O tempo, como sempre, seguiu seu curso implacável, e, à medida que os dias se passaram, fui encontrando um novo ritmo para minha vida. Não foi fácil, claro. A transição entre a mulher cheia de dúvidas e a artista que agora encontrava sua voz e seus caminhos foi um processo de tentativa e erro, mas eu cheguei lá. Descobri que, ao contrário do que pensava, não precisava de grandes mudanças ou de um grande amor para ser feliz. Às vezes, a felicidade estava nas pequenas coisas, nos momentos simples de cada dia. Alice, meu raio de luz, continuava a ser meu maior impulso. Ela crescia rápido, mais esperta e encantadora a cada dia. Sua risada, seu sorriso, suas palavras inocentes, tudo nela me fazia sentir que eu estava no caminho certo. Cuidar dela se tornou o meu maior propósito. Nunca mais me senti sozinha, nem vazia. Ela me preenchia de maneiras que eu jamais imaginei.
A noite estava fria, e a iluminação discreta do restaurante no hotel dava ao ambiente um ar sofisticado e acolhedor. O peso da reunião exaustiva ainda pairava sobre mim, mas a satisfação de um trabalho bem feito mantinha minha postura ereta e confiante. Vestida com um elegante vestido preto de alfaiataria, os cabelos presos em um coque impecável, eu exalava a seriedade que a ocasião exigia. Luana havia falado que eu conseguiria esse patrocínio, pois já havia feito todo o trabalho burocrático e só faltava o CEO da empresa me conhecer pessoalmente, mesmo porque ele era um entusiasta de arte e sua esposa amava quando ele passava a patrocinar artistas, ainda mais aqueles que estavam em ascensão.E com isso, fechamos nossa parceria.O jantar foi mais que perfeito. Enquanto caminhava em direção à saída, meus olhos estavam fixos no telefone, distraída, revisando algumas mensagens, quando quase esbarrei em alguém.Levantei os olhos e prendi a respiração
A campainha tocou abruptamente, interrompendo minha rotina silenciosa de pintura e cuidados com Alice. Não esperava visitas, e por um instante, o tempo pareceu parar. Olhei pela janela, mas não vi ninguém conhecido. Apenas hesitei por um segundo, o suficiente para sentir a tensão se formando em meu peito. Com um suspiro profundo, fui até a porta. Quando abri, meus olhos se encontraram com o último homem que eu imaginava ver novamente.Andrew. Lá estava ele, parado na minha porta, com aquela expressão familiar, mas agora havia algo mais, algo que eu não consegui identificar imediatamente. Ele parecia... mais frágil, mais quebrado do que o homem confiante que um dia entrou na minha vida.— Alby — ele começou, a voz trêmula, mas ainda tentando manter aquele tom de superioridade que tanto me irritava. — Eu... eu vim aqui porque preciso do seu perdão. Cometi erros, falhei miseravelmente como você. E eu sinto muito, de verdade. Eu te a
Eu dei um passo à frente, encarando-o com o olhar mais frio que eu poderia reunir.— Olhe bem para mim, Andrew! Olhe! Porque essa é a última vez que você vai ter a audácia de cruzar o meu caminho. Se você tentar me procurar novamente, se aparecer mais uma vez na minha porta, eu juro — e não estou falando de promessas vazias como as suas — que vou te arrastar direto para a cadeia. Chega das suas mentiras, das suas manipulações, dessa sua vida de parasita que só destroi tudo ao redor! Minha voz tremia, não de medo, mas de pura fúria. — Eu fui uma idiota, Andrew. Uma completa idiota por acreditar em cada palavra sua, por cair nas suas falácias baratas, por te dar o benefício da dúvida quando você não merecia sequer um minuto da minha atenção. Mas acabou. A-CA-BOUUU de verdade. Quem você vê aqui agora sou eu — Alby Leclerc. E não há mais espaço, nem sequer um resquício, para você na minha vida. Dei um passo à frente, sentindo a força das minhas palavras s
Tempos depois… O jeep avançava pela estrada poeirenta, e o som dos pneus rompendo o solo seco se misturava ao vento quente que invadia as janelas. Eu estava cansada, mas algo em meu peito pulsava de uma forma estranha, como se aquele cenário fosse algo novo, que estava prestes a mudar a direção de toda a minha vida. O trabalho nos campos de refugiados tinha sido uma experiência transformadora. Eu não sabia como explicar, mas a cada dia ali, mais eu me via apaixonada por essa causa, sentindo-me cada vez mais conectada a algo maior. Tantas vidas precisavam de ajuda, e a mim restava contribuir de todas as formas possíveis, mesmo que isso significasse um sacrifício da minha própria zona de conforto.A médica que me havia convidado para o vilarejo tinha me explicado como a situação local estava crítica. O povo daquele lugar carecia de cuidados médicos básicos, e a base que estavam montando para atendimento era frágil. Fui com o coração abe
O calor do dia parecia mais intenso, ou talvez fosse apenas o peso daquele reencontro inesperado. Isaías estava ali, na minha frente, e mesmo depois de tudo que havíamos passado, eu não sabia como reagir. Ele parecia diferente, mas era difícil confiar nos meus olhos e, mais ainda, no meu coração. Meu instinto me dizia para manter a guarda alta, mas as palavras que ele proferia, carregadas de um significado que eu não esperava, atravessavam minhas defesas com uma força que me deixava sem chão. — Eu? — Isaías repetiu, com aquele tom que sempre carregava uma mistura de ironia e seriedade. — Estou aqui fazendo o que você está fazendo. Ajudando. Fazendo o que importa. Você, claro, está aqui ajudando, como sempre faz, não é? Havia algo na maneira como ele falava que parecia diferente do homem que eu conheci. Mesmo assim, um misto de raiva e incredulidade me inundava. Eu mal conseguia organizar meus pensa
Ele respirou fundo, os olhos presos em algum ponto distante, como se estivesse enfrentando uma versão de si mesmo que sempre evitou. — Mas isso... isso só me trouxe mais dor. Mais vazio. Houve um silêncio que parecia pesado, como se as palavras que viriam a seguir fossem difíceis de dizer. — Então, aqui estou eu — continuou, voltando o olhar para mim, uma determinação crua brilhando em seus olhos. — Não por culpa, não por obrigação, mas porque quero. Quero recomeçar. Quero ser alguém melhor. Por um momento, sua vulnerabilidade quase me desarmou. Mas havia algo em mim, uma ferida ainda aberta, que me impedia de confiar tão facilmente. — E você acha que só querer é suficiente? — perguntei, mantendo a firmeza na voz, mesmo com o conflito dentro de mim. — As palavras são bonitas, mas elas não apagam tudo o que aconteceu. Ele assentiu lentamente, como se já soubesse que enfrentaria essa res
Isaías me observava, os olhos intensos, quase como se estivesse tentando desvendar o que aquelas palavras significavam para mim. Talvez ele visse algo que nem eu ainda entendia completamente. — Pequenos gestos... — ele repetiu, como se mastigasse a ideia, absorvendo-a. Sua expressão suavizou, mas ainda havia algo ali, uma sombra que não se dissipava. — Às vezes, são esses gestos que seguram tudo no lugar. Assenti levemente, engolindo em seco. — Porque, no fundo, acho que é isso que sempre procurei. Não perfeição, não promessas vazias... apenas a sensação de que alguém realmente está ali. Que alguém se importa. Minha voz estava mais firme agora, como se a confissão tivesse criado raízes em mim. Ele respirou fundo, como se minhas palavras tivessem atingido algo dentro dele. Então, quase num sussurro, ele disse: — E talvez... talvez seja isso que eu estou tentando aprender agora. Ser