Capítulo 4

Respirei fundo e acenei para que ela entrasse. Havia algo no modo como Olivia falava — na hesitação do sorriso, no peso das palavras — que me dizia: esta não era uma visita casual.

Ela entrou devagar, pendurou a bolsa no braço com cuidado e sentou-se no sofá. O ventre já arredondado se destacava sob a blusa, impondo a calma que toda futura mãe traz consigo. Observei-a por um momento antes de me juntar a ela, o corpo ainda tenso, a curiosidade apertando o peito.

— Você e o Ethan não costumam sair à noite desde que você ficou grávida — disse, mais para quebrar o gelo do que por cobrança. — Onde ele está?

Olivia suspirou e pousou a mão na barriga, como se a presença ali fosse parte da coragem dela.

— Ficou em casa — respondeu. — Eu queria conversar com você sozinha.

— Olivia, você está com quase nove meses. Não deveria ficar andando por aí à noite. — Minha voz saiu mais dura do que eu queria, fruto do medo que eu carregava por ela.

— Eu tô bem, juro — ela rebateu, calma. — Na verdade, não foi ideia minha vir. Seu pai ligou e disse que estava preocupado com você. Achou que talvez eu pudesse ajudar, já que passei por algo parecido com minha irmã.

A menção da irmã dela soou como um fio puxando lembranças: aquele Natal — o sequestro, a busca, Ethan pedindo ajuda ao meu pai. Olivia sempre esteve ali depois disso, uma presença discreta, forte no momento em que eu mais precisei. Mesmo ferida, ela nunca hesitou em estender a mão.

— Você sabe o que aconteceu com a Ava — ela começou, baixando a voz. — Era minha irmã gêmea. O acidente foi naquela manhã de Natal... você lembra da história.

Olivia, que havia passado pela própria perda, inclinou-se e falou com a simplicidade de quem já conhece o caminho da dor.

— Não foi fácil — disse, sorrindo com tristeza. — Ainda não é. Mas aprendi a conviver com isso. Não a esquecer — acho que a gente não esquece nunca —, mas a encontrar razões para levantar da cama todo dia. O Ethan foi minha razão; agora esse bebê aqui dentro também é.

Abri a boca, sem saber bem como explicar o buraco que me consumia.

— Minha vida parou — confessei, a voz embargada. — Tudo gira em torno de Lily acordar. Não sei como sair disso.

Olivia estendeu a mão e pousou-a sobre a minha, com firmeza e ternura ao mesmo tempo.

— Você não precisa atravessar isso sozinha — falou. — Tem gente que se importa de verdade: seu pai, o Dylan, eu... Nós queremos ajudar. Só — e aqui ela me olhou nos olhos —, você tem que deixar a gente entrar.

As palavras ficaram ressoando na minha cabeça, como pequenas pedras atiradas num lago calmo: ondulações que iam se espalhando devagar. Olivia conhecia a perda de perto; mesmo assim, estava ali, oferecendo um ombro sem cobranças, com a leveza de quem entende que a cura não é linear.

Por um instante senti uma fagulha dentro do peito — uma pequena e frágil esperança, nada garantido, mas real.

— Obrigada.

Os dias tinham passado como uma névoa espessa — cinzentos, repetitivos, sem cor nem propósito. Eu já não sabia dizer quando havia sido a última vez que senti algo que não fosse dor ou cansaço.

Na manhã de uma terça-feira tão cinzenta quanto meu humor, meu telefone vibrou sobre a mesa de cabeceira. Olhei sem pressa, sem expectativa… e então congelei. Era da treinadora da equipe de líderes de torcida da universidade, me convidando para tomar um café.

O nome dela despertou lembranças imediatas. Lily falava dela com entusiasmo, como se fosse uma mentora, alguém que realmente acreditava no talento dela. "Ela é incrível", minha irmã dizia sempre. "Dedica-se a cada treino como se fosse o mais importante da temporada."

A treinadora até havia me convidado algumas vezes para assistir aos jogos, quando Lily ainda estava em coma. Eu sempre recusei. Só a ideia de estar naquela arquibancada sem a presença dela, sem ouvir sua risada vibrante ecoando entre os gritos, me parecia insuportável.

Mas algo naquela mensagem me puxou. Talvez fosse curiosidade, talvez uma necessidade escondida de quebrar a rotina sufocante que me engolia.

Aceitei o convite.

A cafeteria estava aquecida contra o frio da manhã. O cheiro de café recém-passado se misturava ao som suave das conversas ao redor. Ela já estava lá, sentada perto da janela, com uma xícara entre as mãos. O rosto dela se iluminou ao me ver, e por um instante senti um calor estranho, quase esquecido.

— Obrigada por vir — disse, a voz doce, mas firme. — Sei que esse convite pode ter parecido… inusitado.

— Não é inusitado. Só... inesperado.

Ela assentiu e tomou um gole do café antes de prosseguir, o olhar fixo em mim.

— Eu queria dizer que sinto muito pelo que aconteceu com a Lily. Ela era uma garota incrível, cheia de vida. Amava cada treino. Ela tinha… um brilho especial.

Minha garganta se apertou. O coração deu um nó. O jeito como ela falava no passado me despedaçava.

— Ela realmente ama — murmurei, sentindo o peso da lembrança. — Ela queria tanto fazer parte de tudo isso, mesmo que no começo fosse pelos objetivos errados.

A treinadora apoiou a xícara na mesa, inclinando-se levemente para frente. Seus olhos tinham a firmeza de alguém que carrega uma convicção.

— É justamente por isso que eu quis me encontrar com você. Sei que pode soar como loucura, mas... já pensou em se inscrever na universidade onde Lily estava? — Ela fez uma pausa breve, avaliando minha reação. — E, quem sabe, entrar para o time de líderes de torcida?

As palavras ficaram suspensas no ar. Por um momento, pensei ter ouvido errado. Eu? Líder de torcida? O choque percorreu meu corpo como um raio.

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