Capítulo 6

 

 

DAVINA

A coberta que escolhi hoje cedo, a mesma que venho usando desde os treze anos e acolhi como favorita depois que vovó confessou que costurou sozinha, mal cobre a cama, deixando um terço do colchão amostra. Acontece que, eu me recuso a trocar a coberta e pegar uma nova.

Mesmo com a porta do quarto trancada, posso ouvir a discussão dos meus pais, todo dia eles encontram uma razão nova para brigarem, mesmo que o motivo seja algo bobo como deixar a casca da laranja na pia. É besteira, todos nós sabemos que mamãe culpa papai pela partida de Pryia. Mais uma besteira. Minha irmã sempre odiou esse lugar e partiria cedo ou tarde, aconteceu que foi cedo o bastante para deixar mamãe louca.

Me jogo de volta na cama, me afogando no meio dos travesseiros alinhados. Minha irmã costumava implicar comigo sobre isso na infância, indicando o quanto eu era estranha por ter tantos travesseiros ao meu redor que não sobrava espaço para mim no colchão.

A lembrança me faz olhar para o lado, para sua cama vazia e arrumada. Ela odiava dividir o quarto comigo, insistia que precisava do próprio espaço e privacidade, mas nossa casa nunca foi grande o suficiente para cada uma de nós ganhar um lugar exclusivo. Mesmo que eu não falasse nada, eu também odiava, Pryia era uma péssima colega de quarto e mexia nas minhas coisas.

Davina? Você vai perder a hora. — é a voz de papai, eu não percebi que eles pararam de brigar até agora.

Pulo para fora da cama no segundo seguinte, ele não vai me dar um segundo aviso, então preciso ser rápida para conseguir uma carona.

Quando meus colegas descobriram que minha irmã havia partido para a Itália, as coisas ficaram difíceis na escola. Eu não era popular, mas exercia certo poder no grupo que fazia parte, o que era o grupo de leitura e debate. O verdadeiro inferno explodiu quando todo tipo de versão da história surgiu, algumas piadas sobre Pryia ter ido oferecer seus tributos latinos em outro lugar foram contadas aqui e ali, boa parte delas foi dita enquanto eu passava. Os garotos começaram a fazer ofertas de pagar pelo meu tempo, mas eu os ignorei. Até que algumas garotas aparecem na porta da minha sala na hora do intervalo, implorando que eu dissesse o nome do aplicativo que Pryia conheceu seu namorado italiano. O ápice. 

O lado bom é que a história estava ficando antiga e faltava menos do que quatro meses para a conclusão do ensino médio, sem falar que eu estaria completando dezoito anos em dois meses e poderia fazer minhas próprias escolhas. Quase fico feliz com isso, mas lembro que Pryia foi mais esperta e preciso ficar aqui para ajudar meus pais, porém, mamãe não me deixaria ir agora. Ela não suportaria me perder também.

Obrigado. — murmuro para o pai, mergulho no assento do passageiro e puxo o cinto sobre mim. Ele assente, mas não diz nada o caminho todo. O clima é sempre estranho em casa e só me sinto bem quando estou trabalhando com vovó, fazendo bolos, doces ou entregas. Quando ele finalmente para na frente da escola, dou um beijo na sua bochecha e agradeço novamente.

Passo pelo portão de ferro com minha atenção redobrada, murmurando um oi para Tom, o guarda. A distância do pátio principal até minha sala de aula é curta, mas ando o mais rápido possível. Com o canto do olho esquerdo, vejo Aaron se aproximar. Nós tivemos um lance, algo rápido e casual que o deixou confuso. Ele segura meu braço antes que eu tenha a chance de entrar na sala e me arrasta até a biblioteca, mas precisamente o beco na lateral. Nossa escola é enorme, mas não recebe muitos recursos para manutenção, então alguns lugares viraram refúgio para aqueles que querem alguma privacidade. Aaron conhece todos os lugares.

O que você quer? — questiono, puxando meu braço do seu aperto e colocando alguma distância sobre nós. Ele é maior do que eu, possui ombros largos pelos anos de natação com uma expressão relaxada que me irrita até a alma.

Não seja tão espinhosa, baby. — diz e quero vomitar com o apelido. Sua mão vem até meu queixo e bato nela, o que faz seus olhos apertarem.

Diga o que quer, Aaron. Eu tenho aula.

Um sorriso desdenhoso cresce no seu rosto e aperto a alça da mochila com mais força. Até um tempo atrás, eu costumava achar sua personalidade cativante, principalmente quando tinha seus olhos castanhos em mim.

Quero um favor. 

Bufo. 

Ele não pode estar falando sério.

Não.

Você nem sabe o que vou pedir. — Sua voz se agita, embora sua expressão não mude. 

Ergo uma sobrancelha e cruzo os braços na altura dos seios.

Isso tem algo a ver com Timmy, certo? Você quer que eu fale com ele por você.

Algo passa pelos seus olhos, deixando o castanho mais escuro, quase preto. Ele abandona a expressão relaxada por uma carranca mal-humorada, porém isso só dura o intervalo de alguns segundos.

Se você pedir, então ele fará.

Mordo a parte interna da bochecha, odiando ter permitido que caras como Aaron e Timmy entrassem na minha vida, embora Timmy só tenha sido um amigo. Melhor amigo.

Empurro meu nariz para cima, assim como Pryia costumava fazer quando estava pronta para encerrar uma conversa que não queria manter e sorrio para ele de forma amável.

Sinto muito, Aaron. Isso não vai acontecer. — empurro o corpo dele para o lado e faço o caminho de volta para o corredor. Acontece que eu só consigo andar três passos antes da sua mão agarrar minha nuca e me puxar contra seu peito. Eu gemo de dor quando ele puxa parte do meu cabelo e minha cabeça inclina para trás.

Não vire as costas para mim, Davina. Nunca. 

O que está acontecendo aqui? — o tom autoritário faz Aaron me soltar, mas não antes dele sussurrar para que eu fique quieta. Meus olhos alcançam os de Tom e ele franze a testa. 

Nada. — Aaron diz, jogando o braço ao redor do meu ombro. 

Davina? — Tom pergunta, ignorando o cara com o braço ao meu redor, embora sua atenção esteja focada justamente nesse ponto. 

Suspiro.

Me desprendo do toque de Aaron e dou um passo para frente. 

—Estávamos conversando. — digo e os olhos de Tom voltam a me encontrar, não consigo ignorar a fagulha de decepção lá, mas dizer a verdade só vai dificultar as coisas para ele aqui dentro. Aaron é problemático, mas tem muitos seguidores e não posso arriscar ficar na linha de frente de sua atenção agora. 

Vão para a aula. — ele rosna, fazendo bom uso do seu poder. Aaron b**e continência e sai assoviando.

Sinto muito. — eu murmuro quando passo por ele, baixo o suficiente para que só nós dois escutemos. Por um lado, não sei porque estou me desculpando quando não fiz nada, mas deve ser a maneira como ele continua me olhando. 

Sra. Carter? Um minuto, por favor.

Travo no lugar, minha respiração ondulando quando ouço seus passos atrás de mim. 

Ele não deveria falar comigo aqui, não quando estamos sozinhos. Alguém pode perceber.

O quê? — pergunto, mas minha voz é tão baixa e rouca que mais parece um grunhido.

Tom olha para os lados antes de acabar com a distância entre nós, então quando tem certeza que não há ninguém perto, seus dedos tocam e minha bochecha e lábios.

Senti sua falta nesse fim de semana.— seu tom é doce, tão doce que quero sorrir, mas não posso. Ele e eu não vai mais acontecer.

E sua noiva? — a ruga aparece entre suas sobrancelhas e seu corpo fica tenso, mas tudo que ele faz é balançar a cabeça. Eu ainda tinha esperança que ele negaria.

Eu não a amo.

Ela está esperando seu bebê. — acuso, me afastando do seu toque. 

Sim, ela armou para mim. Vou casar com ela só para dar uma família para a minha filha. 

Entorto o nariz.

Ótimo, então volte para ela e fique longe de mim.

Não, Davina. Não posso. Quero você.

Bufo.

E você espera que eu seja sua amante ou o quê? Não vai rolar, professor. — minhas palavras são amargas e não espero por uma resposta quando viro de costas e sigo direto para a sala. Infelizmente, ele terá a primeira aula e precisarei fingir que sua presença não me incomoda. 

Minha vida se transformou em um terreno estéreo muito rápido, mas me recuso virar alguém que não respeito. Quando Pryia foi embora e meus pais iniciaram sua guerra fria, eu me senti perdida e sobrecarregada. Tom veio e ofereceu seu apoio, no início, pensei que ele só estava sendo gentil, mas seus olhares gritavam algo mais e acabamos nos beijando. Me senti renovada. Desenvolvemos uma espécie de romance e a cada vez que ele me tocava, uma parte de mim melhorava. Tom nasceu no Japão, assim como seu pai, mas sua mãe é brasileira. Ele é jovem, recém formado em história e bonito, muito bonito. Eu não sabia que ele tinha uma noiva até duas noites atrás, quando resolvi verificar suas redes sociais e esbarrei numa foto deles juntos num jantar em família.

Cretino.

Afundo na cadeira, colocando minhas coisas na mesa a minha frente. Alguns colegas falam comigo e retribuo, respondendo algumas perguntas sobre o fim de semana até que Tom entra e inicia a aula. 

Pego meu celular de dentro da bolso e vou nas conversas que troquei com Sissy. Eu geralmente não confio em muitas pessoas, mas ela não me conhece além das redes sociais, e eu precisava falar com alguém sobre Tom. Acabei contando tudo sobre o que tivemos, apesar de que nunca fomos além de beijos e toques. Ela acabou revelando que também já ficou com seu professor de inglês e acabamos falando um pouco sobre tudo, principalmente sobre minha irmã e pais. Fecho nossa conversa quando percebo que ela ainda não visualizou a última mensagem que enviei e fico navegando pela internet. 

Um burburinho inicia quando Tom encerra a aula e outro professor assume, mas tudo que posso ouvir é o nome de Timmy.

Puxo Miranda pelo ombro e pergunto o que aconteceu.

Você não soube? Timmy foi baleado quatro dias atrás. 

No intervalo, Aaron me pressiona novamente e acabo prometendo que falarei com Timmy, mas eu sei que é só uma desculpa para ir visitá-lo.

Descobrir o endereço do hospital é fácil, porém é distante e preciso pegar uma carona com um colega, que coincidentemente, trabalha perto. 

O lugar é diferente do que imaginei, principalmente porque cheira a dinheiro e gente rica. Não fico impressionada quando a recepcionista me olha como se eu fosse uma intrusa, mas também não fico intimidada. Ela me dá um número e um passe, informando que tenho apenas vinte minutos de visita.

Estou pronta para bater na porta quando escuto gritos, duas vozes masculinas.

Você prometeu! — um deles grita e identifico como a voz de Timmy. 

Com quem ele está falando?

Curiosidade agita meu corpo e checo os lados antes de descansar a cabeça contra a porta.

Isso era se você morresse, cara. — o outro diz, uma nota clara de deboche. 

Minhas sobrancelhas sobem.

Se ele morresse!?

É melhor eu voltar outra hora.

Qual é o seu problema com ela, afinal? Ela não é a irmã, Fantasma. — Timmy continua gritando e travo no lugar.

Ele acabou de falar...

Cala a boca, porra! Não existe Fantasma aqui, apenas o Gutemberg. Lembre-se disso, ninguém pode saber sobre minha outra vida.

A porta se abre antes que eu possa processar todas as informações e caio para dentro do quarto, aos pés do culpado pela ruína da minha família.

Ora.. ora.. o que temos aqui?

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