Terça/Manha — Laboratório da Faculdade.A luz artificial do laboratório de projetos piscava de leve, irritante. Luna tentava focar no código, mas os olhos fugiam para o celular sobre a mesa. A mensagem de Sophia ainda estava ali, aberta. “Preciso de você mais do que nunca. Esta noite?”Ela havia respondido sem hesitar. Mas por dentro, sentia tudo estremecer.— Ei, Luna. — Isadora se aproximou com uma expressão tensa. — Você viu isso?Luna ergueu os olhos. Isadora mostrava a tela do próprio celular. Um perfil no Instagram criado naquela semana: anônimo, sem seguidores, sem nome. Apenas uma única publicação: uma captura de tela distorcida de um frame de uma live antiga. Rosto semi-coberto. Mas familiar demais.Luna sentiu o estômago despencar.— Quem postou isso?— Não faço ideia. Mas marcaram a conta do projeto. E a legenda era tipo… “Nem tudo que brilha é aplicativo.”A mente de Luna correu. A conta estava cancelada. Os vídeos deletados. Ela tinha tomado cada cuidado. Mas alguém tinha
Sexta/Manhã — Stuart & Co.Sophia entrou no prédio da Stuart & Co. antes das sete. O crachá ainda nem havia liberado o andar executivo, e ela já estava sentada à frente de dois dos melhores analistas de segurança digital da empresa, convocados sob um pretexto vago: “testes internos de vulnerabilidade relacionados à privacidade de colaboradores.”Mentira suficiente para funcionar. Verdade o bastante para valer o risco.— Preciso que rastreiem essa conta. — Ela girou o notebook para que os analistas vissem a tela. — Não perguntem por quê. Só confiem que é importante.Os dois se entreolharam, mas assentiram.— Podemos usar proxy reverso e verificar se ela interagiu com algum serviço que aponte IP real. Mas… isso pode demorar.— Não temos tempo. Usem tudo o que for necessário. Interno, externo, contrato confidencial. Se descobrirem o dono do perfil, me avisem antes de qualquer relatório.Ela se levantou, sem esperar resposta. O salto firme soava como sentença.⸻Faculdade — CorredoresEnq
Sábado — Stuart & Co.Sophia passou o dia seguinte em silêncio absoluto dentro da empresa. Não falou com Hugo, nem com Luna. Apenas digitava, analisava e planejava. A tensão em sua postura era quase invisível, mas os mais atentos sentiam o ar denso por onde ela passava.Quando o relógio marcou 17h, ela convocou apenas três pessoas: os dois analistas de segurança e Isadora, a única do grupo da faculdade em quem Luna confiava cegamente.— Vamos atrair o rato até a armadilha — disse, espalhando os arquivos sobre a mesa de reunião privada. — Lucas se reinventou para escapar do que foi. Mas esqueceu de apagar as digitais antigas. Ele nos subestimou.— Como vamos pegar ele? — Isadora perguntou, tensa, olhando para a tela do notebook.Sophia respondeu sem tirar os olhos do monitor.— Vamos simular uma nova exposição. Um print inédito, criado artificialmente, de uma suposta live nunca publicada. Faremos com que o perfil “Dark_Observer” receba essa imagem como isca. Se Lucas estiver alimentand
“O mundo era como uma bomba-relógio, prestes a explodir.” Luna Ferreira : Luna caminhava descalça pelas ruas da cidade, os pés desprotegidos tocando o asfalto frio, sentindo cada pedrinha como um lembrete de sua própria vulnerabilidade. O céu estava encoberto, carregado, como se refletisse seu estado de espírito. Sentia-se esmagada por uma solidão que não pedia licença, uma presença constante que a seguia por onde quer que fosse. O peso do desespero se agarrava a seus ombros, tornando cada passo uma luta silenciosa. O bullying na escola havia se tornado uma rotina cruel, um ciclo sem fim. Risadinhas abafadas nos corredores, mensagens maldosas deixadas em sua mesa, empurrões discretos que os professores fingiam não ver. A indiferença dos adultos era o que mais a fería. Não era apenas o desprezo dos colegas — era o silêncio cúmplice daqueles que deveriam protegê-la. Era como gritar em um quarto vazio, esperando que alguém ouvisse. Chegar em casa não trazia alívio. O apartamento
A casa estava em silêncio. Luna sentia o coração disparado como se estivesse prestes a cometer um crime. A fantasia de coelha, guardada no fundo do armário desde os tempos em que as festas pareciam um sonho distante, agora era sua única armadura. Ela a vestiu com mãos trêmulas. A meia arrastão subiu devagar por suas pernas pálidas. O body preto moldava suas curvas com precisão e as orelhas de pelúcia no topo da cabeça conferiam um ar de doçura dissonante com a tensão que preenchia o quarto. A câmera foi posicionada de modo que seu rosto permanecesse oculto pelas sombras e pelos efeitos suaves do aplicativo. O corpo, no entanto, era protagonista. A pele alva, o quadril marcado, os gestos tímidos a princípio. Mas com o passar dos minutos, algo nela começou a mudar. A transmissão começou. As notificações de espectadores apareciam como pequenas batidas no coração. Ela passou a mão pelos próprios braços, depois pelo pescoço, descendo lentamente até os seios cobertos apenas por renda. Se
Luna permaneceu imóvel por longos segundos depois que a live foi encerrada. A respiração ofegante ainda martelava contra o silêncio do quarto. As mãos, agora paradas sobre os próprios joelhos, tremiam levemente — não de medo, mas de uma excitação nova, diferente de tudo o que já sentira. Um tipo de poder pulsando sob a pele. Ela nunca imaginara que o toque sobre si mesma, transmitido por uma câmera barata e embalado por uma fantasia de coelha, pudesse provocar tamanha reação — não só em quem a assistia, mas nela própria. O corpo ainda vibrava com os ecos do prazer, mas era a mente que parecia em combustão. Ela se levantou devagar, tirando a meia arrastão como quem desfaz um feitiço. A roupa colava à pele úmida, e quando passou o tecido frio de um lenço umedecido entre as pernas, estremeceu de novo, lembrando-se do momento exato em que percebeu… havia alguém do outro lado que realmente a via. A notificação tinha surgido entre centenas. Um valor alto, acompanhado de uma frase simples
A manhã nasceu abafada, típica de um fim de primavera que se arrasta preguiçosamente até o verão. Luna saiu de casa com os cabelos presos num coque frouxo e uma mochila surrada pendendo de um ombro. O uniforme escolar — amassado, ajustado com pequenos remendos — parecia um lembrete silencioso de todas as vezes que ela precisou se virar sozinha. Era seu último dia de aula. Um peso e um alívio. Ela caminhava pela calçada tentando manter o olhar baixo. O som das risadas de um grupo ao longe já bastava para fazer seu estômago se contrair. As valentonas — sempre em grupo, sempre maquiadas como se estivessem indo a um desfile — ainda estavam por ali. Luna evitou o corredor central e seguiu pelos fundos do prédio, atravessando a quadra de cimento rachado. Por fora, ninguém dizia nada. Por dentro, ela contava os segundos. Luna sabia que deveria estar empolgada. O mundo se abria em possibilidades, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sentia-se perdida. A faculdade parecia um horizon
Fazia três dias desde a última live. Luna ainda sentia a eletricidade daquela noite correr por sua pele, como se cada centímetro de seu corpo tivesse memorizado os olhares invisíveis que a observavam pela câmera. Mas depois daquilo, ela precisou de silêncio — um respiro. O jantar completo foi como um rito de passagem. Assou o frango com carinho, saboreou cada garfada como se fosse um banquete, brindou consigo mesma com o vinho barato. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se adulta. Sentiu-se viva. Mas agora, o vazio digital começava a doer. Seu perfil estava lotado de mensagens, curtidas e uma chuva de novas inscrições. Entre todas, um nome brilhava com frequência: LadyInSilk. Não mandava palavras, só reações, doações generosas, curtidas rápidas. Silêncio carregado de expectativa. E algo mais. Algo que Luna começava a reconhecer… desejo de posse. Na manhã do terceiro dia, acordou decidida. Entrou num site de bolsas estudantis e, após muita pesquisa e uma madrugada insone, fez