Capítulo 5

Gutemberg (Fantasma)

Deslizo o ferrolho do portão lentamente, verificando por cima do ombro se alguma luz acendeu desde que tranquei a porta da frente, quando percebo que não, solto um suspiro de alívio e olho para baixo. Encaro meus pés descalços e sujos, então, cenas da noite passada explodem dentro da minha cabeça e o cheiro de sangue me atinge.

O sangue está grudado na minha roupa e pele, uma nota clara do que fiz.

Na minha mão direita, meu telefone vibra sem parar.

Esmago a vontade de atender a ligação e jogo o aparelho fora, ele b**e na parede e cai no chão.

Meus pais possuem um lugar importante na sociedade, um lugar herdado da família do meu pai, um lugar que minha mãe nunca vai abrir mão, uma posição que nunca tive a opção de negar. Para toda as pessoas importantes de San Diego, eu sou Gutemberg Ramsey, um promissor advogado com propessões para esportes perigosos, romances rápidos e ativista nato. Para a parte menos favorecida de West City, um lugar que chamamos de Colina, sou o braço direito direito do traficante local.

Meia-noite, assim como eu, não tinha intenção de entrar no submundo do crime.

Acontece que, tudo mudou quando Blake morreu, seu meio-irmão por parte de pai e ex chefe do tráfico da Colina. Ele tinha acabado de descobrir sobre o irmão quando foi brutalmente assassinado na nossa frente, Meia-noite e eu assistimos seus últimos suspiros como dois garotos assustados que éramos até que a realidade bateu.

Um homem tinha sido assassinado na nossa frente! Eu entrei em pânico mesmo com toda a erva que fumei.

Ele disse que eu podia sair, não era a minha luta e eu não precisava cumprir a promessa.

Mas ele era meu amigo de infância, sua mãe havia acabado de falecer de câncer e eu não podia deixá-lo soinho.

Nós dois fizemos o que precisava ser feito, enterramos seu irmão em um ferro-velho e ele assumiu a liderança da Colina. No início, nenhum de nós dois sabia o que fazer,os homens de Blake eram leais e não aceitaram bem a desculpa que criamos, mas Timmy nos ajudou, por alguma razão, Blake contou-lhe sobre o irmão mais novo e ele consegiu convencer os outros sobre a nossa historia.

Se ele desconfia que o chefe morreu, não deixa transparecer. Mas eu sei que é questão de tempo até a história bater no ventilador e voltar para nos morder.

Fecho os olhos por um segundo e sinto a brisa noturna.

Você está ferido?— a pergunta me pega desprevenido, principalmente porque o responsável por ela deveria estar do outro lado da cidade, não aqui. Abro os olhos lentamente e encaro Meia-noite, uma rápida avaliação e constato que ele não está muito melhor do que eu no quesito aparência. Seu cabelo está gorduroso, grudado na testa, seu rosto contém tantos arranhões e ematomas que mal o reconheço, então tem as roupas, a blusa azul está praticamente coberta de sangue.

O que aconteceu? — rebato, olhando para os lados. Ele não deveria estar aqui, não fazia parte do plano.

Sanches morreu, Timmy está ferido e não estou afim de conversar. Entra no carro.

Como assim, o Sanches morreu? O cara é um animal, o homem mais forte que você tem.

Ele fecha os olhos, o lábio superior tique.

Era. Ele era o homem mais forte que eu tinha. Agora, pare de falar e entra no carro.

Fico mais um segundo olhando para ele, até que decido que não é uma pegadinha e corro para pegar meu celular quebrado do chão e subo no carro.

O caminho é regido por um silêncio sufocante e fedido.

O homem do meu lado está perdido dentro da própria cabeça, revivendo cenas que não tenho certeza se quero ouvir. Ele não é Huxley agora, meu amigo de infância, ele é Meia-noite por completo. Obscuro e frio. Eu já traçei o meu limite e não quero ir além e empurrar por respostas e detalhes, apesar de que, noites como essa estarão no meu fututo e não posso evitar.

O contrário do que imaginei, não voltamos direto para a casa na Colina, mas na antiga casa de sua vó e tudo que posso imaginar é o pior.

Ei. — o chamo quando desliga o carro, segurando seu braço. — O que estamos fazendo aqui? — pressiono, checando os arredores. Ele demora um pouco mais do que o normal, mas acaba revelando que deixou Timmy aqui. — E se alguém te ver?

E daí? Essa casa é minha, Fantasma. Ninguém sabe da minha ligação com o tráfico.

Bufo.

Não, mas não sabemos se alguém nos viu naquela noite. — ele puxa o braço do meu aperto e me encara com os olhos semicerrados.

Eu cresci nesse bairro, brinquei com os filhos e netos dessas pessoas, então, embora, alguns não me achassem digno o suficiente para dividir a calçada porque eu era adotado, ninguém vai levantar o dedo e dizer que sou o chefe de uma organização agora. Todos acham que passei os últimos anos viajando pelo mundo, não do lado sujo e pobre da cidade.

Você coloca muita fé nessas pessoas.

O aposto disso, meu amigo. Eu perdi a fé há muito tempo.

Encaro suas costas enquanto ele desce do carro e some dentro da escuridão, até que o vejo pulando o muro. Reviro os olhos.

Bastardo.

Ele foi inteligente o suficiente para estacionar nos fundos da casa, onde poucos ou nenhum vizinhos podem nos flagrar, mas minha intuição diz para ficar em alerta.

Merda. — resmungo antes de sair do carro e fazer o mesmo trajeto.

Pulo o muro com facilidade, aterrizando no vasto jardim. Dou uma breve olhada no canteiro de rosas que costumava enfeitar quase todo o muro do lado de dentro e sorrio quando percebo que, apesar de todo o tempo, meu amigo pagou para que alguém cuidasse do lugar.

Puxo meu celular do bolso, começando a me arrepender de ter batido ele na parede e tento fazer o merdinha funcionar. A tela está arruinada com machas escuras e rachaduras.

Quando percebo que não tem mais jeito para o celular, caminho até a casa, que na verdade é uma mansão de dois andares e observo, resgatando a lembrança do lugar. A entrada possui duas colunas e a arquitetura lembra alguns prédios da Grécia antiga.

Um passo para dentro e o grito de Timmy me faz travar no porta.

Droga.

Quando Meia-noite falou que ele estava ferido, eu esperava algum furo de bala nas pernas ou braços, mas esse tipo de grito parece de algo maior e mais doloroso.

Entra, porra! — Meia-noite grita e me agarra pela camisa para dentro, batendo a porta atrás de mim com força. Meus olhos vão dele para o homem ensanguentado no sófa.

Ele não parece bem. — falo e me arrependo em seguida, percebendo o quão pálido ele está. — Precisamos chamar o médico. — acrescento um segundo depois, caminhando até me ajoelhar de frente a Timmy e erguer sua camisa para checar o ferimento. Parece feio. Muito feio.

Sério? E falar o quê? Olha, eu preciso que você venha até minha casa e costure o ferimento de bala do meu amigo? Não seja idiota, Gutemberg. — Meia-noite explode, jogando punhais com os olhos na minha direção. Aperto meus punhos e parto para cima dele.

Do que você me chamou? — empurro seu peito para trás.

Você ouviu! Tudo que você faz é reclamar e choramingar feito uma criança desde que entrou para organização, vivendo sua vida dupla como se não houvesse consequências. Mas você sabe o quê!? Eu te dei uma escolha, então você precisa lidar com a consequências! — ele rosna cada palavra, aparentemente tudo estava guardado e o consumindo por dentro.

Bato palmas, parecendo tão louco quanto ele.

Eu fiz tudo isso por você, seu bastardo ingrato! Você era o meu melhor amigo e precisava de mim.

Não, você não vai jogar a culpa em mim tão facilmente. Tudo o que você sempre desejou foi uma desculpa para não seguir os passos do seu pai, então me seguiu quando percebeu que a única maneira de fugir da sua vidinha programada era virar um bandido!

E você simplesmente aceitou o legado de um irmão que mal conhecia por amor?Me poupe, Huxley. Você é tão egoísta quanto eu. Sua desculpa de vingar o irmão morto é só para disfarçar seu desejo por sangue e destruição, bastardo doente. — tenho certeza que apertei a tecla errada assim que a última palavra sai da minha boca, principalmente porque prometi nunca falar sobre suas tendências psicóticas. Porém, somos interrompidos por Timmy, que desaba no chão ao tentar se levantar.

Merda. — Meia-noite resmunga, correndo para ajudar Timmy.

Blake está morto? — Meia-noite e eu travamos no lugar, ambos ajoelhados ao lado do corpo ensanguentado do nosso companheiro. Nossos olhares se encontram e depois encaro Timmy, confimando com a cabeça. Ele pragueja e amaldiçoa, mas permite que o ajudemos a voltar para o sófa. — Vamos encontrar um médico. — eu digo.

Vou ligar para Darius. — Meia-noite resmunga, tirando o celular do bolso e se afastando para a direção da cozinha. Sua postura está tensa enquanto ele digita no celular, mas essa é nossa melhor opção. Até três meses atrás, tínhamos um médico em quem podíamos confiar, mas ele foi morto durante uma invasão mal organizada e não encontramos um novo substituto. Darius era o médico que cuidava da mãe adotiva de Huxley, um cara honesto que estou rezando para não fazer tantas perguntas.

Fantasma? — Timmy chama, parecendo ainda mais pálido.

Cara, acho melhor você não falar.

Eu preciso. — diz, agarrando a gola da minha blusa.

Suspiro, afastando sua mão de volta para sua barriga.

Você perdeu muito sangue, melhor guardar energia.

É sobre Davina. — meu corpo enrijece. Eu não quero falar ou pensar nela.

Não.

Por favor, eu preciso que você faça algo por mim. — suspiro, sabendo que ele provavelmente não tem muito tempo se Darius não chegar aqui rápido, tipo agora. Seus lábios estão brancos, isentos de cor, seu rosto está pálido e a vida parece escorrer a cada segundo dos seus olhos.

O quê?

Eu sei que você tem ido atrás dela, observado sua rotina e pretende usá-la para se vingar de Pryia. — pressiono meus lábios juntos, porque ele não deveria saber da minha pequena obsessão por Davina. Ninguém deveria. — Ela não é como a irmã, Gutemberg.

Bufo.

Aposto que ele pensa assim, talvez eu deva contar sobre seus encontros com o professor então? Manchar a imagem pura que ele tem de sua pequena princesa intocável, mas o que eu ganharia com isso?

Dou de ombros no lugar.

Prometa que não vai atrás dela.

Não.

Do que você está falando, cara?

Prometa que se eu morrer, você não chegará perto dela novamente.

Franzo o cenho.

Ele não pode está falando sério.

Por favor, Fantasma. Você me deve.

Fecho os olhos.

Droga.

Tudo bem, se você morrer, eu deixo sua princesinha livre.

Não morra, porra!

Vinte minutos depois, Dr. Darius chega e consegue parar o sangramento de Timmy e retirar a bala, mas precisamos levar ele para o hospital devido toda a quantidade de sangue que perdeu. Meia-noite paga uma pequena fortuna para todo o lance da bala ser ignorado e nenhum funcionário olha na nossa direção duas vezes, quando decido que abusei o suficiente da sorte, escuto uma enfermeira falar o nome do meu pai e preciso parar para ameaçá-la. Felizmente, tudo ocorre bem.

Menos para a enfermeira, é claro.

Ela com certeza pedirá demissão e mudará para outro país, talvez outro continente, apenas para ficar longe de mim.

Quando chego em casa, tomo um banho rápido e preparo um sanduíche.

Sem celular, me rendo ao notebook e acesso a rede social de Davina. A chamo para conversar assim que ela fica online, só que para ela eu não sou Gutemberg ou Fantasma, apenas Sissy.

Uma garota legal e introvertida.

O fake ideal para enganar garotas tolas.

Bom, vamos ver o que você aprontou hoje, ratinho. — falo comigo mesmo, digitando a pergunta que estou me remoendo para saber a noite toda.

Você finalmente cedeu ao seu professor?”

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