TENTANDO ENTENDER

CAPÍTULO 3

Lavinia narrando

        Ainda estou parada, pensando na situação que estou vivendo atualmente. Tudo mudou tão de repente, tão fora do meu controle, que parece um sonho, ou um pesadelo. Sem nenhum aviso, fui jogada numa realidade que eu não pedi, e agora estou presa nela, tentando entender como cheguei até aqui.

        A ficha só começou a cair depois que fechei a porta do quarto e encostei as costas nela. Respirei fundo, tentando controlar o coração acelerado. Ele parecia querer sair pela boca, explodir meu peito. O nome dele ecoava na minha mente como um eco abafado: Denner. O homem que, agora, é meu tutor legal. O homem que meu pai confiou para cuidar de mim. Mas... tem alguma coisa errada. Eu sei que tem.

        Desde o primeiro momento, aquele olhar dele me deixou desconcertada. Não era o olhar de um tio. Não era o olhar de alguém que enxerga uma garota de dezoito anos como uma responsabilidade. Era mais do que isso. Tinha algo... queimando. Algo que me fez sentir exposta. Como se ele estivesse me vendo nua, mesmo vestida.

        Quando chamei ele pra ver as joias que meu pai deixou de herança, eu ainda estava tentando agir com frieza. Mostrar que sou forte, que não sou uma menininha que precisa de proteção. Mas bastou ele se aproximar pra minha coragem se desmanchar. O olhar dele... Deus, aquele olhar parecia uma brasa encostando na minha pele. E não era medo o que me paralisava. Era alguma coisa estranha. Um desejo que eu não entendo. Um arrepio que correu pela minha espinha sem pedir licença.

        A forma como ele pegou o colar da minha mão, com aqueles dedos firmes e grossos, me deu calafrios. O jeito como seus olhos passearam pelo meu rosto e depois escorregaram pro meu colo, como se fosse natural. Ele não disfarçou. E eu não consegui me mexer. Senti minhas pernas travarem, minha respiração pesar. E não era só pelo medo de estar sozinha com um homem que eu mal conheço. Era mais pelo que eu senti... por dentro.

        — Essas joias valem muito. — ele disse, com a voz rouca, quase num sussurro. — Seu pai sabia o que fazia.

        Tentei manter o foco na herança, na responsabilidade que me foi deixada, mas cada vez que ele falava meu nome, algo em mim estremecia. Era como se ele tivesse o poder de bagunçar minha mente com uma simples palavra.

        — Lavínia... você entende o tamanho disso? Toda essa responsabilidade?

        Assenti, sem conseguir dizer nada. Eu não confiava na minha própria voz. Ela podia me trair. Podia tremer, podia denunciar o que eu estava sentindo. Mas o pior de tudo era que... eu nem sabia exatamente o que eu estava sentindo. Era um misto de medo, nervosismo, tensão... e uma curiosidade proibida. Algo que me deixava inquieta, com vontade de olhar de novo pra ele, mesmo sabendo que não devia.

        Voltei pro quarto sozinha, fechei a porta e me joguei na cama. O cheiro dele ainda estava no ar. Um perfume amadeirado, masculino, que grudou nas minhas narinas. Apertei o travesseiro contra o rosto e suspirei alto, tentando afastar aquele pensamento idiota. Ele é seu tio, Lavínia. É o homem que seu pai escolheu pra cuidar de você. Isso é errado... muito errado.

        Mas quanto mais eu tentava evitar, mais ele vinha. Na minha cabeça. No meu corpo. Nas pontas dos dedos, que formigavam como se pedissem pra tocar algo proibido. Ou alguém.

        Levantei da cama e fui até o espelho. Olhei pra mim, tentando enxergar o que ele viu. Ainda sou uma garota. Tenho dezoito, mas às vezes pareço menos. Frágil. Pequena. Mas também sei do meu corpo. Sei dos olhares que recebo desde os quinze. E sei que o jeito que Denner me olhou não foi de um homem qualquer. Foi um olhar cheio de fogo.

Ele não é só um tio . Ele é poderoso. Forte. Autoritário. Intimidador. E... atraente. Meu Deus, eu não devia pensar isso, mas estou pensando.

        A noite chegou e o silêncio da casa me deixou ainda mais inquieta. Tomei um banho tentando me acalmar, mas só piorei. A água escorrendo pelo meu corpo me fez lembrar do jeito dele. Do jeito como seus olhos pararam na curva do meu pescoço. Do jeito que a voz dele ficou mais baixa quando disse meu nome. Saí do banheiro enrolada na toalha, o coração disparado, como se algo estivesse prestes a acontecer.

        Foi então que ouvi a porta do meu quarto se abrir. Travei.

        — Lavínia?

        Era a voz dele. Grave, firme, cortando o silêncio como uma lâmina. Corri pra pegar o roupão e vesti às pressas, o cabelo ainda pingando, os pés molhados no chão de madeira.

        — Oi... — respondi, com a voz trêmula.

        Ele ficou parado na porta, com uma expressão séria.

        — Só vim avisar que vou viajar amanhã. Coisa rápida. Dois dias no máximo. Mas deixei tudo organizado pra você aqui. Dinheiro, telefone de emergência, e o número do advogado, se precisar.

        Assenti em silêncio. O roupão colava no meu corpo molhado e eu percebi que ele percebeu. O olhar dele demorou um segundo a mais nos meus ombros. Um segundo a mais na curva dos meus seios. Depois ele desviou, como se tentasse disfarçar. Mas era tarde demais.

        — Boa noite, Lavínia.

        — Boa noite...

        Ele saiu e fechou a porta. E eu fiquei ali, paralisada. Minhas pernas tremiam. Meu peito doía de tanta confusão. Me sentei na cama, tentando entender o que está acontecendo comigo. Tentei me convencer de que é só uma fase, só uma mistura de sentimentos. Mas no fundo... eu sei. Sei que tem algo nele que me atrai. Algo que eu não consigo controlar.

        Essa casa me deixa pensativa me sinto só. Sinto outro tipo de presença aqui. Algo que me faz ter vontade de coisas indecentes, de imaginar, de tocar em pensamentos que eu não deveria nem ter. Eu não sei onde isso vai dar. Só sei que a partir de agora, nada será mais o mesmo.

        A partir de agora, ele está em tudo.

        No espelho.

        No lençol.

        Nos meus sonhos.

        E ... até nos meus pecados.

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