Damon Thorn
Deixei a humana dormindo e recolhi minhas coisas o mais rápido possível para que ela não me visse saindo.
Isso evitaria perguntas.
Eu não costumava cometer esse tipo de erro, minha alcateia era o que era, pois não me permitia ser um fraco.
Eu prezava pela discrição, mas não consegui evitar o cheiro da mulher e sua forma de me enfrentar. Talvez esse fosse o ponto: todas que eu quero abaixam a cabeça para mim, e ela não o fez. E ela era extremamente atraente.
Adentro a sala de casa, e minha governanta me olha desconcertada.
"Preciso tomar café da manhã, Daiana. Tenho muitas coisas a resolver ainda hoje", disse sem rodeios.
"Senhor… eu mesma preparei o seu café. A cozinheira não chegou, eu já verifiquei no chalé, na cozinha, ela não está em lugar algum."
Minha mandíbula travou, e eu murmurei:
"Maldição."
É isso que dá contratar humanos, eles não têm responsabilidade com nada.
A última cozinheira havia pedido demissão porque era inútil, eu já estava sem paciência.
Por isso aceitei uma indicação de uma agência.
Eu só queria uma comida decente e não podia simplesmente deslocar Daiana para isso, visto que ela era a única que eu confiava para cuidar da casa.
"Chame essa estúpida para minha sala. AGORA!" rosnei.Daiana não hesitou.
Entrei no escritório, onde sempre foi um refúgio. Um lugar onde o mundo exterior não conseguia me alcançar, onde eu podia manter tudo sob controle.
Encaro o retrato sob a mesa. Não sei por que ainda mantive aquilo ali.
O vidro estilhaçou contra a parede, os pedaços espalhando-se pelo chão como fragmentos de um passado que eu queria esquecer. O retrato que antes repousava sobre minha mesa agora não passava de uma moldura vazia, sem rosto, sem significado. Eu não precisava mais daquela lembrança.
Raiva.
Passei a mão pelos cabelos, tentando afastar a irritação que fervia dentro de mim. Não deveria ter perdido o controle assim, mas era inevitável.
Cada vez que olhava para aquela maldita foto com a loba que acabou com minha vida, sentia a raiva retornar como um veneno correndo pelas veias.
Ela havia me traído. Com um dos meus lobos.
E pior: tentou me convencer de que era amor verdadeiro, como se a ligação entre nós não significasse nada
. Ela sabia o que era ser companheira de um Alfa. Sabia que a lealdade vinha antes de tudo. Por isso, a exilei. E mesmo assim, às vezes, quando a noite caía, a lembrança voltava para me assombrar como uma maldição antiga.
Assim que a porta se abriu e aquela mulher entrou, o ar mudou.
Eu a reconheci na mesma hora. O perfume ainda estava impregnado na minha memória, o gosto dela ainda na minha boca. Mas eu não me permiti reagir.Fiquei em silêncio, apenas observando enquanto ela parava no meio do escritório, tensa, os olhos arregalados de choque.
Merda. Isso só podia ser uma piada. E uma piada de muito mal gosto.
A garota da noite passada… era a minha nova funcionária.
O choque em seus olhos era quase cômico, se eu não estivesse tão fodido de raiva. Ela ficou paralisada, os lábios entreabertos, como se sua mente ainda estivesse processando a situação. Eu não lhe dei
tempo para isso."Feche a porta."
Minha voz saiu fria, cortante. A sombra do pânico cruzou seu rosto antes que ela se recompusesse e obedecesse, fechando a porta atrás de si com um movimento hesitante.
Me apoiei na mesa, os músculos tensos. Isso só podia ser um teste do destino. Primeiro, uma noite de desejo impensado. Agora, ela estava bem na minha frente, no meu território, como minha nova empregada.
"Então, você é a irresponsável que chegou atrasada."
Ela piscou, a raiva substituindo o susto. Bom. Que viesse com tudo. Eu não tinha paciência para fragilidade.
"Eu tive um contratempo." Sua voz saiu firme, mas vi como seus dedos apertavam o tecido da roupa. "Mas estou aqui agora."
Inclinei a cabeça, analisando-a como um predador que avalia a presa. A mulher de ontem à noite era diferente. Selvagem, entregue ao momento. Agora, ela se esforçava para manter a compostura.
"Engraçado." Cruzei os braços. "Você não parecia tão responsável algumas horas atrás."
Seu rosto pegou fogo, mas ela não desviou o olhar. Interessante.
"Isso não tem nada a ver com o trabalho." Ela rebateu, tentando soar firme."Tem tudo a ver, porque agora, você trabalha para mim. E eu não tolero incompetência."
Ela engoliu em seco. Eu senti o nervosismo dela, o cheiro da hesitação. Mas, ao invés de recuar, ergueu o queixo.
Inferno.
Eu não tinha tempo para isso. Não tinha tempo para distrações. Mas ali estava a humana, desafiando minha paciência, reacendendo uma noite que deveria ter ficado esquecida.
E, pior ainda... algo dentro de mim gostava disso.
Sorri de canto. "Ótimo. Então me diga..." Fiz questão de me aproximar, inclinando o rosto apenas o suficiente para sentir seu cheiro
extasiante. "Vai conseguir manter o profissionalismo ou já está arrependida de ter aceitado esse emprego?"Seu rosto corou e ela piscou, surpresa com minha provocação.
"Se tem alguém que deveria estar arrependido, esse alguém é você."
Ela cruzou os braços, a raiva evidente no olhar.
Minhas mãos formigaram, o lobo dentro de mim rosnando em irritação.
Ela estava brincando com fogo.
E eu ainda não sabia se queria apagá-lo ou alimentá-lo.
Ela tira algo do bolso e põe meu relógio na mesa. Eu havia esquecido no hotel sem nem perceber.
"Da próxima vez que for dormir com uma estranha, verifique se não esqueceu nada que custe o preço de um apartamento, senhor Thorn."
O sarcasmo em sua voz era evidente, e um sorriso irônico brota dos meus lábios. Em pensar que eu a tive nua nas minhas mãos há alguns instantes.
Seu coração estava batendo mais forte, eu conseguia ouvir.
Então ela saiu da sala quase que correndo, como se estivesse envergonhada.
Eu não podia ignorar que se manter seu emprego, estaria quebrando uma das minhas principais regras de discrição e autocontrole.
Liguei para meu beta e braço direito, do telefone fixo do escritório.
Estar numa cidade isolada sem rede era o melhor para nós lobisomens, a exposição nunca foi e nem nunca seria nossa aliada.
"Victor, descubra tudo sobre Caroline Hart para mim."
"Algum problema com ela?" A voz do meu beta ecoou com preocupação.
"Talvez", respondi seco. "Mas isso não é tudo. Temos outro assunto para discutir."
"Os investidores de Nova York?"
"Sim. Estão pressionando mais uma vez para comprar parte das nossas terras. Ofereceram valores ridículos, mas eu sei que tem algo por trás disso."
Victor resmungou do outro lado. "Eles querem transformar essa região em um condomínio de luxo. As montanhas, o lago, a floresta… tudo isso vai desaparecer."
"Não enquanto eu estiver respirando. "Se destruírem essas terras, nossa alcateia também será destruída. E isso eu não vou permitir."
"Quer que eu reúna o conselho?""Faça isso."
Horas depois, meu Beta deixou o relatório sobre a mesa sem dizer uma palavra. Eu já sabia que ele conseguiria o que pedi — quando quero algo, ninguém me nega.
Abri o envelope com calma.Caroline Hart.O nome já estava marcado por escândalo. Fuga do próprio casamento,, bens bloqueados... Jornalistas chamavam de "chefe traída e fugitiva". Mas havia mais. Ela estava trabalhando escondida, longe de tudo, como se quisesse apagar a própria existência.
Sorri de canto.Assim como eu, ela também tem algo a esconder.
A diferença é que ela ainda não sabe que ninguém esconde nada do Alfa. Fechei o relatório, me levantei da cadeira. "Ela está nas minhas mãos agora."