproximou de você por pena, com medo que você seguisse o mesmo caminho da sua mãe e tirasse a própria vida, eu jamais teria te procurado! E aquela noite… Você me drogou, sua nojenta!
Eu permaneci em silêncio.
Não por covardia mas porque, desta vez, eu não tinha mais nada a provar.
Foi só quando o curandeiro entrou no quarto e disse:
— Irene, a sala de cirurgia já está pronta.
Anderson parou por um segundo. E então vociferou:
— Que barulho é esse? Você vai abortar?!
O tom dele era de puro escárnio. Como se aquilo fosse a coisa mais absurda do mundo.
Estava esperando, claro, que eu negasse. Que eu implorasse. Que eu me humilhasse de novo.
Mas antes que eu dissesse qualquer coisa…
A voz da Leah atravessou o telefone:
— Anderson, não exagera. A Irene usou o método mais baixo pra engravidar, ela nunca teria coragem de tirar esse bebê. Ela valoriza essa criança como um prêmio.
A voz dele voltou a ficar fria. Cruel:
— Mais uma vez quase me enganei com você. Você sempre faz isso. Sempre tenta manipular tudo. É nojento. Você e a Leah viveram na mesma casa, mas ela é pura, radiante… E você, Irene… É desprezível. Não vou mais acreditar em você. Não vou mais cair na sua lábia. Se continuar com essa obsessão, se prepare: vou pedir a rejeição.
Antes, eu teria me ajoelhado. Teria pedido perdão. Teria implorado para ele ficar.
E ele sabia disso. Esperava isso.
Mas hoje, não.
Inspirei fundo. Fiz questão de que minha voz saísse clara, calma. Como uma sentença:
— Tudo bem. Apresente a rejeição em alguns dias. Eu aceito.
Desliguei o telefone.
E, sem olhar para trás, segui o curandeiro até a sala de cirurgia.
Me deitei na maca.
Estava pronta.