Fica comigo...Para Sempre?
Fica comigo...Para Sempre?
Por: Diana Oliveira
Parte Um - 1758

“Dois amantes felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, são eternos como é a natureza’’.

Pablo Neruda

Capitulo Um 

Olhei para o espelho em minha frente e tentei controlar as lágrimas mais uma vez. 

Não se existe sentimento. Você têm que ser forte e dura como uma rocha. A voz de minha mãe soou em minha mente. Eu escutava isso desde que eu tinha dez anos e meu pai morreu de uma doença infecciosa. Ela tinha dito isso para “amenizar” a minha dor. 

Mas, como não tem um ataque diante daquilo? 

Olhei para minha imagem e era devastadora. 

Os lábios estavam inchados, o canto do olho roxo e no pescoço algumas marcas meio azuladas, mas os braços estavam piores. O cotovelo ainda doía da batida e vários hematomas se estendiam pela pele. Ainda tinha aqueles que as meias e o vestido tampavam como escoriações e mais hematomas. 

O último ataque de Harrison havia me deixado com muito medo. Medo de até onde ele poderia ir. O tanto que queria me machucar. 

Eu não entendia o que de fato ele me odiava, mas eu havia notado o distanciamento dele depois de dois anos de casados. E dois meses após isso o indício de violência. Tapas, puxões e beliscões. E nessa última vez uma surra. E apenas por que eu não tinha mandado passar o terno que ele iria em uma festa, coisa que ele tinha decidido de última hora além de ir sem mim, por que achava que eu fosse atrapalhar. 

Mas, eu sabia muito bem onde essas reuniões eram. E por que eu iria atrapalhar. Os homens fechavam negócios nos prostíbulos da cidade com garotas da vida para fazer companhia. 

Eu sabia muito bem disso, assim como as esposas dos sócios de Harrison, mas nenhuma falava nada. Por que era nosso papel ficar calada com as farras dos maridos e mesmo assim estar, vestida e pronta para eles todas as noites para satisfazê-los. Quer dizer, menos no meu caso. O que eu ainda achava muito estranho e no fundo, era um alívio.

Desde que Harrison e eu havíamos nos casado, ele nunca tinha tomado seu direito de consumar o casamento. Ele dizia no começo que queria me conquistar-me aos poucos. E desde então quando as surras começaram ele dizia que eu o irritava em tudo que eu fazia, até mesmo o jeito que eu o olhava, que eu dava repulsa para ele e que ele preferia não me tocar. E agora vivia nesses lugares imundos com mulheres sujas ou com a empregada da cozinha altas horas da noite. Nós se quer dormíamos no mesmo quarto. E Harrison afirmava que eu só servia para acompanhá-lo as festas e para cuidar das tarefas da casa.

Me olhei no espelho e não achei que eu dava repulsa.

Meu rosto era oval, as maçãs de meu rosto eram altas e meus lábios normais de um tamanho nem pequeno demais ou grande demais. Meus olhos eram grandes e eram esverdeados de uma cor profunda e escura, parecendo as eras que cobriam a mansão onde eu morava. Meus cabelos longos, chegavam até o começo da cintura, eram pretos e enrolados nas pontas, mas nem liso ou realmente cacheado. A pele era pálida, assim como a maioria das meninas francesas, por causa do intenso frio e sol fraco. Talvez eu fosse ainda mais pálida que o normal, justamente por causa de minha falta de vitamina D. 

Eu raramente saía e quando o fazia era para ir à Igreja, a feira ou a casa de minha mãe. 

Eu era normal e não repulsiva. Os homens antigamente costumavam olhar para mim quando eu passava na rua. Bem, isso até me casar com Harrison e todos agora se desviavam de mim como se eu fosse leprosa. Mas, isso por que tinham medo dos capangas de Harrison. 

Obrigatoriamente toda vez que eu saía, era forçada a levar dois dos mais confiáveis capangas de Harrison, por “segurança”. 

- Já chega de auto piedade, Aria. – respondi para mim mesma e sai da frente do espelho. – Desirre? – chamei.

Minha acompanhante e no fundo amiga, entrou por meu quarto e olhei ela enquanto pegava o vestido que tinha separado. Ela caminhou com ele e o colocou sob a cama. Ela tinha os cabelos bem pretos e presos em coque apertado. Sua pele era branca como a neve e tinha os olhos pretos como carvão. 

- Você está bem, Senhora? – ela me perguntou.

Olhei para ela. 

- Está me perguntando se a surra de Harrison não me matou? – ri com amargura. – Estou bem. E viva. Ainda. 

Ela ficou pálida. 

- Não, senhora... Não quis dizer que... 

- Tudo bem, Desiree. Todo mundo sabe que Harrison é um ogro. Não estou te culpando por nada. Apenas me ajude a me vestir. Estou com dores e preciso ver minha mãe. Ela anda mais doente que o normal. Quero levar alguns bordados que fiz. – comentei.

- Sim, senhora. 

Me virei e ela me ajudou, apertando o espartilho em minhas costas. Não havia percebido que estava com dores nas costelas até então e doeu para respirar, mas me contive e deixei que ela continuasse a ajustar o espartilho. Em seguida ela me ajudou com as saias e por fim o vestido. Havia escolhido um azul turquesa, que as mangas eram até os pulsos e a renda da camisa chegava até o pescoço. Isso esconderia a maioria dos machucados.

- A senhora quer ajuda com a maquiagem? – ela me perguntou.

Olhei para ela e assenti.

- Gostaria sim, obrigada. 

Me sentei e ela aplicou uma camada de maquiagem, que esconderia alguns cortes e um batom que disfarçava o inchaço. Quando acabamos, ela desceu comigo até o hall e peguei xale. Os capangas de Harrison, Otavio e Sam esperavam na porta para me acompanhar. Eles nunca me olhavam nos olhos e provavelmente eram proibidos de falar comigo também. 

- A carruagem está pronta. Aguardo a volta da Senhora. – Desirre sorriu para mim. 

Assenti e coloquei o xale. O vestido era grosso e longo, mas não me protegeria do frio que estava lá fora. Caminhei até a carruagem na porta da mansão e entrei, enquanto o cocheiro fechava a porta. Eu não entendia por que Harrison queria me controlar tanto, eu não iria fugir ao pôr do sol, afinal eu estava com ele para o que... O resto da vida, não?

Eu não tinha outra saída. Havia me casado por dinheiro apenas para tirar minha irmã e minha mãe da miséria e da vida de dívidas que papai havia deixado quando morrera. Agora elas viviam bem e em uma casa no começo da vila. Não era a mansão que eu morava, mas elas estavam financeiramente ótimas e em uma condição de vida razoável. 

E eu precisava continuar com o casamento, mesmo que para isso eu tivesse que sacrificar a minha vida. Eu já havia aceitado isso. 

A carruagem seguiu a estrada de terra contornando o chafariz da frente da mansão feita pedras cinzas, com eras crescendo nas quinas da casa dando um charme pitoresco e encantador e com janelas e portas pintadas de branco. Seguimos até o final da estradinha até os portões de ferro batido floral e com o brasão da família Kendall gravado nele. 

Nossa propriedade era a mais afastada de todas e também a mais luxuosa. Harrison era dono de um dos portos mais ricos do país. Sua família havia conseguido cada vez mais posses e feudos com o passar das gerações e agora Harrison era praticamente dono do porto de Marselha.  

Olhei para os picos rochosos dos alpes e suspirei enquanto a carruagem seguia seu caminho até a vila e para a casa de mamãe. 

                             ***

- Querida, como você está linda! – mamãe disse passando os braços ao meu redor. 

Olhei para ela. 

Mamãe estava ficando quase cega por causa de sua doença degenerativa. Mas, não tanto ao ponto de ver os hematomas profundos em minha pele. Era como se dessem para ver há quilômetros de distância. Ela fingia que não via e eu fingia que acreditava. 

Troquei um olhar rápido com Evelyn, minha irmã caçula. 

Evelyn era tudo que eu não era. Mais linda com seu rosto de anjo branco e grandes olhos azuis. Ela tinha o cabelo mais dourado que o meu preto e um sorriso meigo e afável. Embora seu gênio fosse forte demais para ser de fato, amigável. 

- Como é bom te ver, Evelyn. – abracei-a logo depois que mamãe me soltou. 

Ela me olhou e olhou meu rosto. Corei e ela não correspondeu ao meu sorriso. Eu sabia o que ela achava disso. Certa vez, ela havia gritado comigo que qualquer vida era melhor que ser espancada todos os dias. Mas, ela não conhecia a vida ruim, talvez por isso ela falasse daquele jeito, embora eu me certificava para que isso não acontecesse com ela. 

- Você também, Aria. – ela sorriu apesar de tudo e baguncei seu cabelo. 

Evelyn se retirou para continuar com sua aula na biblioteca e me sentei no sofá com mamãe. Ela sorriu para mim e segurou minhas mãos. 

- É tão bom ter você aqui.

- Trouxe alguns bordados para a Senhora. Fiquei preocupada com sua saúde. Soube que piorou. – comentei cautelosamente. 

- O médico disse que é apenas uma leve gripe, mas você sabe como é gente velha. Vai definhando aos poucos. – ela sorriu e assenti. – Estava aqui a sonhar quando você vai me dar um neto. Estou quase partindo desse mundo e ainda não vi continuação da família. 

Olhei para ela. 

- Estamos tentando, mas acredito que virá quando Deus quiser. – falei escondendo a repulsa daquilo. Eu odiava crianças e uma de Harrison seria dez vezes pior.

- Talvez venha de Evelyn primeiro. Andei vendo algumas propostas de casamento...

- Você o que? – exclamei.

- Bem, ela é bonita. E já tem idade para...

- Você não seja nem louca de fazer isso! – me levantei do sofá, esbravejando. – Condenei minha vida para que vocês duas vivessem bem. Para que você não precisasse trabalhar e Evelyn pudesse fazer o que quiser. Se casar com quem quiser. E de preferência com amor. A senhora nem eu acreditamos nisso. Mas, ela acredita e para mim isso basta. Ela só tem quinze anos! 

- Você casou apenas um ano depois. – ela disse me contra-atacando. 

Olhei para ela, agora de verdade irritada.

- Onde a sua ganância a leva, não? Já não basta condenar-me a uma vida sem amor e felicidade, me sacrifiquei para que vocês vivessem bem. E quer fazer o mesmo com Evelyn? Pois, eu não deixarei. Se você ousar, fazer qualquer tipo de oferta de noivado e receber, eu saberei e deixarei a Senhora na miséria e levarei Evelyn comigo. Você é quem sabe. Passar bem. – me virei para a porta e envolvi mais o xale em meus ombros.

- Aria! – ela me chamou, mas já estava batendo a porta. 

Os capangas Sam e Otavio esperavam do lado da carruagem, quando ia entrar ouvi alguém gritando meu nome. Me virei e era Evelyn. 

- Aria, espere!

Olhei para ela e ela então envolveu os braços em minha cintura e sorri, abraçando-a. Isso era uma das poucas coisas que me deixavam feliz. Tê-la por perto. 

- Você estava falando sério ao deixar mamãe pobre? Escutei toda a conversa. – ela disse levantando os olhos para mim.

- Eu jamais deixaria ela pobre. Apenas levaria você comigo. Mas, acho que deu certo. Apenas dar um medo nela. Mamãe as vezes só se preocupa com ela e isso me assusta. Mas, não deixarei que nada aconteça à você. – falei acariciando o cabelo dela. 

- Você não precisa fazer isso. Olha o que aquele monstro fez à você. – ela tocou minha bochecha e algumas lágrimas encheram os olhos dela. 

- Nada que eu não suporte. Você é tudo que me importa. – sorri e beijei sua testa. – Agora preciso ir. Vá mais vezes em casa. E conversaremos. Se cuide. Qualquer coisa me chame. 

Ela assentiu e enxugou as lágrimas. 

Sorri mais uma vez e subi na carruagem enquanto Sam fechava a porta para mim. Acenei enquanto a carruagem fazia a volta para minha casa. 

Mas, assim que saímos da casa de minha mãe, senti as mesmas lágrimas de Evelyn se encherem em meus olhos e elas escorrerem por meu rosto. Coloquei a mão em meu rosto e gemi quando ardeu por causa do meu olho. Isso só fez com que eu chorasse ainda mais e tentei aliviar meu peito enquanto a dor me dilacerava de dentro para fora. 

                          ***

Quando a carruagem parou na frente de casa meu rosto estava seco, mas eu suspeitava que estivesse todo vermelho e meus olhos e nariz inchados. Respirei fundo e desci, caminhando para dentro de casa. Coloquei o xale no cabideiro no hall e então Desirree apareceu ao lado da porta cozinha. 

- Senhora. – ela disse.

- Sim? – me virei para olhá-la. 

- Tem alguém que espera a Senhora ou o Senhor Kendall no escritório. Ele diz que é amigo muito íntimo do Senhor Kendall. – explicou ela. 

- Então ele que espere o Senhor Kendall. Não o vejo o porquê da urgência. -  falei.

- Ele diz que apenas precisa falar com alguém. 

Olhei para Sam e Otavio e suspirei. 

- Bem, certamente terá que servir eu. Harrison só chega na hora do jantar. – caminhei até Desirree e ela caminhou até o corredor a direita, indo até a porta do escritório. 

Ela abriu a porta para mim e sorri para ela enquanto ela saía, me deixando a sós com minha visita. Entrei dentro do escritório deixando a porta aberta e a biblioteca da casa era enorme. Com estantes de três metros se estendo por mais vários metros até os sofás de couro marrom e o piano de cauda. Atrás havia janelões que davam para os jardins do fundo e o estábulo. 

Ao chegar, ele estava de costas para mim apoiado em uma das janelas olhando o sol no jardim. Absorvi suas formas. Ele era alto, com vestes escuras e parecendo caras. O cabelo de uma cor intensa de mel, quase loiro. 

Ele se virou assim que eu estava a dez passos dele. Alguma coisa no mundo pareceu parar quando seus olhos encontraram os meus. Eu não sabia explicar aquela sensação de conhecimento que me preencheu e nem por que coração disparou, como nunca havia feito por ninguém. Meu peito ruflou, mas tentei me segurar. 

As palavras ficaram presas na garganta. Ele era o homem mais lindo que eu já havia visto.

O cabelo cor de mel penteado charmosamente em uma revolta arrumada. O rosto forte e com as maçãs altas e o queixo anguloso. Os lábios cheios e os olhos foram o que mais me tocaram. Eram cinza prateados como uma nuvem escura antes de preceder uma chuva. Os cílios grandes. 

Seus lábios se abriram num sorriso doce e ele estendeu a mão.

- Olá. Sou Loren Strissen Triplehorn. Você deve ser Aria Kendall? 

Fiquei olhando ainda para ele tentando me lembrar de onde já havia visto aquele rosto perfeito e aquele sorriso encantador. 

Por que eu tinha a sensação de que o conhecia a minha vida inteira sem jamais tê-lo visto.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo