ISABELLA
Entramos no avião. Minha irmã se senta ao meu lado, os olhos fixos em nosso pai, esperando,não exigindo,uma explicação. Quando percebe que ele não diz nada, ela explode: — E então? Vai explicar que merda está acontecendo ou temos que implorar? — Livi nunca teve paciência para rodeios. Nosso pai solta um suspiro pesado. Seu olhar carrega um peso sombrio, como se estivesse prestes a abrir uma ferida que nunca cicatrizou. — Eu vou contar tudo. Vocês merecem saber a verdade. O silêncio que se segue é ensurdecedor. — Há vinte e dois anos, sua mãe fugiu do país onde morava, Rússia.Seu avô… — ele hesita, escolhendo as palavras com cuidado — é um homem cruel e detestável. Ele queria obrigá-la a se casar com um velho de setenta e cinco anos, ainda mais asqueroso que ele. Meu estômago revira. — A única alternativa dela foi fugir. Um soldado infiltrado do meu pai, que é o chefe da máfia nova iorquina, a ajudou a escapar. Trouxeram Melissa para a América, onde ela ficou sob a nossa proteção. O choque é geral. Oliver arregala os olhos. — Máfia nova iorquina? Rússia? — ele repete, incrédulo. — Com o tempo, eu e sua mãe nos apaixonamos. Para ficar com ela, abandonei meu cargo de subchefe da máfia e fugimos para a Itália. Eu queria uma vida longe dessa merda toda, queria que nossos filhos crescessem em paz. Otávio cruza os braços, pensativo. — Então Owen sabia de tudo. Isso explica o jeito dele com aquela arma. Nosso pai assente. — Contei para ele quando tinha doze anos. Desde então, começamos seu treinamento. Sabíamos que, um dia, a família desgraçada de sua mãe nos encontraria de novo. Meu coração dispara. Algo naquelas palavras desperta uma lembrança enterrada… Algo horrível. — Espera… Como assim ‘de novo’? — pergunto, alarmada. O olhar de meu pai se torna ainda mais sombrio. — Quando você tinha três anos, pegou uma gripe muito forte. — Sua voz vacila. — Sua mãe precisou te levar ao hospital. Eu estava trabalhando, então uma vizinha ficou com seus irmãos. Ele respira fundo antes de continuar. — Foi quando aconteceu. Eles a encontraram na entrada do hospital. Sua mãe correu para um pavilhão próximo e se escondeu com você dentro de uma sala vazia. Meu corpo inteiro estremece. — Eu ouvi tudo pelos chamados no rádio clandestino da polícia. Era a única maneira de protegê-las à distância. Corri para lá com seu tio e… chegamos a tempo de evitar o pior. Minha respiração se torna irregular. Meu peito aperta. — Então… esses pesadelos horríveis que eu tive a vida toda… — minha voz sai como um sussurro. — Eles não eram invenção da minha cabeça? Me viro para minha mãe. Ela baixa o olhar, o rosto tomado por culpa e tristeza. — Minha filha, eu só queria te proteger. A dor se transforma em fúria. — Me proteger? Me chamando de louca?! Minha voz sai alta, carregada de mágoa. Pela primeira vez na vida, grito com minha mãe. Ela começa a chorar. — Eu não queria que seus traumas aumentassem por minha causa. Tudo isso… tudo isso é minha culpa! Se eu não tivesse fugido, meus filhos nunca estariam correndo perigo! Meu pai a segura, tentando consolá-la, mas minha raiva transborda. — Isso é ridículo. Você fez eu me sentir uma maluca esse tempo todo! Em vez de confiar em mim, me contar a verdade, preferiu me fazer acreditar que eu estava imaginando tudo. Minhas lágrimas caem, mas eu não me importo. — Eu estou decepcionada com você, mãe. — Isabella! — meu pai me repreende, mas eu ignoro. Minha mãe estende a mão para mim, suplicante. — Izzy, minha filha… Mas eu me afasto. Meu peito está queimando, meu coração apertado demais para suportar tudo isso. Vou para o fundo do avião e fico lá, encolhida, até o fim do voo. A viagem inteira foi uma merda. Minha mãe chorou sem parar. Meus irmãos ficaram presos em seus próprios pensamentos. E eu… Eu passei horas deitada em posição fetal, pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Se ao menos ela tivesse confiado em mim.