CAPÍTULO 6 SUÍTE PRESIDENCIAL

O CONVITE

— Camareira nova? — perguntou uma das veteranas quando entrei no alojamento feminino, no deck inferior.

— Sim. Primeira viagem. — respondi, com a voz baixa.

Ela riu, mostrando um sorriso cansado.

— Bem-vinda ao paraíso dos outros, querida. Aqui, a gente trabalha para que eles acreditem que o céu existe sobre o mar.

Olhei ao redor. As camas eram estreitas, o teto baixo, e o cheiro de sabão misturava-se ao sal do oceano que entrava pelas frestas.

Nada ali lembrava os hotéis cinco estrelas em que eu costumava dormir. E, ainda assim, havia algo de reconfortante naquela simplicidade.

O Ocean Mirage tinha 14 andares.

Cassinos, restaurantes com chefs premiados, piscinas de borda infinita, teatro, galeria de arte, cabines que pareciam palácios — e, abaixo de tudo isso, os corredores discretos onde nós, os invisíveis, vivíamos e mantínhamos o espetáculo funcionando.

Meu primeiro dia começou antes do amanhecer.

O rádio preso ao cinto chiava com as instruções da supervisora:

— Camareiras do Deck C, preparem as suítes 301 a 315. Tripulação do Deck D, embarque às 06h15.

Olhei meu relógio — 05h40.

Respirei fundo.

Enquanto empurrava o carrinho de limpeza, percebi como aquele corredor interminável parecia um espelho da vida: portas idênticas, tapetes impecáveis, e, atrás de cada uma, uma história diferente.

Abri a primeira cabine.

A suíte era maior do que muitos apartamentos em Manhattan.

Cortinas de seda, flores frescas, um perfume caro pairando no ar e a vista infinita do mar.

As toalhas tinham o logotipo dourado do navio bordado à mão, e cada detalhe — desde a dobra dos lençóis até o posicionamento das taças — seguia um padrão quase cerimonial.

Enquanto arrumava a cama, uma sensação estranha me percorreu.

Era como se, pela primeira vez, eu compreendesse o peso do trabalho invisível que sustenta o luxo.

“Então é assim que as pessoas menos favorecidas se sentem...”

Pensei, passando o pano úmido sobre a escrivaninha.

“Trabalham em silêncio, sustentam impérios, e quase nunca recebem um olhar de reconhecimento.”

Havia dignidade naquela rotina silenciosa.

Uma dignidade que o dinheiro jamais poderia comprar.

À tarde, o sol refletia nas janelas, formando cristais dourados que dançavam sobre o chão.

Parei por alguns segundos no convés de serviço, olhando o mar. O vento frio trouxe o cheiro de sal e liberdade.

Fechei os olhos.

Pela primeira vez em muito tempo, senti que podia respirar sem pedir permissão.

A supervisora me chamou, quebrando o momento:

— Lara! A suíte presidencial está sem camareira. Pode cobrir hoje?

— Posso, sim, senhora.

Meu coração acelerou.

A suíte presidencial era o topo da hierarquia. Apenas funcionários de confiança entravam lá.

Peguei o carrinho e caminhei até o andar superior. As portas automáticas se abriram com um som suave. O corredor tinha aroma de jasmim e um silêncio quase reverente.

Bati à porta. Nenhuma resposta.

Usei o cartão-mestre e entrei.

O ambiente parecia outro mundo.

O chão era de mármore claro, os móveis de carvalho, e uma escultura de vidro ocupava o centro da sala.

O quarto principal tinha lençóis de algodão egípcio, e o closet, uma fileira de ternos alinhados — mas nenhum hóspede à vista.

Comecei o trabalho, metódica: troquei toalhas, substituí sabonetes, ajeitei almofadas.

Enquanto isso, uma voz masculina ecoou atrás de mim, baixa e serena:

— Parece que você leva o trabalho a sério.

Virei-me de repente.

Ele estava encostado na moldura da porta da varanda, camisa branca, mangas dobradas, olhar tranquilo.

Devia ter uns trinta e poucos anos.

Moreno, alto, traços fortes e um sorriso contido — o tipo de homem que não precisa falar muito para dominar o espaço.

— Desculpe, senhor, eu... não sabia que havia alguém na suíte. — murmurei, constrangida.

— Não há problema. — respondeu, dando alguns passos à frente. — Gosto de ver como as pessoas fazem o que amam.

Fiquei sem saber o que responder.

“Amar”? Eu apenas trabalhava. Mas naquele instante, algo no olhar dele fez o tempo desacelerar.

— Qual é o seu nome? — perguntou.

— Lara Vasques— respondi.

— Apenas Lara?

— Sim, senhor.

Ele sorriu de leve.

— Gosto de nomes curtos. Fáceis de lembrar.

Pegou uma garrafa d’água da mesa e, antes de beber, perguntou com naturalidade:

— E o que faz uma mulher como você trabalhar em um navio como este?

— Todos têm contas a pagar, senhor. — respondi, seca.

— Nem sempre. — Ele pousou a garrafa. — Alguns estão apenas fugindo de alguma coisa.

Meu coração deu um salto.

Será que ele via através de mim?

— Só precisava mudar de ambiente. — murmurei.

— Entendo, — disse ele, observando o mar pela janela.

— Às vezes o mar é o único lugar onde podemos recomeçar sem precisar explicar nada a ninguém.

Ele falava como quem carregava o peso do mundo nos ombros — e eu, como quem havia perdido o próprio chão.

— Senhor, eu já terminei. — disse, tentando manter a postura profissional.

— Espere. — Ele virou-se para mim. — À noite haverá uma recepção no salão principal. É tradição do navio no primeiro dia de travessia.

— Sim, eu sei. — respondi, tensa.

— Você deveria ir,— disse ele, com um meio sorriso.

— Mesmo que seja apenas para observar, às vezes, estar no meio da festa ajuda a entender melhor quem somos fora dela.

Abracei o carrinho de limpeza.

— Funcionárias não participam das recepções, senhor.

— Sempre há exceções. — disse ele, com um olhar que eu não consegui decifrar. — E este navio é cheio delas.

Ele se afastou, pegando um livro sobre a mesa.

Antes de sair, acrescentou, quase num sussurro:

— Espero vê-la lá, Lara.

Fiquei parada por alguns segundos, observando a porta se fechar.

Meu coração batia rápido.

Quem era aquele homem?

Ele falava como se conhecesse cada canto do navio. Como se fosse... dono de tudo aquilo.

Mas não podia ser.

Pessoas assim não conversam com camareiras.

Olhei meu reflexo no espelho: peruca, óculos, uniforme.

Uma mulher invisível.

E, pela primeira vez, senti que alguém havia me enxergado de verdade.

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