Mundo de ficçãoIniciar sessãoElena Rossi
Eu não sei quanto tempo dormi. Talvez uma hora, talvez nenhuma.
O balanço do mar me embalava num quase-transe, mas a mente não descansava. As vozes voltavam em fragmentos, Lara, o contrato, as regras, Sophia no hospital e o nome dele repetindo dentro da minha cabeça como uma maldição: Damian Cavallari.
Quando um som suave de três batidas discretas na porta, me arrancou da cama, o coração disparou.
Levantei devagar, ainda com o corpo pesado. A luz dourada da tarde filtrava-se pelas cortinas de linho, banhando o quarto numa calma mentirosa.
Abri a porta.
Um homem de terno escuro, provavelmente um dos seguranças do iate, estava parado ali. O rosto impassível, os olhos baixos, sem me encarar diretamente. Nas mãos, segurava uma caixa preta, envolta por uma fita de cetim vermelha.
— Entrega para a senhorita Rossi. — disse apenas.
Assenti, sem entender.
Peguei a caixa. O peso era leve, o perfume que saía dela, inebriante, notas de lírios e âmbar, delicadas e provocantes. Antes que eu dissesse qualquer coisa, o homem inclinou a cabeça e se afastou pelo corredor silencioso.
Fechei a porta e coloquei a caixa sobre a cama. O coração batia rápido, por um instante, hesitei, depois, puxei a fita e levantei a tampa.
O ar pareceu escapar dos meus pulmões.
Ali, cuidadosamente dobrado, repousava um vestido de seda vermelha.
Um vermelho profundo, como vinho derramado ou sangue sob o luar. Toquei o tecido com a ponta dos dedos, frio, leve, escorregadio, tão fino que parecia líquido. O decote era ousado, em V profundo, com duas alças delicadas que se cruzavam nas costas nuas. A cintura marcava de forma precisa, e a fenda lateral subia até o meio da coxa, prometendo mais do que mostrava.
Um vestido feito para chamar atenção. Feito para ser visto. Feito para obedecer a um olhar que já me possuía antes mesmo de me tocar.
Debaixo dele, um conjunto de lingerie: renda e seda vermelha, rendas finas que pareciam obra de arte. O sutiã era pequeno, estruturado apenas o suficiente para sugerir mais do que cobrir. A calcinha… minúscula. Quase um convite indecente.
Senti o rosto corar imediatamente.
Por reflexo, fechei a caixa, como se esconder aquilo pudesse fazer o gesto desaparecer.Mas algo brilhou no fundo. Um pequeno cartão, dobrado ao meio.
Peguei-o.
A caligrafia era firme, elegante, masculina. Três linhas apenas.
“Vista o que está na caixa e esteja no salão às 20:00 horas. Não se atrase.”
Nenhuma assinatura, mas eu não precisava dela. A letra era tão precisa quanto o dono do navio.
Respirei fundo, encostando-me à parede. O relógio do quarto marcava 19:12, eu tinha exatamente quarenta e oito minutos.
O que aconteceria se eu não fosse?
A resposta surgiu em minha mente, fria e imediata: Sophia.
Fui até o espelho. O rosto refletido ali parecia outro, olheiras suaves, pele pálida, olhos grandes e cansados. Meu cabelo, ruivo e desgrenhado, caía sobre os ombros como um lembrete de quem eu tinha sido antes daquela noite.
Mas agora… agora eu precisava ser outra. Talvez uma versão de mim que ele não conseguisse destruir tão facilmente.
Demorei longos minutos para me preparar. O toque da seda contra a pele era como fogo e gelo ao mesmo tempo, escorregadia, provocante, quase viva. Quando o fecho se encaixou nas costas, o vestido moldou-se ao meu corpo com perfeição assustadora, como se tivesse sido feito sob medida. O tecido abraçava minhas curvas, fluía ao redor das pernas, e quando caminhei até o espelho, o vermelho pareceu ganhar vida, uma segunda pele, perigosa e irresistível.
Tentei me convencer de que não era sobre ele. Era sobre mim. Sobre o que eu precisava fazer para manter Sofia viva. Mas o espelho não mentia.
A mulher refletida ali não era a mesma que entrou naquele iate.
Penteei o cabelo com cuidado, prendi-o em um coque elegante, deixando algumas mechas soltas caírem ao redor do rosto. Passei um batom discreto, um toque de perfume. As mãos tremiam o tempo todo.
Quando terminei, o relógio marcava 19:58.
O silêncio era absoluto. Tão profundo que o som do meu próprio coração parecia ecoar no quarto.
Eu estava prestes a sair quando três batidas, firmes e compassadas, ressoaram na porta.Meu corpo inteiro ficou rígido e por um segundo, pensei em fingir que não estava ali. Mas o medo veio junto com a certeza: ele sabia.
Caminhei até a porta e a abri devagar.
E lá estava Damian Cavallari.
Dessa vez, trazia uma pequena caixa retangular, envolta em veludo negro.
A luz dourada do corredor refletia sobre os fios castanhos do cabelo dele, que caíam suavemente sobre a testa, um desalinho quase proposital, contrastando com o resto de sua aparência meticulosamente composta. O terno escuro, de corte italiano, ajustava-se ao corpo com precisão, delineando a força contida dos ombros e a firmeza do porte.
Por um momento, nenhum de nós falou. O olhar dele percorreu o meu corpo lentamente, sem pudor, sem pressa. Cada segundo desse olhar parecia despir uma camada de resistência.
Senti a pele arrepiar.
— Você seguiu as instruções. — disse, por fim, com a voz baixa e controlada.
Engoli em seco.
— Não achei que tivesse escolha.
Ele se aproximou meio passo, e o espaço entre nós se tornou quase inexistente.
— Sempre há escolha, Elena. — respondeu. — Algumas apenas custam mais caro.
Não consegui desviar o olhar.
Aquela calma dele me desconcertava mais do que qualquer grito. Era o tipo de frieza que não precisava provar poder, ele era o poder.
— Está nervosa. — murmurou.
— O senhor causa esse efeito nas pessoas. — tentei responder, mas a voz saiu rouca demais.
Um leve sorriso tocou os lábios dele, rápido demais para ser gentil.
— O senhor? — repetiu. — Isso me faz parecer mais velho do que sou.
— E como devo chamá-lo, então? — arrisquei, sentindo o coração acelerando.
Ele se inclinou um pouco, até a voz roçar a pele do meu pescoço.
— Damian é o suficiente.
O nome soou como uma promessa perigosa. Senti o ar esquentar entre nós.
O olhar dele subiu lentamente do decote até o meu rosto, e quando nossos olhos se encontraram, havia ali uma faísca de curiosidade, domínio, algo que ele tentava controlar… e talvez não conseguisse.
— Para você. — disse, estendendo a caixa com tranquilidade.
A voz saiu baixa, firme, e parecia preencher o ar entre nós.
Por um instante, não consegui me mover.
— O que é isso? — perguntei, e até eu percebi o tremor na minha voz.
— Um presente. — respondeu simplesmente. — Ou um lembrete. Depende de como prefere olhar.
Peguei a caixa com cuidado. O toque dos dedos dele roçou o dorso da minha mão, breve, calculado, mas suficiente para fazer o ar mudar de temperatura. O perfume dele envolveu o espaço, e eu precisei respirar fundo para não demonstrar o quanto aquilo me desestabilizava.
Ao abrir a caixa, o ar me faltou por um segundo.
Dentro, repousava um colar de rubis, tão delicado quanto imponente. As pedras, de um vermelho intenso, pareciam pulsar sob a luz. O ouro fino que as unia refletia o brilho como pequenas chamas. Era o tipo de jóia que não pertencia a mim, pertencia ao mundo dele. Um mundo onde tudo tinha preço, até o silêncio.
— É… lindo. — murmurei, sem saber o que mais dizer.
Ele deu um passo à frente, aproximando-se o bastante para que eu sentisse a presença dele, densa e estável como uma parede.
— Vire-se. — ordenou, com uma calma que não admitia questionamento.
Por um momento, fiquei imóvel. Não porque duvidasse do que ele queria, mas porque temia o que aquilo despertava em mim. Ainda assim, obedeci.
Afastei o cabelo e virei de costas.
O quarto mergulhou num silêncio espesso. Senti o leve deslocar do ar quando ele se aproximou, o som quase inaudível da corrente sendo retirada da caixa, o tilintar do metal contra o anel do fecho.
E então, o toque.
Frio, contido, preciso, mas suficiente para me lembrar de que, a partir daquele instante, o meu destino já não me pertencia mais.







