Capitulo Dois

Loren ainda me olhava, esperando que eu respondesse a sua pergunta. Mas, ainda o encarava como uma idiota.

- Anh... Certamente. – sorri.

Seu sorriso de resposta foi intenso. E lindo. Seus olhos cinzentos reluziram e me vi presa neles, como se um nevoeiro gélido e intenso me percorresse. 

- Eu já a conheço? – ele me perguntou confuso. 

Reconheci a mesma confusão em meu semblante. 

- Creio que não. Nunca nos vimos talvez em algum baile ou festa? – sugeri.

Ele se aproximou dois passos de mim e seus olhos me avaliaram de uma forma minuciosa e intensa. Como eu há pouco tinha feito com ele. Reparei em seus olhos passarem por meus lábios e instintivamente passei minha língua por eles, como se eu tivesse com sede. E de fato, estava. Um calor subiu por minha espinha. Eu nunca tinha sentido nada disso nada vida. 

Ele ergueu uma de suas sobrancelhas claras, engolindo em seco ao me observar.

- Hmm, isso poderia ser até possível. Mas, é a primeira vez em que piso em Marselha. Sou da Irlanda e sempre vivi por lá. Tenho alguns feudos e portos também, como Harrison. Afinal, estou aqui há negócios. – ele comentou. – E eu com certeza teria me lembrado de você. 

Seus olhos se intensificaram e corei.

- Ele só chega ao jantar. Creio que em algumas horas. Gostaria de esperá-lo? – falei.

Ele ainda me olhava intensamente e aquilo estava se tornando desconfortável, embora ainda sufocante ter aqueles olhos em mim. Talvez ele encarasse meu rosto machucado e apenas isso. Eu não era tão bonita para chamar atenção dele. Não de um homem lindo como aquele.

Isso se não fosse casado. Passei os olhos pelos dedos longos e pálidos dele, mas não vi nenhum sinal de aliança.

Ele assentiu. 

- Creio que possamos aguardá-lo na sala de música. Ou aqui mesmo. – falei. 

Ele assentiu novamente e caminhei indo até um sofá pegando um bordado que estava terminando. Notei que Loren mal havia se mexido um centímetro esperando algo ainda olhando para mim, retribui seu olhar, mas foquei meu olhar para o que estava fazendo. Ele riu e aquele som soou em meus ouvidos reverberando por meu corpo e estremeci mais uma vez. Tentei não demonstrar nada e finalmente Loren se mexeu, se sentando em um sofá próximo ainda olhando lá para fora.

Continuei olhando para o que eu estava fazendo e então seus olhos pousaram em mim. Senti meu rosto esquentando mais uma vez, no entanto não reagi de nenhuma outra forma.

- Você é muito tempo casada com Harrison? – ele me perguntou. 

Tracei as linhas delicadamente e não levantei os olhos para ele. 

- Dois anos. – falei baixo. 

- Você parece tão nova. Tem quinze anos? – ele indagou. 

- Dezenove. – respondi. 

Ele parecia atento a cada resposta minha como se tomasse notas mentalmente. Não levantei os olhos, mas via que ele parecia interesse ao que eu falava, embora eu não tivesse ideia do porquê. Fiquei calada apenas fazendo meu bordado e eu realmente nunca tinha sido de falar muito, nem mesmo com as pessoas que eu conhecia. Então era meio estranho conversar com alguém que eu nunca tinha visto na vida. E se os empregados passassem e vissem eu com intimidades com um homem isso poderia não acabar bem. 

Loren manteve seu olhar em mim e se levantou novamente, como se tivesse impaciente. Caminhou até o piano e tocou algumas teclas provocando algumas notas. Ergui o olhar para ver o que ele estava fazendo, e ele deslizava os dedos pelo teclado do piano branco parecendo imerso em pensamentos. 

Ele parecia tão familiar de um jeito que eu sentia em relação nem mesmo a minha irmã, que era a pessoa que eu mais amava. Ele encarou meu rosto de repente e fiquei presa por aquele olhar paralisante.

- Você toca? – ele disse. Assenti e ele olhou para baixo sorrindo. – Imaginei que alguém como você teria contato com a música. Você se importa? – ele indicou o teclado. 

- Não... – murmurei. 

Deixei meu bordado de lado e então Loren se sentou na banqueta, colocando o blazer para trás e tocando muito delicadamente o piano. Ele tocava excepcionalmente como um profissional e reconheci uma peça triste de Bach. Ele tocava e eu não conseguia prestar atenção em mais nada. Fiquei hipnotizada em como seus dedos agilmente trabalhavam para formar aquelas lindas notas musicais. 

Ele tocou duas vezes Bach e depois passou para algo mais melódico, embora ainda triste. Clair de Lune de Claude Debussy preencheu a biblioteca e sorri, aquela era minha favorita. Mesmo sempre tão melancólica, eu a achava romântica e muito bonita. 

Loren parou e então suspirou ao me ver. Ele andou até sentar do meu lado e colocou uma de suas mãos perto do meu rosto. Tocou minha bochecha.

- Você chora quando ouve música? – ele sussurrou.

Só então notei que estava chorando e que ele havia capturando uma lágrima minha entre os dedos. Respirei fundo e funguei. Afastei-me dele percebendo quanta ousadia de alguém que eu havia acabado de conhecer, embora no fundo eu não pensasse assim de fato.

- Você pode esperar Harrison aqui. Fique à vontade. Vou repousar por que não estou me sentindo bem. – falei sem nem ao menos olhar para ele.

Sai ás pressas da sala, tentando entender o que tinha acabado de acontecer.

                             ***

Toc, toc, toc. As batidas na porta soaram, mas eu não queria levantar. Eu só esperava que Loren já tivesse ido embora e eu não queria olhar para ele. Eu não sei o que havia comigo por ter deixado ele chegar tão perto de mim e também não sabia qual era o problema dele, e se ele era assim com todas as mulheres que via. 

As batidas na porta soaram novamente e suspirei. Saí da cama onde estava deitada até então e destranquei o quarto. Dei de cara com Desiree me olhando.

- Sim? – perguntei.

- Seu marido chegou e solicita sua presença no jantar. – ela explicou.

- Não vou ir. – falei. – Não estou me sentindo bem. 

Ela me olhou e mordeu o lábio. 

- Temo que isso não seja possível, minha senhora. Ele está irremediável e disse que não importa nada. Desde que a Senhora esteja presente no jantar. Disse à ele que a vossa Senhoria não estava bem. Mas, ele não quis saber. – ela disse com a voz num sussurro como se pedisse desculpas. 

Olhei para ela. 

- Já vou. – fechei a porta do quarto e caminhei com ela, descendo as escadas. 

- Devo preparar o quarto de hóspedes para o Senhor TripleHorn? – ela perguntou gentilmente. 

Paralisei na escada.

- Ele ainda está? Achei que ele fosse embora depois que falasse com Harrison... – murmurei.

- Bem, eles desataram a conversar durante toda a tarde e creio ter ouvido o Senhor Kendall falando sobre ele ficar algumas noites para eles poderem fechar negócio com um sócio em comum. Por isso que estou perguntando. Mas, eu pergunto ao Senhor Kendall. – ela disse.

Assenti e descemos as escadas. 

- Talvez seja melhor. – concordei. 

Caminhamos até a sala de jantar já posta e com dois cavaleiros sentados. Um era lindo de cabelos cor de mel e o outro com o rosto rústico, mas ainda bonito. 

Quando eu havia me casado com Harrison ele era um homem gentil e amável. Durante todo o noivado e primeiro ano de casado foi assim. Ele me trazia flores, chocolates e me levava à passeios a cavalo. E alguma coisa mudou um tempo depois. Embora, eu não soubesse bem o porquê ou o motivo para ele ter mudado tanto. 

Ele era bonito a sua maneira. Tinha cabelos curtíssimos escuros, um rosto forte e com uma barba curta e rala, dando à ele um ar de cavaleiro medieval. Ele não era muito alto, mas forte e com uma faixa de músculos extensos sob a camisa. Além de olhos pretos e uma pele cor de oliva. 

- Olha, quem finalmente nos deu o ar da graça. – Harrison sorriu e por um segundo. Apenas um, pareceu que ele me amava. Mas, eu sabia que era fingimento, e tudo por causa de Loren. Geralmente ele me tratava bem na frente das pessoas. O espancamento era deixado para ser apenas em casa mesmo. Ele se levantou e andou passos largos ao meu lado pegando e beijando minha mão. – Loren, acho que conhece minha linda esposa Aria. 

Tentei reprimir a frieza que me tomou daquele gesto, e apenas fiquei com uma expressão tranquila. Olhei para Loren e foi um erro. Lá estava aquele olhar cheio de intensidade que eu não sabia bem o porquê. Então eu não havia imaginado. A familiaridade também estava lá. 

- Aria e eu nos conhecemos hoje à tarde. – Loren disse sorrindo. 

- Querida, Loren é um amigo de longa data. O pai dele e eu nos conhecemos há muitos anos atrás. Loren tomou os negócios faz pouco tempo. Ele vem para fechar um grande negócio comigo e com Sr. Royale. Espero que não se importe que ele passe alguns dias conosco. – ele me perguntou docemente.

 Tentei não demonstrar nenhum interesse em especial. 

Mas, duas coisas me passaram pela mente. A de que por mais que eu quisesse fugir daqueles olhos tempestuosos, parecia improvável. Eu não tinha ideia de como conseguiria passar um dia perto dele, que dirá mais alguns dias... 

E a segunda era de que Harrison não precisava de minha opinião sobre nada. Ele era mesmo um maldito ao fazer todo esse teatro com Loren, que parecia nem se importar. 

Olhei em seus olhos e Loren ainda me olhava. Encarando-me, como se avaliasse minha reação diante daquela notícia. Não esbocei reação nenhuma, apenas uma leve tranquilidade, mas meu coração batia rapidamente e eu não conseguia parar de respirar rapidamente, mesmo que eu tentasse disfarçar o ligeiro frio que se abateu em meu estomago, como se eu tivesse milhões de borboletas pousadas sob meu ventre. 

- Claramente, que não. – sorri de forma doce.

Olhei para baixo me sentando na cadeira ao lado de Harrison que havia se sentado na cadeira central e Loren se sentou do outro lado. Ele mantinha os olhos em mim e me perguntei como Harrison não questionava nada. Mas, ele simplesmente se vangloriava de seus negócios para Loren e não parecia prestar atenção em mais nada.

- Fiquei muito surpreso quando mandou a carta há algumas semanas atrás dizendo sobre um negócio lucrativo. Veja bem, o negócio de papai anda perdendo muitas cargas no mar Mediterrâneo e creio que agora o negócio que está propondo será de grande ajuda. Tenho passado por algumas crises com o decorrer do tempo, mas nada do que eu não me recuperei até hoje. – Harrison tomou um gole de seu vinho e sorriu amorosamente para mim. – Além do que é um prazer ter você de volta a minha vida. Faz quanto tempo? Cinco anos? 

Loren assentiu se desviando finalmente do olhar que estava em mim e se virou para Harrison. 

- Sim. Cinco anos desde que nos vimos pela última vez. – ele sorriu e de forma... Ácida? Foi isso o que vi naquela névoa fria e cinzenta de seus olhos? 

Harrison não se alterou. 

- Ainda creio que deva doer o que aconteceu. – ele se entre olharam e senti um momento mal resolvido que só eles sabiam. Então Harrison sorriu. Ele tendia a mudar de humor mais rápido que um piscar de olhos. – Mas, tudo isso é passado. Que venha as felicidades! – ele ergueu sua taça. 

Loren e eu levantamos nossas taças e brindamos. 

Mas, novamente seus olhos pousaram sob os meus. Num momento de silencio repentino, ele abriu seus lábios cheios em um sorriso. 

- Que venha felicidade!

                                   ***

Assim que o jantar terminou, meu prato ainda estava praticamente intocado. Eu mal havia conseguido comer com os olhos de Loren em mim e com Harrison rindo e bebendo feito um porco nojento. Ele sempre bebia, sempre sozinho comigo no jantar. Raramente fazia isso na frente de outras pessoas. Mas, ele não parava de beber e entornar novamente seu copo. Eu não tinha conseguido digerir nada. Nem mesmo a sobremesa e me levantei cansada e com dor de cabeça, querendo me afastar logo daquele olhar penetrante e intimidador. 

- Há algum problema, querida? – Harrison perguntou.

Sorri de modo carinhoso. 

- Não. Só ainda continuo com aquele mal estar. Creio que algo não me fez bem. Vou repousar e amanhã estarei melhor. Boa noite, cavaleiros. – sorri discretamente caminhando até a entrada do salão principal. 

- Aria? – Harrison me chamou e me virei. – Não vai me dar um beijo de boa noite?

Em um segundo tive repulsa. Raramente nos beijávamos, ele tinha aversão a ficar perto de mim. Não gostava de conversar e na maioria das vezes que se dirigia a mim era só quando estávamos em público ou para me bater e me humilhar. 

Mas, temendo alguma represália depois, andei de volta até ele e beijei seus lábios de uma forma suave e rápida. 

- Boa noite, amor. – ele disse.

Sorri tentando demonstrar afeto, mas tinha certeza de que o sorriso não tinha chegado aos olhos. Assenti e em seguida saí com passos curtos e lentos. Porém, assim que me vi longe deles, voei até a biblioteca, querendo tomar algum ar e talvez ler alguma coisa para acalmar minha mente e meu coração.

Peguei um livro de romance e andei até o sofá escuro sentando e estiquei as pernas sob ele, tentando relaxar. Abri a primeira página e comecei a ler. Só que eu não estava conseguindo me concentrar na leitura e as letras se misturavam em um borrão preto e branco enquanto algumas lágrimas surgiam em meus olhos. Geralmente eu não era tão emotiva, mas hoje eu parecia ter acordado vulnerável a tudo ao meu redor. 

Como eu poderia viver uma vida tão amarga ao lado de Harrison? Por que eu teria que ser condenada ao Inferno errante que era estar casada com um monstro quando tudo que eu queria era alcançar um pedaço do Céu? 

Eu nunca me pegara sonhando como deveria ser estar com uma pessoa que se ama, estar com ele e ele cuidar de você como se você fosse a única coisa mais importante do mundo. Mas, eu sempre soube que tinha que ser eu a prisioneira para poder dar a minha família tudo que elas mereciam. Eu não poderia ser egoísta e deixar que minha irmã e mãe vivessem na miséria apenas por luxo meu. Eu precisava ser a forte, o elo entre o sacrifício e o preço que se pagava para ver as pessoas que eu amava felizes. E era isso o que amor significava para mim. Dor e mais dor. 

Não notei quando uma mão branca se curvou e tocou minha bochecha, pegando uma gota de minha lágrima. Aquilo pareceu familiar e olhei para cima, vendo o rosto de Loren à apenas alguns centímetros longe do meu.

- Você não deveria chorar por alguém miserável. – ele sussurrou. 

Sabia que deveria ter me afastado, mas mais uma vez me vi presa naquele olhar.

- Esse alguém miserável sou eu. E só eu posso chorar por isso. – falei. 

Ele segurou meu rosto entre as mãos e seu olhar pareceu se estilhaçar e se derreter em mil pedaços de vidro de fúria. 

- Como alguém como você pode pensar assim? Você é tão linda que dói olhar para você. Seus olhos parecem surreais. Sua pele é tão delicada e macia como uma rosa. Você parece um anjo de uma obra de arte esquecida. – ele roçou o dedo por minha bochecha. – Ele que é miserável por fazer isso com seu rosto. Olhe essas marcas, que medonho! Você foi feita para ser amada, venerada. Não para ser tratada como um bicho de estimação.

Senti mais lágrimas surgindo e escorrendo por minha face e fechei os olhos enquanto elas caíam. 

Eu não entendia como poderia sentir o que estava sentindo, mas o toque de Loren foi como algo que eu já tivesse sentido em algum momento importante de minha vida. Foi como voltar de uma viagem longa e cruel direto para os braços da pessoa amada. Ele parecia me completar mesmo fazendo nenhum sentido por que eu só havia conhecido ele em apenas algumas horas. 

- Por favor, olhe para mim. – ele disse.

Abri os olhos e Loren respirava pesadamente enquanto seus dedos tremiam sob meu rosto. 

- Por que você me parece tão familiar como se eu o conhecesse a minha vida toda? – chorei.

- Por que estou de volta, meu anjo. Eu vim para salvá-la das mãos daquela gárgula que se chama de homem e vou levá-la embora para que você seja feliz longe daqui. 

Ele tocou meu rosto e encostou seus lábios em minha testa, me abraçando.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo