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saudade é quando o corpo segue em frente, mas o coração fica para trás…

PILLAR LAZZARO

DOIS DIAS DEPOIS

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Ainda não caiu a fixa que meu pai se foi, chega ser impossível de acreditar que nunca mais o verei e tudo piora por ter chegado atrasada no velório faltando poucos minutos para o enterro. 

Por estar muito cansada da cirurgia longa do Alejandro, Tiane me convenceu a dormir um pouco, porque só sabia chorar e minhas vistas estavam ardendo muito para dirigir cinco horas seguidas. Decidi ir no começo da noite assim não sofreria com o trânsito que pegaria em algumas cidades durante o caminho até chegar em Marbella.

Sai de Madri às cinco da tarde, peguei trânsito na cidade, mas quando entrei na rodovia fui tomada pelo silêncio do meu carro e chorei tanto que tive que parar no meio do caminho. 

Estacionei em um posto até consegui me recuperar. Conclusão: chorei tanto que peguei no sono e só acordei porque Manu me ligou perguntando onde eu estava, o dia tinha clareado e desesperada voltei a dirigir, porque faltava quase quatro horas de estrada, fiz de tudo para chegar o mais rápido possível, mas quando cheguei o caixão já tinha sido fechado.

Fiquei tão chateada que não consegui me despedir que de certo modo isso ainda me incomoda muito, pois deveria ter ido mais cedo ou feito o mesmo que Manu seguido para lá no helicóptero do Salud, assim teria tido tempo de ficar no velório com meu irmão e minha mãe!

Passei dois dias em casa e meu irmão se isolou da gente. Manu decidiu seguir os passos do nosso pai na medicina e de nós dois ele era o mais apegado ao papai. Não que eu o amasse menos ou fosse menos amada, longe disso, porque nossos pais nunca fizeram distinção entre nós, entretanto, a ligação que tinham era diferente, tipo esse lance de pai e filho contra o mundo.

Depois do enterro fomos para casa no meu carro e minha mãe não parava de falar do meu pai, Manu não respondia e eu tentava dar a ela toda minha atenção.

Ela passou esses dois dias tentando nos animar, mas em sua face era visível o fingimento e isso me incomodou bastante, tanto que vim um dia antes, porque não aguentava mais o teatro apelativo para tentar amenizar a dor do luto.

Será que é tão difícil assim das pessoas entenderem que o luto é para ser vivido? É como se esquecessem que o choro é tão necessário quanto o riso.

Choramos porque sentimos falta, saudades e uma grande vontade de voltar no tempo, afinal, a vida é feita de ciclos e o luto é um deles, na verdade, o fim de todos eles.

— Sei que não fez por mal, mas isso me deixou péssima, por não gostar dessa atitude, queria chorar, sofrer tudo que podia, mas ela não respeitou meu luto. — murmurei baixinho — Se dissesse a alguém minha opinião sobre isso, com certeza seria julgada, mas tenho o direito de sofrer pelo fato de que nunca mais o verei na vida.

Respirei pesadamente liberando minha chateação e Fifi veio para perto de mim. Por ser bem pequena deitou no meu pescoço como se soubesse da minha tristeza e sorri quando seu focinho gelado encostou na minha orelha. 

— Sua danadinha. — fiz carinho em sua cabeça — você sabe quando não estou bem né, mocinha.

Eufórica começou a lamber meu rosto. A abracei com cuidado, porque é bem miudinha.

— Lembro como se fosse ontem, meu pai veio me visitar, porque fazia um tempo que não ia para casa. Meus plantões estavam sem horário fixo, devido alguns residentes terem finalizado a formação e foram remanejados para outros hospitais da nossa rede deixando o Salud um caos por falta de apoio. Me ofereci para fazer plantões extras assim fechava agrade e com isso minha experiência subiu para um nível bem requisitado, porque operava sozinha com muita frequência e comecei a ser chamada de Doutora, assim como Sebastian que iniciou a residência comigo.

Peguei a Fifi no colo e dei vários beijinhos no seu rostinho fofo enquanto deixo a nostalgia se transformar em lágrimas.

— Fazia três dias que estava de plantão, praticamente morando no hospital, tinha acabado de sair de uma cirurgia quando vi meu pai puxando a orelha do Alejandro e do Manu no meio do corredor principal que dá para a entrada de emergência. 

Comecei a rir com a lembrança e Fifi soltou uns latidos fofinhos achando que estou brincando com ela.

— Quando me aproximei vi que era um belo puxão de orelha em dois marmanjos na frente de todo mundo que por ali passava. Perguntei o porquê dessa situação e como dois adolescentes apontaram para mim. Meu pai brigou comigo por não atender suas ligações e as da minha mãe a quase uma semana e quando soube por Alejandro que tinha virado um apoio para furos de grade ele veio para Madri e me arrastou para casa dizendo que tenho que descansar. 

Me sentei e peguei o porta retrato na mesinha de cabeceira que contém uma foto nossa no canil. Alisei seu rosto registrado nesse pequeno papel e as lágrimas voltaram com força total.

— Ele exigiu que comprasse um cachorro , pois desse modo teria a obrigação de voltar para casa todos os dias. Quando bati os olhos em Fifi não queria nem ver os demais. Ela é da raça Lulu da pomerania anão na cor preta com as patinhas e o peito com manchas claras. — beijei seu rostinho peludo — Foi amor à primeira vista, né Fifi.

Ela latiu tentando lamber meu rosto. Voltei a admirar a foto com nós três registrados nela, porque essa princesinha foi meu pai quem me deu ano passado. 

Ele ficou aqui na capital 3 dias e foram os melhores desde que iniciei a residência, porque passeamos e como era verão, fizemos churrasco aqui no terraço e Alejandro, Manu e Pedro vieram para cá. 

— Alejandro ficou chamando minha miudinha de rato peludo e não saiu do colo dele por toda noite e quando foi embora Fifi tinha o cheiro do seu perfume. — coloquei o porta retrato no lugar — Se pudesse voltar no tempo, teria aproveitado mais esse dia.

Tornei deitar e puxei a coberta até meu pescoço. Fifi se enfiou debaixo dela e deitou com a cabeça no meu braço aproveitando do calor do meu corpo. 

Como estou no plantão da madrugada nesses últimos meses da minha residência não me atreverei a sair da cama. 

— Tomara que essa noite seja calma, aí poderei passar um tempo com Alejandro. — compartilhei meus planos com minha bichinha — Assim que ele for para casa, vamos visitá-lo.

Ela latiu como se entendesse e fiquei de mimo com ela até ficar agitada querendo ir na rua para fazer suas necessidades.

Essa época do ano é bem fria e lá fora estar 3,6°C coloquei as botinhas da Fifi sua roupinha de frio e me vesti de um moletom bem grosso. Peguei meu sobretudo e fui com ela até a frente do prédio. Fiquei admirando as decorações de natal enquanto ela fazia o que queria e quando finalizou corremos para casa.

— Vamos garota! — subimos as escadas correndo — Meu Deus, que frio! 

Quando voltei para o interior do meu apartamento bem aquecido, Fifi foi para a caminha dela e eu para minha.

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