Valentina também pareceu surpresa:
— Kayrinha, minha filha, mesmo que você queira fazer caridade, a gente podia doar dinheiro, né? Por que doar todas as suas roupas? Tá esfriando, o que você vai vestir?
Kayra olhou para Roberto, deu um leve sorriso e respondeu, tranquila:
— Você não disse que ia ajudar a Patrícia a me indenizar? Essas roupas já estão velhas, não quero mais. Com o dinheiro, eu compro outras. Não pode?
Roberto a encarou por alguns segundos antes de assentir, com um olhar desconfiado:
— Pode. Quanto você quer? Eu te transfiro agora.
Kayra ergueu apenas um dedo.
Roberto arqueou a sobrancelha, surpreso:
— Um milhão? Tudo bem.
— Não.
— Dez milhões?
Patrícia, na hora, se desesperou:
— O quê? Umas roupas velhas valem dez milhões agora?
Kayra lançou um olhar frio para ela e, em seguida, voltou-se para Roberto, dizendo com firmeza:
— Um real.
Aquelas roupas tinham sido todas compradas por Roberto, à força, mesmo quando ela dizia que não precisava de nada.
Agora que decidira ir embora, não queria levar nada dele. Muito menos o dinheiro.
Como ele mesmo tinha dito, ali era a "família Santana", e ela? Apenas uma estranha.
Um real. Assunto encerrado. Cada um para o seu lado.
Mais de vinte anos de laços... Apagados como se nunca tivessem existido.
Roberto começou a demonstrar certa impaciência:
— Kayra, o que é que você tá querendo, afinal?
— Vai transferir ou não? Se for, manda o dinheiro. Se não, esquece. — Respondeu ela, fria.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, pensativo, mas acabou fazendo a transferência.
— Pronto. Cumpri o que prometi. Considere isso como a compensação da Patrícia. E, a partir de agora, quero que você pare de tratar a Patrícia com essa cara fechada por causa disso. — Disse ele, sério.
Kayra olhou para a tela do celular, onde aparecia o valor de um real a mais na conta, e deu um sorriso leve, quase irônico:
— Fica tranquilo. Nunca mais.
Roberto respirou fundo e continuou, com tom de aviso:
— E tem mais. No nosso casamento, você vai ser a fotógrafa. Foi um pedido da Patrícia. Você tem que ir.
Kayra pensou por um instante. Seu voo era só à noite.
Justo na noite de núpcias deles.
Por fim, assentiu, com um olhar calmo:
— Tá bom.
Nos dias que se seguiram, Kayra quase não voltou mais à casa da família Santana.
Passou um tempo no interior, onde fez uma nova série de fotos de aves e logo enviou tudo ao Professor Daniel.
Quando ele viu as imagens, ficou empolgado e ligou na hora, por vídeo:
— Kayra! Suas composições, as cores... você evoluiu demais! — Elogiou, visivelmente animado. — Tem várias revistas querendo o seu trabalho! Quando você chegar aqui, vamos visitar todas, escolher com calma, do jeito que você merece!
Kayra sorriu, feliz com o reconhecimento:
— Que bom ouvir isso. Obrigada, Professor Daniel.
— E aí, já conversou com o seu irmão? Ele concordou com a sua ida pra Europa?
Ela deu uma risada leve, meio irônica, mas com alívio:
— Concordou. Na verdade, ele até quer que eu vá.
Professor Daniel arregalou os olhos, surpreso:
— Sério? Nossa, achei que ia ser difícil convencer ele... Ainda bem, né? Assim você vai sem peso na consciência.
Kayra pegou o endereço dele e, antes de viajar, enviou todos os equipamentos para lá.
Professor Daniel prometeu guardar tudo em segurança, até que ela chegasse.
No dia do casamento de Roberto e Patrícia, Kayra foi direto à equipe da empresa de eventos e pegou a câmera que usariam.
Patrícia, radiante por finalmente se casar com um homem rico, mal conseguia esconder o ar de superioridade.
Principalmente quando Kayra tirava as fotos, fazia questão de posar como se fosse a grande vencedora.
Enquanto Roberto cumprimentava os convidados, Patrícia o chamava o tempo inteiro, insistindo que ele parasse o que estivesse fazendo para posar ao lado dela.
Valentina, percebendo o exagero, se aproximou e disse, com carinho:
— Patrícia, minha querida, já tiraram tantas fotos... Deixa a Kayrinha descansar um pouco, tá?
Patrícia respondeu com aquele sorriso doce e falso:
— Ah, imagina, Sra. Valentina! A Kayrinha é tão talentosa... Tirar essas poucas fotos não vai cansar ela, não é, Kayrinha?
Valentina franziu o cenho, incomodada:
—Eu vou chamar o fotógrafo da empresa pra continuar. A Kayrinha precisa descansar.
— Mas Sra. Valentina, como é que o fotógrafo da empresa vai se comparar com a Kayrinha? Hoje é o dia mais importante da minha vida com o Beto, só ela pode registrar nossos momentos mais felizes! — Patrícia fez biquinho, irritada:
Kayra não disse nada.
Terminou de tirar a última foto, foi até a equipe da empresa e devolveu a câmera, em silêncio.
Sem olhar pra trás, virou-se e foi embora.
Valentina correu atrás dela, preocupada:
— Kayrinha, onde é que você vai, minha filha?
Kayra sorriu de leve, com um olhar doce e triste ao mesmo tempo:
— Sra. Valentina, agora o Roberto tem a Patrícia pra cuidar dele. A senhora precisa cuidar mais da sua saúde também.
Valentina segurou a mão dela, emocionada:
— Minha filha, você também é como uma filha pra mim... Eu ainda tenho você, não tenho?
Kayra apertou suavemente a mão dela, os olhos marejados:
— Tem sim. Eu vou ser sempre sua filha.
Valentina respirou fundo, segurando as lágrimas:
— Kayrinha... Você sabe... Eu sempre achei que um dia você seria minha nora, que ia me chamar de "mãe"... Quem diria que o Beto... Que ele ia mudar tanto, assim, de uma hora pra outra...
Kayra balançou a cabeça, interrompendo com delicadeza:
— Dona Valentina, não fala mais nisso, tá bom?
— Tá certo... Não falo mais. — Respondeu ela, enxugando discretamente os olhos.
O telefone de Kayra tocou. Era o Professor Daniel.
— Kayra, você já tá indo pro aeroporto? Que horas o avião chega? Eu e a Mariana vamos te buscar. — A voz dele soava animada.
— Já estou saindo agora. — Respondeu ela, tranquila.
— Ótimo, então a gente se vê daqui a oito horas.
— Tá bom.
Assim que desligou, Kayra olhou o relógio.
Estava na hora.
Sem nem passar pela casa dos Santana, chamou um táxi direto pro aeroporto.
Enquanto aguardava na fila do embarque, o celular vibrou.
Era uma nova mensagem de Patrícia:
[Obrigada pelas fotos que você mesma tirou do meu casamento com o Beto. A gente amou! Ah, e daqui pra frente, lembra de me chamar de cunhada, tá?]
[Minha cunhadinha, irmã do Beto, que a gente se dê muito bem daqui pra frente, viu? (Vitória.jpg)]
Kayra leu, sem pressa, e soltou um sorriso frio.
Fez uma captura de tela.
Dessa vez, enviou direto para Roberto:
[Irmão, felicidades no casamento. Adeus.]
Assim que a mensagem foi entregue, ela bloqueou os dois. Um por um.
A partir daquele momento, estavam oficialmente fora da vida dela.
Ao se aproximar do portão, uma comissária sorriu cordialmente:
— Senhorita, boa viagem!
Kayra retribuiu o sorriso, serena:
— Obrigada. Com certeza será.
E, sem olhar para trás, embarcou no avião.