POV Liah
A lua cheia, tingida de vermelho, queimava no céu como sangue fresco derramado pelos deuses. Lá de cima, ela parecia me observar — não com misericórdia, mas com desprezo. A cada passo pela trilha de barro frio, meus pés descalços ardiam, rasgados pelas pedras, pelos espinhos. Mas eu não podia parar. Meu corpo gritava, mas a dor no peito abafava qualquer outro som. Eu corria sem olhar para trás. Se olhasse, ouviria de novo as risadas. As palavras. Os olhos dos outros sobre mim. O vento gelado cortava minha pele como lâminas. O vestido branco de linho, antes limpo, agora grudava na minha pele com a lama, rasgado nos joelhos, sujo de sangue e vergonha. Cada galho que me feria era menos cruel que os rostos que me julgaram. Nada doía mais que a humilhação de ser tratada como nada. Como menos do que nada. Eles riram de mim. Todos eles. As jovens ômegas estavam em fila, como cordeiras enfeitadas para o abate, oferecidas aos Alfas visitantes para uniões políticas. Eu sabia que era minha vez. Não havia mais como fingir. Mas quando me pus diante deles, tudo o que ouvi foi escárnio. Meu nome não era digno nem de ser lembrado. — Filha de quem mesmo? — zombou a loba beta, o veneno escorrendo da voz dela como se eu fosse algo podre. Meu corpo ficou imóvel. Quis desaparecer ali mesmo. O Alfa diante de mim me encarou por um segundo. A cicatriz em seu rosto era profunda, mas nenhuma dor que ele já tivesse sentido parecia se comparar ao desprezo em seus olhos. — Fraca demais até para parir filhos fortes. E cuspiu. Cuspiu em mim como se eu fosse imunda. Minhas mãos tremiam, mas ninguém percebeu. Ninguém nunca percebe. Eu engoli tudo. As lágrimas, a revolta, a vontade de gritar. Gritei por dentro. Dei um passo para trás… depois outro. E então corri. Corri como se minha alma dependesse disso. Corri porque meu coração já estava esmagado. As vozes me seguiam. “Olhem para ela, tão magra…” “Tão pálida…” “Como poderia satisfazer um Alfa?” “Parece um filhote doente.” Essas palavras se cravaram em mim como dentes. Eu sangrava por dentro e ninguém via. ‘Por que eu nasci assim… fraca… suja… invisível?’ O som das tochas e da música tribal se perdeu atrás de mim. Agora, só havia o som da minha respiração falha, do choro que eu não queria deixar escapar. Eu não podia mostrar fraqueza, mesmo quando tudo em mim estava quebrado. A floresta me recebeu com frieza. Galhos arranharam minhas pernas, pedras cortaram meus pés. Mas não me importei. Não mais. Cheguei à margem do rio. Me ajoelhei, arfando. Meus joelhos cederam. O reflexo distorcido na água escura me devolveu uma imagem que eu queria negar olhos inchados, sangue seco no queixo, lábios trêmulos. ‘Eu sou tão fraca… tão sozinha… tão inútil… tão suja…’ As lágrimas escorriam sem som, só sentidas. Eu queria que a água me levasse. Que a corrente me escondesse. Mas foi o silêncio que me entregou. Foi então que eu ouvi. Um rosnado. Baixo, grave… e sobrenatural. Não era o som de um animal comum. Era o tipo de som que você ouve em pesadelos e que faz até os ossos gelarem. Meu corpo inteiro se retesou. As veias dos meus braços pulsaram com uma força estranha, como se algo me empurrasse a correr — mas minhas pernas não obedeceram. Eu me sentia pregada ao chão, vulnerável, frágil… como um filhote cercado por predadores. Meus olhos se ergueram, lentamente, com o coração martelando tão alto que eu mal escutava o som da floresta. E então eu o vi. Entre as árvores, como se tivesse saído das entranhas da própria noite, uma figura se formou — alta, monstruosa, magnífica e cruel. Os cabelos escuros estavam colados à testa suada, o peito largo nu, os músculos tensos como os de uma fera prestes a saltar. Mas o que me paralisou de verdade… foram os olhos. Dois círculos de brasas vivas. Eles não me olharam. Eles me atravessaram. Como se vissem cada pensamento sujo, cada trauma escondido, cada pedaço frágil da minha alma. O medo tomou conta de mim com tanta força que meus dedos das mãos começaram a formigar. Eu quis gritar… mas minha garganta se fechou. A boca entreaberta, a respiração presa. Eu me sentia pequena, insignificante. Uma criança diante de um deus primitivo. Ou pior… diante de um Alfa. Ele não falava. Apenas me observava, como um caçador aprecia sua presa antes do golpe final. O ar ficou pesado, como se o mundo ao meu redor tivesse parado de respirar junto comigo. Meus olhos ardiam de tanto mantê-los abertos. Meus joelhos fraquejaram. Cada parte do meu corpo implorava para desaparecer dali. Mas era tarde demais. O rosnado soou outra vez, mais baixo, mais íntimo. Como se ele falasse com a parte mais animal que havia dentro de mim. A loba encolhida no fundo da minha alma também estremeceu, reconhecendo algo que minha mente humana não entendia — poder bruto, cruel e absoluto. E foi aí que o medo virou desespero. Eu queria correr, implorar, gritar… mas a voz não saía. As palavras morriam no fundo da minha língua como folhas apodrecendo no inverno. Meus olhos se encheram de lágrimas novamente, mas dessa vez, não era por humilhação. Era puro instinto de sobrevivência. E mesmo assim… …quando ele deu um passo em minha direção, algo dentro de mim não correu. Ficou. Tremendo. Esperando o destino.