— Bem, parece que o seu dia acabou de ficar muito melhor — disse Sarah, enquanto a gente parava diante daquele carro.
Depois que o homem estranho saiu do café, olhando para todos os lados, Sarah praticamente me arrastou até o estacionamento. Terceiro andar. Vaga B12. Lá estava ele. Seja lá o que aquilo fosse. Tinha quatro rodas, mas todo o resto parecia de outro planeta. O design era esportivo e elegante, as janelas, totalmente escuras, e o carro não se parecia com nada que eu já tivesse visto — muito menos dirigido. Parecia que tinha acabado de pousar na Terra. Ou que tinha vindo do futuro.
Aproximei-me e, com um assobio suave, a carroceria se ergueu alguns centímetros e a porta se abriu sozinha para me receber. Dei um passo para trás. Mas entrei mesmo assim.
Os bancos de couro cheiravam a novos e, assim que meu pé tocou o pedal do freio, todas as luzes se acenderam e o painel ganhou vida com telas azuis. A porta se fechou suavemente atrás de mim — e eu percebi que não fazia ideia de como abri-la de novo. Não havia maçaneta por dentro! Comecei a apertar todos os botões daquelas telas tentando achar uma saída, mas tudo o que consegui foi abrir o porta-luvas. De lá, caiu uma porção de coisas — entre elas, uma arma e um maço enorme de dinheiro.
Fiquei paralisada, encarando a arma, enquanto Sarah batia no vidro do lado de fora. Sem tirar os olhos daquele monte de notas, comecei a apertar tudo o que minha mão alcançava no painel, até que me lembrei de tirar o pé do freio. A porta, enfim, se abriu.
— Tá tudo bem? — perguntou Sarah, quando saí do carro.
— Eu... eu acho que não devia estar aí dentro. — Como é? Você tá dizendo que não vai ficar com o carro daquele estranho? Você sabe quanto isso vale? — Nem ideia. Mas deve ser caro. — Caro? Com o preço desse carro, você não só colocava o Diogo em várias faculdades como ainda ganhava uma biblioteca com o seu nome! — disse Sarah, mostrando o anúncio do modelo no celular. — É... mas eu não acho que aquele homem era alguém muito legal. E se o carro for tão caro assim, ele vai querer de volta. — E como você vai achá-lo? A gente nem sabe quem ele é! — Bom... além de dono de uma arma, acho que ele se chama Eduardo. Ou Jean Luc — falei, mostrando dois passaportes que tinham caído do porta-luvas. — Puta merda! — exclamou Sarah, pegando os passaportes. — E agora, o que você vai fazer? — Acho que vou pegar o ônibus pra casa... — respondi, pegando os passaportes de volta.Quando me virei para o carro, luzes vermelhas e azuis piscavam no meu rosto. A polícia. Dei um passo para trás e as portas do carro se fecharam sozinhas. Enfiei os passaportes nos bolsos.
— Você aí! Mãos onde eu possa ver!
Um homem de jeans e jaqueta cinza parou a poucos metros, com a arma em punho. Atrás dele, dois policiais fardados. Eles olharam em volta do carro. Um dos uniformizados fez sinal para a maçaneta, mas não havia nenhuma.
— Abra o carro, senhora!
— Como? — Esse carro é seu? — perguntou o de jeans e jaqueta. — Eu pareço alguém que teria um carro que vale uma biblioteca universitária? — respondi, meio lisonjeada, mas ciente de que minhas roupas não combinavam com o veículo. E eu ainda devia estar com o rímel todo borrado. — Bem, isso aí na sua mão é ou não é o cartão de chave do carro? — Isso? Não... isso é o cartão de acesso do escritório. Lá em cima. Segurança bem rígida. — Chega de brincadeira, senhora, eu preciso que esse carro seja aberto agora! — gritou ele. — Pois se o senhor precisa abrir esse carro, vai ter de apresentar um mandado judicial devidamente justificado e assinado por um juiz em exercício na vara criminal, conforme a lei determina, permitindo tempo razoável para análise das partes interessadas. Caso contrário, o senhor está incorrendo em abuso de autoridade e prevaricação! — retruquei, elevando a voz, ainda com as mãos no alto.Os olhos de Sarah se arregalaram. Os policiais fardados deram meio passo para trás.
— Espera... você é advogada? — perguntou ele.
— Ou algo assim.— Se for advogada, preciso ver sua identificação, senhora! Agora, antes que eu perca a paciência!— Vai precisar de outro mandado pra isso também, já que não tem causa provável para me associar a esse carro que tanto te interessa. E, no momento, não estou exercendo a profissão. Caso o dono do carro me contrate, aí conversamos.Isso fez ele perder a compostura. Abaixou a arma — só pra aproximar o rosto do meu. Eu podia sentir o hálito dele.
— Escuta aqui, eu tenho sido muito paciente com você até agora... — Espera, você tá me agredindo? Tá me apalpando? Pegou no meu peito? Sarah, você viu isso? Ele me tocou! Isso é abuso! — Eu não toquei em você! — ele disse, não exatamente se defendendo. — Sério? Porque aquela câmera ali em cima parece discordar! — apontei com o dedo, sem abaixar as mãos. Todas as cabeças se viraram para a câmera de segurança, piscando uma luz vermelha sobre nós. Isso finalmente fez ele recuar. — Espera, eu... eu não toquei nela! — virou-se pra Sarah. — Você viu isso, né? Viu que eu não toquei nela? — Eu vi que você não se identificou antes de apontar uma arma pra gente. E, pelo que entendi, vocês estão procurando um homem de terno, não duas mulheres assustadas num estacionamento — respondeu Sarah. — Sim. É isso mesmo. Onde ele está? — Então…? — perguntei. — Então o quê? — ele não entendeu. — Vai se identificar ou não?Ele precisou respirar fundo antes de responder, mas enfim mostrou o distintivo.
— Sou o detetive Nicholas Valentine, do Quarto Distrito — murmurou, visivelmente irritado por ter sido vencido no uso da lei. — Eu estava perseguindo o dono desse carro. Homem branco, cerca de quarenta anos, cabelos escuros, olhos azuis, terno preto. Você o viu? — Não, senhor. Estávamos andando pelo estacionamento e vimos esse carro — por ser, sabe, tão luxuoso. Ficamos curiosas. Podemos abaixar as mãos agora, por favor? — falei, secamente. — Sim, senhora — respondeu, guardando a arma. — Aqui está meu cartão. Se o virem, por favor, liguem para esse número.Ele se afastou enquanto eu abaixava as mãos trêmulas.
— Espere! Detetive Valentine? — chamei. — Esse homem que o senhor procura... ele é perigoso?Ele olhou ao redor, coçou o queixo e respondeu:
— Pois é. A gente não sabe. Ele sempre aparece quando algo dá errado. Toda vez que há um golpe, uma prisão grande, uma operação suspeita... ele está por perto. Mas nunca é identificado. É como um fantasma.Quando Valentine virou a esquina, tirei os dois passaportes do bolso e me aproximei do carro. A porta se abriu sozinha — e a arma caiu no chão, fazendo um barulho metálico pesado no cimento.
Aquele dia não podia ficar mais estranho.