NO MAR
O oceano se apresentava como um espelho em movimento, refletindo a luz do sol em ondas cintilantes. As ondas batiam contra o casco do navio, como se sussurrassem segredos guardados pelo mar.
O Ocean Mirage — um transatlântico de luxo que mais se assemelhava a uma cidade flutuante, com seus restaurantes requintados e lounges elegantes — deslizava majestoso pelas águas do Atlântico.
Aqui estava eu, Lara Vásquez. Um nome simples, trajes modestos, mas por trás disso, uma vida totalmente reinventada. Minha verdadeira identidade estava trancada em uma pasta no cofre do porto de Nova York, um lembrete de um passado que eu desejava deixar para trás, como um livro fechado que contém histórias que não pretendo mais contar.
O crachá que pendia do meu uniforme dizia apenas: "Funcionária do Departamento de Serviços," mas cada letra daquela inscrição carregava o peso de um novo recomeço.
A brisa suave que soprava sobre a cobertura do navio trazia o aroma salgado do mar, acompanhada por uma sensação de liberdade que eu não experimentava há muito tempo.
Ao contemplar o horizonte, onde o céu se unia às águas profundas, meu coração pulsava com a expectativa de um futuro desconhecido, mas promissor.
Era um jogo de esconde-esconde que eu jogava não apenas com o mundo externo, mas também com meus próprios pensamentos, onde verdade e ilusão se entrelaçam em uma dança sutil.
Aqui, em alto-mar e longe dos olhares curiosos, eu era mais do que um nome comum — eu era a autora da minha nova narrativa, determinada a moldar cada capítulo com coragem e determinação.
Eu lembrava do dia em que tomei a decisão de embarcar neste cruzeiro, um passo ousado para deixar para trás o peso de uma existência que me sufocava.
As paletes de madeira do navio rangiam sob meus pés, cada passo simbolizando um afastamento do passado e um avanço em direção ao desconhecido.
Aqui, rodeada por passageiros risonhos e funcionários sorridentes, eu podia observar a vida acontecendo em sua plenitude, como um filme projetado em uma tela gigante.
As conversas animadas, os risos contagiantes e até mesmo os desabafos entusiásticos se entrelaçam com o som das ondas, criando uma sinfonia vibrante que ressoava em mim e me convidava a participar.
Ao olhar para aqueles rostos, percebi que todos estavam em busca de algo — aventura, amor, ou talvez apenas uma fuga temporária da rotina.
Essa liberdade da condição humana, que eu tanto ansiava, manifestava-se nas pequenas interações, no calor dos encontros inesperados e nas promessas de novas amizades.
—Cada prato servido nos requintados restaurantes e cada cocktail desfrutado sob o céu estrelado era um brinde a essa nova fase da minha vida.
—Ali, no meio do oceano, longe do celular que não tocava e do mundo que parecia distante, eu tinha a chance de me reinventar.
—Assim, decidi que não apenas escreveria minha história; —eu a viveria em cada respiração, em cada batida do meu coração, transformando cada momento em um capítulo inesquecível de uma jornada ainda por descobrir.
—O uniforme, embora destinado ao trabalho, exibia uma sofisticação impressionante: uma camisa branca com gola suavemente arredondada, que se harmoniza com um avental azul-marinho, uma saia na altura dos joelhos e sapatos fechados que evocavam a imagem de profissionais dedicados. — Estava tudo impecavelmente limpo e bem passado, com padrões discretos — intencionalmente projetados para não chamar a atenção, como uma tela em branco diante de uma obra-prima.
Era exatamente o que eu desejava: ser invisível, como uma tela sem moldura perdida em uma galeria.
Meu cabelo estava oculto sob uma peruca castanha lisa, semelhante àquelas usadas por estudantes em uniformes escolares, e os óculos de grau falsos conferiam um toque quase infantil, evocando a imagem de uma estudante tímida e insegura.
— A ausência de maquiagem apagava qualquer vestígio da mulher que eu já fora — a esposa de Adric Morial Valeforte, herdeira de um império que nunca me pertenceu plenamente, como uma sombra que se camufla atrás de uma luz intensa, incapaz de se destacar em meio ao brilho.
—Essa nova versão de mim era uma construção cuidadosamente projetada, um disfarce meticulosamente elaborado, refletindo a necessidade de me ocultar em um mundo que sempre esperou mais de mim.
— Cada elemento do uniforme ressoava com uma funcionalidade silenciosa, não apenas ocultando minha identidade, mas também proporcionando uma estranha sensação de liberdade.
— Era como se, ao vestir aqueles trajes, eu pudesse deixar para trás as expectativas sufocantes e as obrigações do passado.
O estilo formal, embora restrito, oferecia um conforto sutil, como um abraço suave que me lembrava da escolha deliberada por essa nova vida.
— Sentia uma leveza em cada passo, com cada movimento sussurrando a esperança de anonimato, a promessa de um recomeço.
—Contudo, no fundo, havia um eco distante da mulher que eu antes era, uma lembrança persistente que, mesmo disfarçada, não desistiria de se manifestar nas sombras daquele novo papel.
—Apesar de ter construído essa nova identidade com cuidado, havia momentos em que a nostalgia me pegava desprevenida, como um vento súbito que traz consigo o perfume de um passado que eu tentava desesperadamente esquecer.
Sentia-me como uma artista em busca de sua nova tela, a cada dia, tentando preencher os vazios com cores que não eram mais minhas.
Enquanto percorria as ruas anônimas, observando as vidas dos outros, percebia que essa invisibilidade estava repleta de ironias; era um espaço seguro, mas também uma prisão delicada, onde a solidão e a liberdade dialogam em um constante vai e vem.
— Naqueles instantes silenciosos, pensamentos sobre quem eu era e quem eu poderia ser se misturavam, como tintas em uma paleta, esperando o momento certo para serem aplicadas na tela de minha vida.