Capítulo 4

Quando entrei no meu apartamento, ele parecia maior e mais silencioso do que jamais havia sido.

Cada movimento meu soava alto demais, como se o silêncio fizesse questão de me lembrar que eu estava sozinha com os meus sentimentos confusos.

Ainda tentava processar o que havia acontecido entre mim e Lorenzo… o que era aquilo afinal? Será que um homem como ele poderia mesmo se interessar por alguém como eu?

Uma publicitária comum, que morava sozinha, longe da família, sem amigos, enterrada no trabalho para não ter que pensar nos desastres amorosos que colecionava?

Me joguei na cama, sentindo o peso da dúvida.

Minha mente ansiosa já fabricava cenários impossíveis.

Me envolver de novo? Eu não sabia se estava pronta. Não depois de Marcos. Aquela ferida que só agora começava a cicatrizar. O medo de cutucar a casquinha e sangrar tudo de novo era maior do que qualquer vontade.

Não. Eu não posso deixar isso acontecer outra vez.

Peguei o celular num movimento brusco. Só havia uma pessoa que podia me ouvir: Lis.

“Tive um dia estressante. Preciso conversar. Tem um tempinho pra sua amiga?”

A resposta veio quase instantânea:

“Claro. Reviera agora?”

Olhei o relógio: quase 21h.

Era tarde, mas meu apartamento parecia sobrar espaço demais. Um restaurante aconchegante, uma comidinha leve e uma taça de Cabernet Sauvignon soavam como o alívio que eu precisava.

Lavei o rosto, pedi um Uber e desci. O caminho foi silencioso, quebrado apenas por perguntas protocolares do motorista. Do lado de fora, a chuva tinha cessado, mas seus rastros ainda brilhavam pelo asfalto junto com folhas de árvores.

Lis já me esperava, num cantinho acolhedor do Reviera. O ambiente rústico, com mesas de madeira maciça, plantas em abundância e luzes amarelas que davam um ar aconchegante e discreto.

Fui recebida por um abraço caloroso, sem nada dito, mas que falava mais que qualquer palavra. Ela sabia que eu estava precisando.

— Pode começar do começo, amiga — disse, ajeitando-se na cadeira com aquele sorriso curioso.

— Lembra da campanha da Castellani Holdings? — comecei, respirando fundo. — Lorenzo está acompanhando tudo de perto. Hoje, nas gravações, ele não saiu de lá um segundo. E, de vez em quando… eu sentia o olhar dele. Um olhar que… bom, não tinha nada de discreto.

— E então? — Lis se inclinou, já ávida.

— Uma chuva caiu forte, tudo apagou, vento forte balançando e derrubando as coisas, tudo virou um caos muito rápido, o pessoal ficou agitado…

— E a grande Mila Moretti foi resolver o problema. — Disse ela com um tom de sarcasmo, dando um soquinho no ar.

— Eu fiz o que precisava ser feito — dei ombros. — Eu organizei a saída do pessoal e fui procurar quem tinha ficado para trás. Foi aí que… acabei presa. Mas… não sozinha.

— Não. Não me diga que… — os olhos dela se arregalaram.

Assenti, tamborilando nervosa os dedos sobre a mesa.

— Sim. Com ele.

Lis quase bateu na mesa.

— Você ficou presa, no escuro, com Lorenzo Castellani? Você tá brincando comigo, conta tudo agora!

— Foi… estranho. Trocamos algumas palavras. E, no final, ele disse que queria me conhecer melhor. Mas ele estava tão perto que… Eu… travei. E quando finalmente ia responder, Júlio chegou e interrompeu o momento.

— Ahhh não, Júlio! — Lis soltou uma reclamação tão alta que metade do restaurante nos olhou.

— Ei, você está do lado de quem? — retruquei, mas não consegui conter um riso nervoso.

Ela se inclinou, séria, os olhos cravados em mim.

— O que você ia responder?

— Eu… não sei. Talvez desconversar. — menti, mal disfarçado.

— Mila. — Ela arqueou a sobrancelha, incisiva. — Você não parece que queria desconversar.

Suspirei, desviando os olhos.

— Ele parece um partidão, lindo, gostoso, mas… eu não acho que seja a hora. Eu não posso fazer isso agora.

Lis pousou a mão sobre a minha. Sua voz saiu baixa, mas firme.

— Já faz dois anos. Você não pode se fechar pra sempre. Nem todos os homens são como Marcos.

O nome me atravessou como uma lâmina. Minha garganta fechou, como se alguém estivesse apertando forte o suficiente pra me asfixiar ali mesmo.

— Eu não posso, Lis. Não de novo.

Ela se levantou em silêncio, veio para o meu lado e segurou meus ombros, me forçando a encará-la. Por alguns instantes ficou pensativa, como se estivesse escolhendo as palavras que ia usar.

— Você merece ser amada de novo. Merece leveza pra sua vida, Mila. Sem complicações. Você é incrível demais pra se condenar à solidão por causa de um idiota controlador.

Suas palavras pareciam de uma irmã mais velha, que eu nunca tive.

As lágrimas escaparam antes que eu pudesse impedi-las. Me agarrei nela como se minha vida dependesse disso.

— E se o amor vier em forma de um empresário gatíssimo… qual o problema? — completou com uma piscadela e uma gargalhada.

Ri em meio ao choro.

Lis sempre sabia como arrancar de mim o que eu mesma não admitia.

— Ele disse que eu sou “diferente” — fiz aspas com os dedos no ar. — Isso não soa como chamar alguém feio de simpático?

— Mila, meu Deus! Que horror… — ela gargalhou cobrindo a boca.

O resto da noite passou rápido, entre confidências, fofocas e risadas.

Quando finalmente nos despedimos eu estava mais leve, fiquei em frente ao restaurante mais algum tempo enquanto o aplicativo não encontrava um motorista. Lis já tinha ido embora, e eu fiquei esperando.

Foi ali plantada em frente ao restaurante que senti um carro se aproximando lentamente.

Eu correria ou me esconderia dentro do restaurante, mas era um carrão típico daqueles de bandido de filme de ação — um SUV inteirinho preto — e eu não tinha dinheiro suficiente para ser sequestrada, então permaneci ali, o carro chegou mais perto, e então parou exatamente na minha frente, meu coração disparou quando vi o vidro baixar.

Era ele.

— O que faz perdida a essa hora na rua, senhorita Moretti? — perguntou com um sorriso surpreendentemente relaxado.

— Encontrei uma amiga aqui. Mas não estou conseguindo carro…

Antes que eu pudesse terminar de falar ele desceu, deu a volta e abriu a porta do passageiro.

— Acabou de encontrar. E eu não aceito “não” como resposta.

Meu coração falhou uma batida. Senti meu rosto queimar por um momento.

— Uh… É um belo upgrade — forcei um sorriso — Mas não quero incomodar, senhor Castellani.

— É meu dever cuidar da segurança dos que trabalham comigo.

— Pessoalmente? — provoquei, arqueando uma sobrancelha.

Sua expressão endureceu por um segundo, sua mandíbula ficou contraída.

— Foi coincidência eu estar passando por aqui. O que você tem a perder?

Olhei ao redor como se buscasse uma resposta, o tempo estava se fechando novamente, e eu definitivamente não queria pagar pra ver.

— Porque não né?! — Assenti e entrei.

O carro era luxuoso, elegante e impecavelmente limpo. Me segurei para não parecer impressionada demais.

Coloquei o cinto e olhei pra ele, por um momento o silêncio pairou no ar, aquele mesmo silêncio que vivemos horas antes naquela sala escura.

Senti minha boca afastar ligeiramente, e um leve suor surgindo em minhas mãos.

Era como se cada respiração, cada batimento cardíaco meu dissesse uma palavra.

Nossos olhos se encontraram. O choque foi o mesmo. Mas uma buzina do carro de trás nos tirou daquela transe.

E logo ele desviou, focando na estrada.

— Seu namorado não se importa com tantas horas de trabalho? — perguntou, num tom presunçoso.

— Não tenho namorado. Aqui só tenho a Lis.

— Sua secretária? E sua família, amigos… ninguém mora aqui?

— Não. Eles estão em Santa Catarina. — sorri sem graça. — Nós… não temos muito contato.

Aquele assunto ainda era muito delicado para mim, parecia doer no fundo da minha alma, toda história com Marcos, meu pai… Senti meu estômago se contorcer.

Uma certa apreensão apareceu no seu rosto e ele provavelmente percebeu meu desconforto.

— Não precisamos falar disso.

Suspirei aliviada.

— E você? — perguntei, aproveitando a deixa pra mudar de assunto — Tem namorada?

A tensão em seu rosto deu lugar a um sorriso leve.

— Não, Mila. Não tenho.

Arrepiei quando ouvi meu nome daquela maneira, em sua voz grave.

Por um instante, não havia mais problemas familiares. Olhei pela janela tentando afastar de mim aqueles sentimentos confusos que eu estava começando a sentir.

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