O Encontro com o Castellan
A manhã amanheceu clara e quente em São Paulo, como se o céu tivesse escolhido iluminar especialmente aquele dia. Do 22º andar do prédio corporativo do banco, Lívia Montecchia observava a cidade pulsar sob seus pés. Carros apressados, pedestres apáticos e um mundo girando em velocidade máxima. Lá dentro, porém, tudo parecia desacelerar. Seu coração, especialmente, batia em um compasso mais forte.
Acabara de ser promovida ao cargo de gerente geral na maior agência do maior banco do país. Era um feito e tanto. Aos 37 anos, depois de uma trajetória impecável, formada em Administração de Empresas, fluente em três idiomas e com todos os cursos executivos possíveis na bagagem, Lívia não era apenas competente — era admirada, temida e respeitada no mercado.
Ainda assim, aquele dia mexia com seus nervos. Havia uma razão especial: sua primeira apresentação formal ao maior cliente da agência — e, quem sabe, o mais exigente também. O Grupo Castellan, uma potência do ramo financeiro e patrimonial, dono de cifras bilionárias e de uma postura estratégica que fazia qualquer gerente de banco suar frio. E Lívia não era exceção.
Vestia um conjunto de alfaiataria azul petróleo, elegante sem ser óbvio, e sapatos nude de salto médio. Os cabelos castanhos, presos em um coque baixo impecável, revelavam os traços delicados de seu rosto, suavizados por uma maquiagem sóbria. Nada chamava atenção em excesso, mas tudo exalava poder.
Sentada à mesa da sala de reuniões panorâmica, conferia os últimos detalhes da apresentação. Estudara os números do Castellan até o limite. Sabia cada dado da holding, cada movimento dos últimos balanços, conhecia as subsidiárias, os investimentos e os riscos — inclusive os ocultos. Tinha certeza de que poucos sabiam tanto quanto ela sobre o conglomerado naquele momento.
Um leve toque à porta interrompeu seus pensamentos. Um assistente anunciou a chegada dos representantes do grupo. Lívia respirou fundo, ergueu-se com firmeza e caminhou até a entrada. Estava pronta.
Dois homens entraram. Um deles, mais velho, de cabelos grisalhos e expressão amigável, era o diretor financeiro, Sr. Alcântara. O outro, mais jovem, exalava autoconfiança. Alto, moreno, terno escuro sob medida, olhar firme. A pasta de couro nas mãos parecia parte de seu corpo. Ele não precisou dizer o nome. Lívia sabia. Heitor Castellan, o CEO do grupo. O herdeiro direto do império. E, de certo modo, o verdadeiro desafio.
— Senhor Castellan, senhor Alcântara — ela os cumprimentou com voz firme e tom cordial. — É uma honra recebê-los.
Heitor retribuiu o aperto de mão com uma leve curvatura de cabeça, sem sorrir. Seus olhos a fitaram com intensidade por um segundo a mais do que o protocolo exigia. Lívia percebeu, mas não recuou.
— Doutora Lívia Montecchia — ele disse, com a voz grave e controlada. — Já ouvi falar muito da sua competência.
— Espero que apenas coisas boas — respondeu, mantendo o profissionalismo, mas com um leve brilho nos olhos.
Ele sorriu, discreto. Um sorriso contido, de quem sabe exatamente o que está fazendo.
A reunião se desenrolou com fluidez. Lívia apresentou projeções, estratégias, soluções de investimento personalizadas. Discorreu sobre câmbio, fundos exclusivos, reorganização de dívidas internacionais. A cada argumento, Heitor observava em silêncio. Analisava. Testava. E, em determinados momentos, provocava com perguntas afiadas, como quem tenta medir não apenas a inteligência, mas a firmeza de quem está à frente.
Lívia respondeu a todas. Sem hesitar.
Ao final da reunião, Sr. Alcântara fez um leve aceno de aprovação e recolheu seus documentos.
— A proposta é robusta. Vamos analisá-la com atenção — ele comentou.
Heitor, por sua vez, permaneceu em silêncio por alguns instantes. Depois, ergueu-se, ajeitou o paletó e disse:
— Gosto de pessoas que não gaguejam diante de números, doutora Montecchia. Gosto mais ainda de quem não treme diante de mim.
Ela arqueou uma sobrancelha, um gesto sutil que dizia mais do que mil palavras.
— Se há algo que eu não faço, senhor Castellan, é tremer diante de desafios.
Por um instante, o ar entre eles pareceu se modificar. Uma tensão invisível se formou. Não era hostilidade. Era algo mais denso, mais complexo — talvez respeito. Ou um tipo de reconhecimento silencioso que só duas forças opostas, mas complementares, conseguem despertar.
Heitor estendeu a mão novamente, agora com mais firmeza.
— Bem-vinda ao jogo.
E saiu, sem olhar para trás.
Lívia permaneceu por alguns segundos sozinha na sala, o coração ainda em ritmo acelerado. Sabia que havia entrado em uma nova fase. E que Heitor Castellan seria mais do que apenas um cliente. Ele era, sem dúvida, o começo de algo que ela ainda não compreendia por completo.
Mas sentia. Em cada célula do seu corpo.