Após a minha breve conversa com os protagonistas, cada um seguiu seu rumo, entrando em seus devidos quartos. Percebo que a história continua seguindo seu curso, já que eles realmente não irão me acompanhar no baile. Começo a andar no meu quarto de um lado ao outro.
- Desse jeito eu vou acabar morrendo… de novo. Preciso logo dar no pé. - digo as paredes, em total desesperação.
Mas o que mais me deixa intrigada é o fato de sentir que não tenho controle sobre minha própria história. Tento me lembrar do que eu havia escrito e percebo que minha memória está começando a falhar, como se eu não pudesse ter nenhuma vantagem sobre os outros personagens. Seria isso algum efeito colateral de estar aqui? Ou o próprio livro está me forçando a atuar como a vilã?
Procuro por um papel e uma caneta, e, assim que os acho, me sento onde Lady Beatrice costuma se sentar para arrumar os cabelos e passar maquiagem.
- Vamos ver… o que eu sei? - coloco o papel sobre a madeira, apoiando-o e anoto algumas informações que correm soltas em minha mente.
Mas logo elas desaparecem quando o ambiente é tomado pelos barulhos de gemidos vindos do quarto ao lado.
Ahh…
Tento me concentrar novamente. Não tenho motivos nenhum para querer atrapalhar a felicidade dos outros. Que eles continuem fazendo suas coisas e eu as minhas.
- No quarto capítulo, eu me lembro que o pai de Thomas irá morrer… Mas como era que ele morria mesmo? - escrevo na folha “Pai do Thomas, morte e um ponto de interrogação” - No quinto capítulo…
Ahhn…
O som entra cortante pelo meu ouvido. Ignoro. Isso não é da minha conta, apesar do ruído parecer entrar pelo meu ouvido e ficar se repetindo dentro de mim.
- No quinto capítulo… O que acontecia no quinto capítulo? - me pergunto a mim mesma - Eu sabia há poucos segundos e agora não me lembro mais???
Ahhn Ahhn…
Olho para a parede. Respiro fundo e tento não me estressar. As pessoas têm necessidades de prazer.
- No sexto capítulo, a Lady Beatrice machuca a Lady Arabelle, qual era o motivo mesmo? Acho que…
Ahhn Ahnn Ahnn…
- Mas que merd… - me levanto da cadeira e esmurro com força a parede, esperando que eles tenham noção e façam menos barulho.
Mas eles não param, apenas desisto, me sento e resolvo esperar acabar a diversão deles. Então passa 10 minutos, depois 20, 30, 40 e eles continuam na safadeza barulhenta deles.
Aquilo já não era mais somente impróprio, é um atentado a minha sanidade mental. Assim que me levanto e decido ir até o quarto ao lado.
Toc toc toc
Golpeio com força na porta. Nada. Mas os gemidos continuam.
Toc toc toc toc
Por fim, os gemidos cessam. Ouço passos se aproximando cada vez mais da porta, e então, ela se abre lentamente. Thomas surge diante de mim, apenas com uma toalha frouxa que mal cobre sua masculinidade. Por um instante, esqueço até de respirar, perco alguns segundos babando por aquele homem de corpo musculoso que, nesse momento, pingava de suor.
- O que a senhorita deseja?- ele nem ao menos esconde seu desagrado por eu interromper seu momento íntimo.
Ele passa a mão pelo seu rosto limpando uma gota de suor. Sexy
- Por acaso você… Senhor Thomas… acha que é o único nesse corredor inteiro para estar fazendo barulho as 3 da manhã? - não me deixo ser enfeitiçada pelo seu corpo escultural e solto os cachorros para cima dele.
Minha memória como escritora lentamente vai desaparecendo e eu só estou perdendo tempo por causa desse panaca. Thomas nem se dá ao trabalho de parecer estar arrependido. Ele se encosta no batente da porta e cruza seus braços. Evito olhar para a toalha que, perigosamente, pende baixa em sua cintura. Entretanto, ele me lança um olhar entediado, como se eu estivesse atrapalhado algo super importante dele.
Com uma sobrancelha arqueada e um sorriso odioso nos lábios, escuto ele dizer:
- E? - e só isso, isso é tudo que sai da sua boca.
- E? E? - repito com a voz tremula de raiva - Por acaso você acha que essa casa é sua? - fecho minhas mãos em forma de punho por tamanha indignação que sinto.
E então, subo o tom da minha voz para que a pessoa que esteja em seu quarto possa me escutar.
- Se eu souber quem é a indecente que está aí dentro, pode ter certeza que dentro dessa casa não pisa mais… - aviso e volto a olhar para ele - Dai você… digo o senhor… pega ela e leva para sua casa. Ou ele…
Thomas pisca, como se precisasse de alguns segundos a mais para processar o que acabou de ouvir de mim e depois me olha como se eu estivesse realmente ficado louca. Respiro fundo, tentando não perder a calma.
- Por favor, Senhor Thomas, deixe de escândalo nesse seu quarto… nem os pobres dos ratos devem ter paz. - digo tentando parecer uma lady novamente, recuperando minha compostura e falando com a voz mais doce que consigo fazer.
Uma das suas sobrancelhas se arqueia um pouco, como se estivesse se divertindo com minha tentativa de dignidade e então, um sorriso provocativo surge em sua boca.
- Imagino que os ratos devam estar acostumado a conviver com gritos… especialmente os dramáticos! - ele inclina o rosto ligeiramente, apontando o seu queixo na minha direção.
- O que você quer dizer com isso?… Digo, o que o Senhor quer dizer com isso? - olho para ele incrédula - Que eu sou um rato ou que eu sou dramática?
Ele parece saborear a minha reação com o mesmo prazer de quem observa uma peça de teatro.
- É claro que eu me referia à segunda hipótese, senhorita… - responde com um tom de humor - Mas se a senhorita desejar se identificar com a primeira também… quem sou eu para contrariar? - um brilho de diversão dança em seus olhos e em sua cara, o riso, tirando sarro de mim.
- Mal educado. Pelo visto, sua mãe não lhe ensinou boas maneiras… ou respeitar os vizinhos de quarto. - cruzo meus braços, ainda mais indignada pela ousadia dele.
- Minha mãe faleceu ainda quando eu era pequeno. Mas agradeço a lembrança. Sempre tão gentil, senhorita Beatrice. - respondeu ele com ironia.
Me calo. Como fui esquecer desse detalhe se fui eu quem escreveu isso? Me sinto uma tonta. Isso me lembra o motivo de estar ali, não era para perder tanto tempo com uma discussão.
- Ainda assim… espero que o senhor possa ter um pouco de decência e fazer suas coisas de forma mais… silenciosa. - argumento, buscando uma maneira de acabar com esse b**e boca.
- Andar por aí com apenas uma camisola fina como essa… - ele segura a alça da minha camisola - também não combina com tanta moral! - logo a solta, fazendo com que a alça caia em meu braço, deixando meu ombro mais exposto.
Olho para a roupa que estou vestindo. A camisola vai até os meus pés, seria assim algo tão indecente para eles? Me lembro de ler que as damas costumam usar mais roupas sobre suas camisolas até mesmo para dormir, mas não pensei que fosse algo obrigatório.
- É só… roupa de dormir… - digo a ele, agora me sentindo levemente constrangida por me lembrar da maneira que me olharam ao me ver assim pela primeira vez.
- Pelo jeito a senhorita gosta de provocar as pessoas... Lady Beatrice. - disse, me olhando de cima a baixo.
- O que vo… o que o Senhor está insinuando? - pergunto, um pouco desconfortável devido à minha camisola.
Ele apenas sorri e fecha a porta na minha cara.