Capítulo 2

— Mas... eu tenho dezenove anos, Sr. Wilson.

— E daí? — ele respondeu sem ironia. — O que você já conquistou aqui não é comum. Reconhecer pessoas é parte do meu trabalho, e você não passa despercebida.

Levei alguns segundos para encontrar as palavras.

— Isso... é uma honra enorme. Eu nem sei o que dizer.

Ele acenou com tranquilidade.

— Não precisa decidir agora. Pense com calma. Só queria que soubesse que confio em você. Acredito que juntos podemos levar a loja para um nível maior.

Saí do escritório com a cabeça cheia. A respiração ainda um pouco ofegante, senti um misto de euforia e responsabilidade que me agarrou o peito. Caminhei para o vestiário com o uniforme quente na mão, trocando-o por roupas mais leves. O bater das portas dos armários ecoou, e naquele silêncio o telefone vibrou no bolso.

Era Lily. Sorri antes mesmo de atender — mesmo sabendo que ela sempre vinha com novidades.

— Ei, Lily! Como você tá? — atendi com a voz mais solta que pude.

— Oi, irmãzinha! Tô bem... um pouco cansada. Universidade é puxado — disse ela, num tom de quem reclama, mas se diverte. — Mas, hey, vou voltar pra casa hoje. Tem um bar perto daqui; quer ir? Tenho novidades.

A curiosidade se acomodou em mim como um calorzinho nas costelas.

— Novidades, é? Me dá vinte minutos que eu apareço.

Ela suspirou alto no fim da linha, animada, e eu guardei o celular na bolsa. Enquanto arrumava o meu cabelo ruivo, a cabeça zumbia com o convite do Sr. Wilson e com a ideia de uma possível sociedade; ainda assim, havia espaço para a normalidade da noite — para Lily, para um copo e confissões que só irmãs sabem trocar.

O bar estava cheio, cheiro de bebidas e de gente misturado. A luz era baixa; a música, alta o bastante para esconder segredos alheios. Encontrei Lily em um canto mais sossegado, o rosto iluminado pelo brilho do celular. Ela pulou de pé e me abraçou com um calor que me fez esquecer, por um segundo, de perguntas maiores.

— Já peguei sua bebida favorita — anunciou, orgulhosa. — Você demorou.

Sentei-me, aceitei o copo e encarei-a. Havia algo por trás do sorriso dela: um brilho inquieto.

— Ok, conta — disse. — O que houve?

Ela respirou fundo, os olhos brilhando com uma mistura de timidez e confiança.

— Saí com um cara da faculdade — declarou. — Ele j**a hóquei. Eu... entrei como líder de torcida pra ficar perto dele.

O riso escapou, involuntário.

— Líder de torcida? Lily, você nem está na faculdade há um mês e já se envolveu dessa forma? — provoquei, tentando não parecer desaprovadora demais, mas sentindo o pé atrás crescer.

— Calma, ele é incrível! — ela rebateu, rindo. — O nome dele é Wilde. Todo mundo chama assim. Ainda não sei o nome verdadeiro dele. Mas ele é diferente, sabe? Aventureiro, meio doido: tipo escalar montanhas, pular de paraquedas... e é tão emocionante.

Olhei para ela com uma mistura de surpresa e preocupação. Lily sempre viveu com a intensidade de quem quer sentir o mundo na pele; eu, por outro lado, gostava de medir riscos antes de pular.

— Você tem certeza sobre isso? — perguntei, direto.

Ela abanou a mão, despreocupada.

— Você sempre acha que eu vou me queimar — disse ela. — Eu sei que você cuida de mim. Mas relaxa: nada de ruim vai acontecer. Prometo.

Suspirei, rendendo-me ao sotaque de sua fé inabalável nas pequenas emoções da vida.

— Tá bem. Apenas cuide-se — respondi.

PONTO DE VISTA DE EMMA

O Presente...

Um ano depois...

O hospital tinha um frio que não vinha só do ar-condicionado. Era um frio que parecia grudar na pele, se infiltrar nos ossos, como se cada parede branca carregasse a lembrança de vidas suspensas. O silêncio, cortado apenas pelo bip constante das máquinas, era, há um ano, a trilha sonora da minha vida.

Segurava a mão de Lily, como sempre fazia. Sua pele estava gelada, tão frágil que parecia que poderia se desfazer entre os meus dedos. Seus cabelos também ruivos, penteados com cuidado pelas enfermeiras, emolduravam um rosto pálido que mal lembrava a menina vibrante que ria de qualquer bobagem, que transformava qualquer dia comum em uma aventura.

A porta se abriu devagar. A médica entrou, trazendo consigo aquele mesmo semblante cansado, um misto de profissionalismo e compaixão exausta. Já era quase um ritual: ela olhava para mim, suspirava e começava a repetir o que eu já sabia de cor, como se as palavras pudessem mudar alguma coisa.

— Você pode me falar novamente do que se lembra? — perguntei, a voz baixa, controlada.

Respirei fundo em seguida, deixando que a raiva velada me aquecesse.

— O acidente foi grave — ela começou, repetindo a ladainha. — Lily ficou muito tempo submersa, e a falta de oxigênio causou danos cerebrais. Além disso, o impacto contra a água provocou uma lesão na cabeça. É por isso que ela entrou em coma.

Apertei a mão dela, quase implorando para que sentisse meu toque.

— E ninguém ajudou — completei, amarga. — Até ser tarde demais.

A médica desviou o olhar, como se as paredes fossem mais fáceis de encarar do que a minha dor.

— Um dos jovens disse que tentou reanimá-la antes de trazê-la para cá. Mas, como você sabe, eles simplesmente a deixaram na entrada e foram embora.

Minha voz saiu trêmula, carregada de incredulidade.

— Foram embora sem saber se ela estava viva ou morta. Que tipo de gente faz isso?

Ela fez uma pausa breve antes de responder, como se medisse cada palavra.

— Eu entendo sua dor. Mas a polícia concluiu a investigação. Foi arquivado como acidente. Eles eram apenas universitários bêbados, desafiando uns aos outros a pular daquela torre no lago.

Minha mandíbula se contraiu. Eu odiava a forma como chamavam aquilo de "acidente", como se fosse algo banal, como se a vida da minha irmã tivesse sido apenas mais uma estatística.

O silêncio se instalou de novo, pesado, quebrado apenas pelo som mecânico das máquinas.

Mas meu pai e eu sabíamos mais. Muito mais. Ele, ex-detetive, havia descoberto as conexões que a polícia convenientemente ignorou: Wilde e sua turma, os jovens ricos e imprudentes, filhos de gente influente demais para serem responsabilizados. Lily estava com eles naquele dia. Ele a levou para aquela torre, para mais uma das suas aventuras idiotas. E quando deu errado, eles fugiram. Covardes.

Um ano. Um ano sem ouvir a risada contagiante dela. Sem suas piadas bobas, sem seu jeito de me chamar para dividir segredos. Um ano em que ela ficou presa nesse limbo, enquanto eles seguiram com suas vidas como se nada tivesse acontecido.

A médica pousou a mão no meu ombro, um gesto protocolar que soou quase vazio.

— Sei que é difícil... mas a ciência tem seus limites. Continuamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance, mas o resto depende dela. Lily vai acordar algum dia. Você precisa acreditar. — Ela hesitou um segundo antes de se afastar. — Eu volto mais tarde para checar como ela está.

Assim que a porta se fechou, o silêncio engoliu a sala de novo. Segurei a mão de Lily com mais força, e uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto.

— Wilde... — sussurrei, a voz embargada. — Onde quer que você esteja, espero que o peso disso te persiga todos os dias.

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