Mundo de ficçãoIniciar sessão
O vestido azul que Layla tinha escolhido para aquela noite ainda parecia carregar um pouco da esperança que ela sentia quando saiu do apartamento estudantil. Era uma cor calma, serena, quase inocente. No entanto, agora, horas depois, enquanto caminhava pelo saguão frio do aeroporto, ele grudava em sua pele como um lembrete cruel:
Nada ali dentro dela era sereno. Aos 19 anos, Layla tinha acreditado que viveria o melhor capítulo da própria vida quando embarcou para o intercâmbio. E durante um tempo, viveu mesmo. Clinton Jones era como um raio de sol no meio do inverno inglês. Educado, doce de um jeito que fazia o coração dela bater com uma alegria meio boba. Ele a levava para cafeterias escondidas, deixava bilhetes no bolso do casaco dela, ria como se o mundo inteiro fosse um segredo feliz entre os dois. Era perfeito. Perfeito demais. Talvez por isso tenha sido tão fácil destruir. As imagens ainda queimavam por trás das pálpebras dela, repetindo como um filme riscado. A mãe de Clinton, elegante e fria como mármore, segurava o celular entre dois dedos, como se até o aparelho fosse indigno de tocá-la. Layla lembrava da voz dela, firme e cortante, dizendo: — Você não tem caráter para estar perto do meu filho. Depois, as fotos. Layla em um bar. Layla rindo com um homem que ela nunca tinha visto. Layla sendo abraçada. Layla recebendo um beijo no pescoço. Nenhuma daquelas cenas tinha acontecido. Cada imagem era uma mentira recortada, costurada e montada com a frieza de quem já tinha feito aquilo antes. Mas, para Clinton, a traição tinha sido real. Ele acreditou sem sequer perguntar. Esse foi o golpe mais profundo. No jantar, ele levantou da mesa tão rápido que os talheres tilintaram. O olhar dele, antes cheio de carinho, agora era apenas vidro quebrado. — Como você pôde?, — ele perguntou, e ela nem teve tempo de responder. O segurança a acompanhou até a porta da mansão, enquanto a mãe dele sorria com o canto da boca, satisfeita. Layla sentiu o mundo ruir ali. Mas o que veio depois foi pior. A viagem de volta para o Brasil foi marcada sem pensar. Ela empurrou roupas na mala sem dobrar, esqueceu carregadores, esqueceu metade da autoestima, esqueceu a outra metade no chão da mansão Jones. Agora, no aeroporto, tudo parecia maior do que deveria. Os anúncios em inglês ecoavam como se viessem de muito longe. Pessoas passavam apressadas, arrastando malas, sorrindo, vivendo vidas que não tinham acabado naquela noite. Layla apertou os braços ao redor do corpo, tentando se manter inteira. — Respira, ela murmurou, embora o ar entrasse como gelo. Mas o choro subiu sem pedir permissão. Primeiro no peito, depois na garganta, e enfim vazou pelos olhos, silencioso, teimoso, cruel. Ela tentou limpar, mas as lágrimas voltavam como ondas. Foi quando ouviu uma voz ao lado: — Precisa de ajuda? Ela olhou para cima, enxergando meio borrado. O homem diante dela era alto, usava um casaco escuro e tinha olhos castanhos que pareciam observar sem invadir. O tipo de olhar que não exige, só oferece espaço. — Desculpa — Layla disse, fungando. — Eu só… tive um dia ruim. Uma sobrancelha dele levantou um pouco. — Parece mais um daqueles dias que derrubam a gente por dentro. Ela soltou um riso fraco. — Você não faz ideia. Ele se sentou ao lado, como quem se aproxima de um pássaro ferido: devagar, sem barulho. Não perguntou o nome dela, nem o motivo das lágrimas. Era como se soubesse que qualquer pergunta naquele momento seria mais uma pedra em cima do que já estava pesado demais. — Eu estava indo pegar um café — ele comentou, num tom leve, quase casual. — E percebi que às vezes um café salva pessoas de afundar no próprio peito. Quer vir? Layla mordeu o lábio. Normalmente, ela jamais aceitaria seguir um desconhecido no aeroporto. Mas naquele momento, o desconhecido era a única coisa que não estava pedindo algo dela. Ele não queria explicações, justificativas, provas, nada. Apenas ofereceu um respiro. — Por que… por que você está sendo gentil? — ela perguntou. Ele deu um meio sorriso, daqueles que carregam uma história que a pessoa não conta de primeira. — Porque já estive sentado no chão chorando em um aeroporto também. E alguém me ofereceu café. A vida é uma grande troca de gentilezas atrasadas. Talvez fosse seu tom calmo. Talvez fosse o fato de que ela realmente não tinha mais forças para ficar sozinha. Layla respirou fundo e assentiu. — Tá. Eu aceito. Eles caminharam até uma cafeteria pequena, iluminada por lâmpadas amarelas que deixavam o ambiente parecer mais quente do que realmente era. O cheiro de café torrado envolvia tudo como um cobertor invisível. Ela escolheu um latte grande. Ele pegou um expresso. Cada um segurou sua xícara como se aquilo pudesse ancorá-los no chão. — Sou Anthony — ele disse enfim, oferecendo a mão. — Mas só se você quiser saber. Layla demorou um segundo antes de tocar a mão dele. — Layla. Anthony repetiu o nome com cuidado, como quem testa a sonoridade antes de guardar. — Se quiser falar, eu escuto — ele disse. — Se não quiser, a gente só bebe café juntos olhando as pessoas passarem. Era engraçado. Clinton, que dizia amá-la, sempre pedia mais. Sempre queria explicações, certezas, garantias. Anthony, que a conhecia há menos de cinco minutos, oferecia presença sem cobrança alguma. Layla tomou um gole do latte. O calor correu pela garganta e pareceu apagar um pouco o tremor da alma. Ela olhou para a frente, os olhos carregados de uma tristeza profunda, aquilo fez com que Anthony se preparasse mentalmente para o que viria a seguir. — Eu amava alguém — ela começou, a voz ainda trincada. — E… fui acusada de algo que não fiz. A mãe dela... ela nunca quis que estivéssemos juntos, disse que eu não era suficientemente boa para estar na família, bom, ela não aceitaria uma estrangeira pobre que veio fazer intercâmbio. — Lailla riu, uma risada se expressão alguma. Anthony não a olhou com pena. Apenas ouviu. Um ouvir real, profundo, como se cada palavra tivesse espaço próprio. — Ele acreditou — ela continuou. — Ele acreditou tão rápido que eu percebi que talvez nunca tenha sido amada de verdade. Anthony girou a própria xícara entre os dedos. — Às vezes, o problema não é o amor. É quem a gente confia para segurá-lo. Isso tocou alguma coisa dentro dela. Uma parte que ela achou que estava apagada. — Eu só queria… voltar pra casa e esquecer. — Layla olhou para o vidro da cafeteria, onde aviões subiam como se o céu sempre estivesse pronto para recebê-los. — Jurei que nunca mais vou amar ninguém. Anthony inclinou a cabeça, pensativo, mas sem discordar. — Promessas feitas com o coração quebrado são como vidro molhado — ele disse. — A gente acha que está segurando firme, mas tudo escapa quando seca. Layla riu pela primeira vez naquela noite. Um riso pequeno, mas verdadeiro. O aeroporto seguia seu ritmo, indiferente ao mundo que desmoronava dentro dela. Mas ali, naquela mesa afastada, tomando café com um estranho que não fazia perguntas, Layla sentiu algo diferente. Não esperança. Esperança ainda era pesada demais. Mas uma trégua. Uma pequena trégua. E ela não tinha ideia do quanto aquele café mudaria o curso da sua vida.






