Capítulo 6

Aqui estou eu, começando uma nova fase da vida, e logo com grandes mudanças. Agora sou oficialmente caloura do curso de Letras em uma universidade pública da minha cidade.

Meu pai seguia na reabilitação, não tinha chance de trabalhar. E, sinceramente, eu também não queria que ele trabalhasse, não naquele estado. Na verdade, em nenhum. Eu queria que ficasse em casa, descansando. O máximo que permitia era preparar o jantar para mim quando eu chegasse cansada da faculdade, e talvez de algum bico leve que eu arrumasse.

Eu via como se sentia desconfortável dependendo da filha. Mas o que podia fazer? Mal conseguia andar, e nenhum empregador aceitaria alguém assim. Já para mim, era muito mais fácil conseguir trabalho, ainda mais na área que eu estava estudando: revisão, auxiliar de edição, correção de textos… qualquer experiência seria válida.

Algumas noites em claro, agarrada à caneca de café, iluminada apenas pela tela do notebook, e finalmente encontrei o que buscava: uma empresa de jornalismo estava contratando revisores. A primeira coisa que me chamou atenção foi o anúncio em letras garrafais: “NÃO É NECESSÁRIA EXPERIÊNCIA”. Isso bastou para me convencer a enviar o currículo na mesma hora, e assim fiz.

A resposta veio rápido: um convite para entrevista em tal dia, tal endereço.

No dia marcado, lá estava eu na recepção da empresa, aguardando para receber a ficha de inscrição. Peguei a papelada e me virei em direção aos sofás da sala de espera. Só havia uma vaga disponível e fui até lá, observando discretamente as outras candidatas.

Torcia para que aquelas meninas estivessem ali para cargos administrativos, no máximo secretariado. Não tinham cara de revisoras, muito menos de editoras. Se eu fosse escritora, não confiaria a elas nem a correção de um bilhete. Pela postura e pelo jeito, parecia que tinham outros interesses além de trabalho sério.

Ainda assim, algumas podiam, sim, ser concorrência. Relaxar não era opção. Respirei fundo, dei um sorriso simpático e comecei a preencher meu formulário, revisando cada linha dezenas de vezes. Logo chamaram a primeira candidata e corri para entregar meus papéis, com medo de algum atraso me prejudicar.

O tempo passou. Uma a uma, as meninas iam entrando no corredor e saíam depois de alguns minutos. E então chamavam a próxima, até que só restasse eu. A sala de espera ficou silenciosa e, aos poucos, fui tomada pela sensação incômoda de que talvez não tivesse nenhuma chance.

Foi quando a candidata que entrou antes de mim reapareceu no corredor. Só que não me chamaram. Estranho.

Cheguei a pensar que já tinham escolhido alguém e que não iam nem me ouvir. Mas a explicação foi bem mais simples.

O telefone tocou no balcão da recepção. A atendente atendeu, e logo seu rosto mudou para uma expressão de culpa.

— Sim, senhor… — sua voz soou aflita. — Me perdoe, eu esqueci de entregar um dos formulários. Não, não, ela chegou no horário, até adiantada. A falha foi minha. Eu simplesmente… esqueci dela.

O olhar culpado da recepcionista se desviou para mim por um instante, antes de voltar para baixo do balcão.

— Não, mais ninguém. Eu sei das regras. Aqui é tudo no horário certo. Quem chega atrasado para entrevista vai chegar atrasado para o trabalho também, e não precisamos disso.

As palavras ficaram gravadas na minha mente. Então a voz do outro lado da linha respondeu, e a moça completou:

— Sim, senhor. Vou chamá-la agora mesmo.

Ela desligou, pediu desculpas em voz baixa e me conduziu até uma porta com uma placa dourada: “Cristian Moreau, CEO-Presidente”. Pediu que eu aguardasse um instante enquanto ele analisava minha ficha. Esperei, claro. Só entrei quando ela retornou e me convidou.

E então congelei na porta, sem acreditar no que via.

Não contei os dias desde o último leilão, mas já devia fazer uns seis meses. Ainda assim, bastou um olhar para reconhecê-lo. Sem máscara, sem disfarces… mas era ele. O meu comprador. O homem que havia pago duas vezes por mim.

Sentado na cadeira de couro atrás da mesa, Cristian examinava o formulário que eu havia preenchido. Quando ergueu os olhos, vi no rosto dele o mesmo choque que eu estava sentindo. Ele também me reconheceu.

— Achei que tínhamos combinado que você não iria atrás de mim — sua voz soou firme, sem a suavidade que lembrava do hotel. — Então me explica: o que diabos você está fazendo aqui?

Ele só podia estar brincando. Como eu iria adivinhar que ele era justamente o dono do primeiro jornal onde consegui entrevista?

— O que eu estou fazendo aqui? Procurando emprego! — respondi, a voz trêmula. — E mesmo sem experiência, mesmo sendo caloura ainda, eu tenho muito a oferecer. Fui ótima aluna, tenho histórico escolar impecável e…

Eu já estava me enrolando nas palavras, feliz até quando ele me interrompeu.

— Chega — Alexandre levantou o formulário e balançou no ar. — Eu li seu currículo, Isabele.

Ele voltou os olhos para o papel, franzindo a testa.

— Isabele? — repetiu, surpreso. — Eu jurava que você se apresentava só como Ísis.

— Está certo, Ísis é apelido. Mas não vim aqui discutir meu nome. Eu preciso de trabalho. Se não confia na minha falta de experiência, faça um teste comigo. Qualquer um. O mais difícil que tiver.

Ele me encarou em silêncio, pensativo. Eu sabia que tinha falado bobagem, um teste assim poderia me derrubar. Mas aquela vaga era perfeita para mim. Eu precisava daquilo. E, no fundo, pensava… se fosse necessário, ainda teria cartas na manga.

Por fim, ele se recostou na cadeira.

— Está bem. Vou aceitar sua inscrição. Considere essa entrevista como aprovada. Mas antes de liberá-la para o teste, quero uma resposta.

Assenti, sem imaginar o que viria.

— Há alguns meses, você recebeu uma boa quantia. Logo depois, outra, menor. Se tivesse administrado direito, não precisaria trabalhar tão cedo. Daria para se sustentar por pelo menos dois anos.

Ele fez uma pausa calculada, esperando que eu mesma refletisse. Mas fiquei quieta, encarando-o. Então ele perguntou de fato:

— Menos de seis meses e já acabou tudo? Não é da minha conta onde gastou, mas…

— Sim, o senhor tem razão, Cristian… — hesitei, tentando lembrar.

— Moreau. Cristian Moreau.

— Sim, senhor Moreau. Mas veja bem, o senhor tem toda razão em uma coisa: isso não lhe diz respeito. Aquele dinheiro era meu, e só a mim cabia decidir quanto e onde gastar. E repare na palavra: precisava gastar, não queria. Precisava. — Disse tentando me manter controlada. — Eu não pedi esmola, não pedi favor. Eu ganhei aquele dinheiro, de um jeito nada comum, é verdade. Ganhei com o meu corpo, sim, mas ainda assim, foi um trabalho.

Vi as sobrancelhas dele se erguerem. Por sorte, ele pareceu entender. Guardou o formulário numa pasta e me encarou com seriedade.

— Eu só precisava ter certeza de que você realmente quer essa vaga.

— Vaga? — pensei. — Eu tinha me inscrito para uma substituição temporária, um freela…

Ele prosseguiu:

— Eu entendo que sua prioridade agora seja a faculdade. Mas eu não procuro só alguém para agora. Quero alguém com potencial de crescer aqui dentro, talvez até assumir um cargo maior no futuro. Então, me diga: se passar no teste e for contratada, você pode me garantir que, quando terminar os estudos, não vai sair correndo atrás de um emprego mais fácil ou mais confortável?

— Quer que eu escreva uma declaração, assinada por mim e por uma testemunha? — retruquei, sarcástica.

Ele deixou escapar um sorriso. Pelo menos tinha senso de humor.

— Só preciso da sua palavra. Mas, sim, terá que assinar papéis. Não sobre isso. Sobre outra coisa: quando começar aqui, vai me deixar em paz. Não vai atrás de mim, não vai tentar encontros, nada disso.

— E… como fica…?

— Qualquer tarefa vai ser tratada diretamente com a gerente. Depois vão lhe explicar melhor, se passar. Por enquanto, está liberada.

Apontou a porta e desviou o olhar, encerrando a conversa.

Já perto da saída, algo me fez parar. Eu não devia, mas falei mesmo assim:

— Meu pai sofreu um acidente grave. O dinheiro era para a cirurgia de emergência na coluna. Parte do segundo pagamento foi para a reabilitação. Espero que isso baste como resposta.

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