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CAPITULO 3 AS CHAVES DO PASSADO

As Chaves do Passado

A manhã seguinte amanheceu com o céu carregado. Uma névoa fina encobria as colinas ao redor de Vale das Rosas, e o ar tinha o cheiro úmido de terra molhada. 

Ana Luísa despertou com uma mistura de ansiedade e inquietação. A conversa conturbada com Rafael na noite anterior ainda reverberava em sua mente.

 Ele a havia desestabilizado não apenas pela hostilidade com que a tratara, mas por aquela intensidade nos olhos que parecia atravessá-la como uma lâmina.

Por qual motivo aquele homem a olhou com tanto ressentimento? Ela tinha total certeza que nunca o tinha visto antes. Ela precisava descobrir o motivo de tanta animosidade.

No quarto da pequena pousada onde estava hospedada, ela ajeitou a camisa social dentro da calça jeans e prendeu o cabelo num coque prático. 

Apesar do desconforto da noite anterior, estava decidida a visitar o imóvel herdado. A antiga propriedade dos Vasconcellos era o ponto de partida daquilo que, sabia, mudaria sua vida para sempre.

Sua tia Viviane já a esperava no saguão. Estava visivelmente abatida. O velório ainda pesava sobre ambas, mas Ana percebia algo mais nos olhos da tia: Uma hesitação que beirava o medo.

— Dormiu bem? Ana perguntou, tentando quebrar o silêncio enquanto saíam da pousada.

Viviane assentiu. O suficiente. Tenho pensado muito nessa casa, fazia décadas que ninguém falava nela. 

Seu tio evitava o assunto como se aquilo fosse um erro a ser esquecido.

— E por que ele deixou justamente para mim?  Ana questionou, mais para si mesma do que para a tia.

Viviane parou diante do carro alugado, pensativa.

 — Talvez porque ele soubesse que você não fecharia os olhos para o que está enterrado ali.

Ana sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Ainda não sabia exatamente o que procurar, mas algo lhe dizia que aquela cidade e aquela casa guardavam mais do que histórias de família.

— Olha... lá está ela, como sempre imponente. Disse Viviane, apontando adiante.

Dirigiram por mais alguns minutos até a entrada da antiga propriedade. Um portão enferrujado rangia ao vento, meio aberto.

O casarão herdado ficava no alto de uma ladeira, envolto por árvores altas e um muro de pedra que mal escondia sua estrutura imponente. 

A pintura desbotada revelava décadas de abandono, e as janelas quebradas, empoeiradas, pareciam olhos fechados por luto.

— É maior do que imaginei! Murmurou Ana, descendo do carro. 

O ar ali era diferente. Carregado. Quase como se o próprio terreno lembrasse os segredos que já abrigara.

A casa da família Vasconcellos se erguia no alto de uma colina, majestosa e melancólica. Tinha três andares, janelas altas e varandas que pareciam ter sido projetadas para guardar segredos. 

O jardim, antes bem cuidado, estava tomado por ervas daninhas. O cheiro de madeira antiga e terra molhada invadia o ar.

— Nós vamos precisar de dias para colocar isso em ordem. Disse Viviane ao estacionar o carro.

Ana desceu e observou a casa como se esperasse que ela lhe desse as boas vindas 

 A casa erguia-se em meio a um jardim tomado pelo mato alto, com heras cobrindo parte das paredes de pedras e janelas de madeira escurecida.

— Parece que parou no tempo. Viviane murmurou.

Ana Luísa empurrou o portão e sentiu o estalo das dobradiças, como se estivesse abrindo uma ferida antiga. 

Caminhou até a porta principal, forçando a fechadura com a chave recebida no escritório do advogado. A madeira rangeu quando a porta cedeu.

Dentro da casa, o cheiro de mofo e madeira antiga se misturava ao perfume de hera crescendo pelas paredes.

 Ana percorreu o corredor principal, as tábuas rangendo sob seus pés. Parou diante de um quadro antigo do seu bisavô, que parecia observá-la com olhos severos.

O interior estava escuro, impregnado pelo cheiro de mofo e lembranças. Cortinas pesadas pendiam às janelas, e uma espessa camada de poeira cobria os móveis de madeira maciça. 

Havia retratos antigos nas paredes:

 Homens engravatados, mulheres de vestidos longos, todos com a expressão solene típica de fotografias de outro século.

— Meu Deus! Disse Viviane, olhando em volta. 

— É como se ninguém tivesse pisado aqui desde os anos 50.

Ana caminhou até uma lareira apagada, onde sobre a prateleira havia um porta-retrato com uma foto de seu tio-avô jovem, ao lado de um homem que ela não conhecia. A imagem tinha algo perturbador, mas ela não soube dizer o quê.

— Eu preciso de tempo aqui dentro, tia. Pode voltar para a pousada?  Ana pediu suavemente.

Viviane hesitou. Tem certeza?

— Sim. Acho que é hora de encarar isso sozinha.

Viviane assentiu, tocando-lhe o ombro antes de sair.

Sozinha, Ana explorou os cômodos escurecidos, passando por uma biblioteca trancada, um escritório com papéis espalhados e até mesmo um porão lacrado com tábuas.

 Anotou mentalmente os lugares para investigar mais tarde, mas decidiu começar pela biblioteca. Forçou a maçaneta, mas estava travada.

Frustrada, virou-se e deu de cara com Rafael, parado à porta principal.

— Está me seguindo? Ela disparou, o coração disparado pelo susto.

Ele ergueu as mãos, defensivo. A cidade inteira sabe que você estaria aqui hoje. 

E minha fonte na prefeitura me disse que essa casa esconde mais do que madeira podre e cupim.

— Está se referindo ao meu avô?

— Estou me referindo a tudo que seu sobrenome significou pra essa cidade. 

—Você não conhece Vale das Rosas como eu.

— E você acha que sabe tudo? Ela desafiou, aproximando-se.

Ele não recuou. Ao contrário, manteve-se firme diante dela, os olhos escuros a fitarem com intensidade.

— Sei o suficiente pra entender que você está mexendo em um ninho de cobras. 

—E não estou aqui pra te salvar, Ana Luísa. Só não quero que me atrapalhe.

Ela sentiu o sangue ferver. 

— Eu não pedi sua ajuda, jornalista.

— Não, mas parece que vai precisar. Respondeu ele, o tom frio, mas a tensão entre eles inegável.

Ana desviou o olhar, respirando fundo. Se está tão curioso assim, por que não me ajuda a abrir a biblioteca?

Rafael franziu o cenho, surpreso.

 — Está me convidando pra violar patrimônio?

Ela arqueou uma sobrancelha.

 — Pensei que você fosse o tipo de cara que adora um furo de reportagem.

Ele sorriu de lado, e por um instante, o clima pesado entre eles cedeu a uma cumplicidade tênue.

— Tudo bem, Vasconcellos. Mas se formos presos, é você quem explica pra polícia.

Presa por arrombar uma porta da minha própria casa? Falou ela com ironia 

Ana pegou uma chave de fenda na cozinha e a entregou a Rafael. Juntos, forçaram a porta da biblioteca até que ela se abrisse com um estalo seco.

O interior estava mergulhado em sombras, mas havia algo no ar,  uma vibração diferente.

 As estantes estavam abarrotadas de livros antigos, mas o que chamou a atenção de Ana foi um painel de madeira levemente deslocado atrás da escrivaninha.

— Rafael, me ajuda com isso.

Ele aproximou-se e, juntos, empurraram o painel até revelar um compartimento secreto.

Ali, coberto por um pano empoeirado, havia um diário encadernado em couro. Ana Luísa pegou-o com mãos trêmulas.

— O que será que tem aí?  Rafael sussurrou.

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