Narrado por Bianca
A luz invadia o quarto com uma delicadeza cruel. Aquela claridade dourada que, em qualquer outro momento, me acalmaria. Mas não hoje. Hoje, ela parecia debochar de mim. Me lembrava de tudo que eu queria esquecer.
Abri os olhos devagar, sentindo o corpo dolorido, como se cada músculo estivesse tentando se recompor do que viveu. Eu estava deitada na cama de um quarto de hotel cinco estrelas, envolta em lençóis que ainda carregavam o perfume dele. O quarto estava em silêncio, exceto pelo som suave do ar-condicionado e da minha respiração irregular.
Me virei, instintivamente, procurando pelo corpo quente que esteve ali horas atrás. O travesseiro do lado ainda guardava o formato dele, mas estava frio.
— Noah? — chamei, com a voz rouca, quase inaudível.
Silêncio.
Me sentei na cama, cobrindo o peito com o lençol, os cabelos bagunçados caindo nos ombros. Esperei alguns segundos. Talvez ele estivesse no banheiro. Talvez tivesse descido para buscar algo. Talvez...
Levantei. Vesti o robe pendurado em uma cadeira elegante e percorri o quarto. Olhei no banheiro. Estava vazio. Sobre a bancada, nenhum bilhete. Nenhuma mensagem no espelho. Nada.
Voltei para o quarto. Peguei o celular. Nenhuma notificação. Nenhum número desconhecido. Nenhuma mensagem do homem que, na noite anterior, tinha me beijado como se meu coração fosse um templo.
Ele havia ido embora.
Assim. Sem se despedir. Sem me olhar uma última vez.
Sentei na beirada da cama, com os olhos fixos na vista da janela. A cidade lá fora seguia viva, como se nada tivesse acontecido. Como se meu mundo não tivesse virado de cabeça pra baixo em menos de vinte e quatro horas.
— Parabéns, Bianca. — murmurei para mim mesma. — Você conseguiu. De noiva traída a uma transa sem futuro com o próprio chefe em tempo recorde.
Tentei não chorar, mas as lágrimas vinham sozinhas. Meu peito pesava. Não só por causa do que aconteceu… mas pelo que significava. Pela forma como ele me olhou. Pela forma como eu me entreguei.
Talvez ele estivesse fugindo por isso.
Talvez fosse só mais uma pra ele.
Uma funcionária vulnerável, fácil de seduzir.
E eu… burra o suficiente pra acreditar que aquilo podia significar algo.
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Voltei para a casa da Ana Júlia logo depois, tentando manter a dignidade. Não contei nada no primeiro dia. Estava em negação. Em silêncio. Só queria dormir e esquecer.
Mas o corpo não deixava.
Meu peito latejava, meus sonhos eram confusos e mornos como o toque dele. E eu acordava sempre com aquele vazio, como se estivesse procurando por algo que já sabia que nunca voltaria.
Nos dias seguintes, tentei me distrair. Bloqueei Gustavo. Bloqueei Letícia. Ignorei as mensagens da minha mãe querendo saber por que tínhamos cancelado o casamento. Pedi demissão por e-mail. Disse que precisava de tempo. Usei o termo "questões pessoais" e enviei. Recebi uma resposta automática da assistente. Nada mais. Nenhum contato de Noah. Nenhuma mensagem. Nem mesmo um “bom dia”.
Ana Júlia percebeu.
— Você vai me contar o que aconteceu na festa da empresa ou vai continuar com essa cara de quem viu um fantasma?
Respirei fundo. Me sentei ao lado dela na varanda.
— Eu fui pro terraço… e ele estava lá.
— Ele quem?
— O Noah. O Mancini.
Ela arregalou os olhos.
— Não brinca. O CEO?
Assenti. Baixei os olhos.
— A gente conversou. Ele foi… diferente. Me ouviu. Me enxergou. Aí eu… eu beijei ele.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, digerindo.
— Você dormiu com ele?
Assenti de novo. Ela soltou um suspiro.
— Amiga…
— Eu sei. Foi um erro. Mas ao mesmo tempo não foi. Eu precisava daquilo. Me senti viva. Mas depois ele sumiu. Quando acordei, ele não estava mais lá. Não deixou nada. Nem uma mensagem. Sumiu como se nunca tivesse acontecido.
— Talvez ele tenha se assustado. Ou talvez seja só um covarde bonito. — ela disse, tentando me consolar. — Mas se ele te fez bem por uma noite, e agora está te fazendo mal por dias… então já passou da hora de parar de pensar nele.
Fácil falar.
Difícil era controlar o corpo.
Porque ele começou a gritar.
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Duas semanas depois, as coisas começaram a mudar.
Primeiro foi o enjoo. Achei que era psicológico. Depois veio a exaustão. Eu dormia como uma pedra. Os seios começaram a doer. Meu humor oscilava de uma forma absurda.
— Amiga, eu vou te fazer uma pergunta, e você não me mata. — Ana Júlia disse, segurando meu rosto com as duas mãos. — Você tá grávida?
— O quê?! Claro que não!
— Tem certeza? Você usou proteção com o Mancini?
O silêncio que pairou entre nós foi suficiente.
Fui até a farmácia com ela colada no meu ombro. Comprei dois testes, mesmo jurando que era exagero. Fiz os dois, trancada no banheiro. Sentei no chão com os olhos fixos nas tiras brancas.
Dois minutos.
Duas linhas vermelhas.
Duas vidas prestes a mudar.
Abri a porta em choque, com os olhos marejados. Ana Júlia viu os testes na minha mão.
— Bianca…
— Eu tô grávida, Ju.
As palavras saíram como uma bomba. Minha voz falhou, minhas pernas tremeram. Eu desabei no chão do banheiro, tremendo, chorando, rindo de nervoso ao mesmo tempo.
— Não pode ser. Eu só… foi uma vez. Foi só uma noite. E ele sumiu. Eu nem sei o que fazer!
Ana Júlia se ajoelhou ao meu lado e me abraçou com força.
— Você não está sozinha. Eu tô aqui. A gente vai resolver isso. Você vai ficar bem.
Coloquei as mãos sobre a barriga, ainda tão lisa. Mas ali dentro já existia algo. Um coração minúsculo, um universo em formação.
Era o filho de um erro?
Ou o filho de um milagre?
Eu ainda não sabia.
Mas sabia que, a partir dali, minha vida nunca mais seria a mesma.
E que, cedo ou tarde, eu teria que encarar o homem que começou tudo isso.
Porque ele era o pai.
Noah Mancini.