JOSELLYN
Ontem fui dormir muito irritada com meu pai. Não consegui dormir bem e tive pesadelos. Lembranças de quando crescia sem minha mãe e também todas as dificuldades que tive, até mesmo depois de chegar ao Brasil. Não tenho problema com o fato de meu pai arrumar uma namorada; ele merece ser feliz, e eu fico muito feliz por ele. Foram muitos dias de sofrimento, e sei que me criar e trabalhar ao mesmo tempo, com tantas coisas acontecendo no trabalho e tantas responsabilidades, não foi nada fácil para ele. Só que eu não imaginava que ele me esconderia algo tão sério e importante quanto o fato de encontrar uma namorada. O fato de ele ter me falado agora, na decisão de casamento, não me tira da cabeça que ele continuaria mentindo para mim se não fossem as circunstâncias. A noite inteira fiquei tendo pesadelos e, nos momentos em que estava acordada, somente rolava de um lado para o outro. Não quis sair do quarto, pois, sempre que chegava à porta, escutava a voz dos dois lá embaixo. Não sei quanto tempo demoraram para ir dormir, só sei que eles madrugaram, e a conversa estava ótima, porque estavam rindo muito e bebendo. Escutei ela falando que os filhos dela não vão ser contra; pelo jeito, eles também não sabem que ela tem um namorado. Quando paro para pensar que terei quatro irmãos, até fico feliz. Sempre quis uma família onde tivesse irmãs ou irmãos, e ter logo quatro é bem empolgante. Não ligo por não serem de sangue; irei considerá-los do mesmo jeito. Quando penso nisso, até fico bastante empolgada. Por um momento, meus pensamentos vão para o carinha que me segurou na escola. Ele tinha um perfume amadeirado gostoso que não me sai da cabeça. Ele também era muito gato, com olhos claros, cabelos castanhos com alguns reflexos meio dourados. Eu diria que ele pinta, mas tenho quase certeza de que são reflexos naturais. Tem uma coisa que não posso ignorar por nada: o corpo dele é muito atlético, percebi quando estávamos tãopróximos, confesso que gostei de sentir as mãos dele em mim. Não consigo conter minhas emoções e sinto um calor intenso que me faz suar. Não entendo o que sinto agora, mas ele realmente mexeu comigo. Será que vou conseguir encontrá-lo novamente? Eu gostaria, realmente, de me desculpar com ele; o que fiz não foi nada certo. - Aish, é melhor eu ir dormir o pouco de tempo que me resta, senão vou perder a hora de acordar, e tenho que acordar em breve para fazer o café da manhã. Quando meu despertador toca de manhã, corro para a cozinha, pronta para fazer o café e pôr a mesa. Porém, quando chego à sala de jantar, encontro a mesa posta e, por um momento, fico confusa. Isso até uma mulher linda e loira aparecer e me dar um sorriso enorme, me recebendo como se me esperasse ansiosamente. Faço menção de sair dali e voltar para meu quarto, quando sou interrompida. - Josellyn... espera! Eu gostaria de falar com você, se fosse possível. - O que vai ser a essa hora da manhã? Não estou a fim de discussão. Aquela conversa ontem já me esclareceu tudo. Não preciso de lição de moral a essa hora da manhã. - Hoo, querida, não estou aqui para te dar lição de moral. Só queria falar uma coisa para você. Quando conheci seu pai, eu ainda vivia com sequelas de uma depressão que quase acabou comigo, por conta da morte do pai dos meus filhos. Eu o amava muito, seu pai foi como uma luz que apareceu em minha vida. Ele veio não somente para me tirar do fundo do poço onde eu ainda estava, mas para me trazer a felicidade que eu jamais pensei que teria novamente. Quando ele disse que tinha uma filha, fiquei muito feliz. Pensei que finalmente teria a filha que sempre sonhei em ter, afinal, só tive meninos. Gostaria que me conhecesse melhor antes de ficar com raiva de mim ou de não me aceitar com seu pai. Gostaria de te mostrar como o amo e como quero e posso fazê-lo feliz. - Não tenho raiva de você e jamais terei. Meu problema não é o fato de ele ter arrumado uma namorada e de querer se casar com você. Meu problema é a mentira, o fato de que ele foi me contar depois de mais de três anos te namorando e que só me falou porque resolveram se casar. Se não fosse o caso, provavelmente ainda continuariam escondendo tudo de mim. Não tenho uma mãe, não pude conhecer o rosto dela a não ser por uma droga de fotografia gasta que tinha em casa e que guardo como se fosse meu maior tesouro. Cresci tendo somente meu pai, e, já que tive a infelicidade de crescer sem uma mãe, eu pelo menos era feliz por saber que meu relacionamento com meu pai era limpo, verdadeiro e sem segredos. Mas não era. Isso se quebrou, e não tem conserto. Agora, sempre vou me perguntar se ele não está escondendo alguma coisa de mim novamente. A confiança que eu tinha nele já não tenho mais. - Sobre isso, querida, eu disse a ele que seria melhor contarmos quando tivéssemos certeza do nosso relacionamento, do que queríamos. Ele queria te contar, mas eu pensei que não seria bom te dar uma esperança para perder, caso o relacionamento não desse certo. - Não quero tomar café, estou sem fome. Vou mais cedo para o colégio. - Filha, espera! Eu gostaria de te falar... - Eu te desculpo, pai, pelo que fez, e te desejo muitas felicidades. Vou gostar de ter a família que sempre almejei, mas ainda estou muito chateada e, não, não confio mais em você! Agora tenho que ir. Tenham um ótimo dia. Nesse momento, viro-me de costas e saio sem esperar respostas. Escuto ele querendo vir em minha direção, mas Alexia o segura, falando para ele me dar o tempo que preciso. Saio um pouco cedo de casa, então espero um pouco demais a hora do ônibus passar. Quando finalmente passa, fico olhando pela janela, pensando em tudo o que aconteceu. Ontem foi o dia das coisas acontecerem. Fico imersa nos meus pensamentos e, como ainda está muito cedo, decido ficar no ônibus até ele fazer uma segunda volta. Quando chego ao colégio, encontro meus amigos à minha espera. Minha amiga está muito ansiosa; nem me espera chegar e já começa a me indagar sobre o que me deixou tão chateada. Fico sem reação por um momento, até que meu amigo lindo, Chris, me entrega a garrafa com o suco de caqui com água de coco. Ele tornou isso uma rotina. - Haaa, obrigada, melhor amigo! — falo em um tom de sarcasmo, para que Fran perceba o quão afobada ela está. - Ai, amiga, só estou curiosa porque você parecia muito chateada. Só quero ajudar. - Tudo bem, tudo bem. A questão é que meu pai tinha uma namorada há mais de três anos e não me contou. Quando cheguei em casa, ele estava com ela lá e disse que vai se casar com ela em breve e que vou ter que me mudar e morar com meus quatro novos irmãos. - Caramba, achei que fosse algo sério, mas jamais pensei que seria algo como isso, amiga. Como você está? - Não tenho problema com o fato de que ele vai se casar ou que vou ter que me mudar de casa, mas meu problema é ele ter escondido de mim coisas que jurou que jamais esconderia. - Por isso que eu falo: quem jura mais, mente mais do que fala a verdade. - diz meu amigo Chris, me fazendo olhar na direção dele. - Cala a boca, seu idiota! Não era para você falar uma coisa dessas perto dela. - Não... ele tá certo. Meu pai mentiu mais do que cumpriu sua promessa. Ele é um mentiroso, e vou demorar muito para esquecer desse fato, ou melhor... desculpar e deixar para lá, porque esquecer é impossível. Nesse momento, meus amigos apenas me abraçam, e não consigo evitar chorar. Eles são tão carinhosos comigo e me entendem sempre que preciso conversar. Agradeço a Deus por ter encontrado amigos assim em minha vida. - Amo vocês! Mas agora temos que deixar o assunto de lado um pouco, ou vamos perder a primeira aula. Ficamos aqui de papo, e o sinal já tocou há bastante tempo. Com isso, vamos a caminho da sala de aula para mais um dia. Espero que a Cláudia não arrume briga comigo novamente. Não estou nem um pouco a fim de aguentá-la hoje. Já aturei e até tomei advertência por causa dela. Só quero paz no dia de hoje. Tento pensar em outra coisa e caminho para mais um dia de aula, pedindo a Deus que a megera não esteja na sala hoje novamente.