EVY A FEIA "A BELEZA QUE NINGUÉM VIU!"
EVY A FEIA "A BELEZA QUE NINGUÉM VIU!"
Por: Tônia Fernandes
####PRÓLOGO

O Último Segredo de Samantha

Eu tinha vinte e sete anos quando a vida me pediu pressa. Meu pai, meu herói, estava doente, e eu era sua única filha. Naquela noite em que ele me chamou ao quarto, a respiração curta e o olhar ainda firme, ouvi o pedido que mudaria o meu destino.

— Filha, eu quero te ver casada, quero conhecer meu neto antes de partir.

Eu não tinha namorado, não tinha planos. Tinha trabalho, pesquisa, laboratórios e uma carreira que já salvava vidas. Mas não consegui negar ao meu pai o último desejo.

— Jeffrey — disse ele. — Um homem correto, trabalhador. Confio nele.

Casei-me com Jeffrey John Bradford. Não foi um conto de fadas, mas, aos poucos, a vida foi amolecendo minhas certezas. Contra todas as previsões, eu me apaixonei. Acreditei em seus sorrisos, em seus toques, em suas promessas. No primeiro mês, engravidei. Ver a alegria no rosto do meu pai ao saber que teria um neto me sustentou por semanas.

Depois, tudo mudou de lugar, quase imperceptivelmente. Jeffrey se afastou do meu corpo. Disse que temia machucar o bebê. Eu queria acreditar. As noites passaram a ter um chá morno “para eu descansar”. Eu bebia e dormia cedo, ele, aos poucos, foi se tornando um silêncio.

Quando minha filha nasceu — minha Ive Lissandra, meu pedaço de eternidade —, meu pai resistiu por mais três meses. Partiu em paz, acreditando que havia protegido a neta e me dado um companheiro. Eu segui.

Com o tempo, uma exaustão estranha começou a me acompanhar. Nada específico: cansaço, dores espalhadas, uma névoa sobre os dias. Eu, que aprendi a ler fórmulas como quem lê música, não encontrava explicação no meu próprio corpo. Continuei trabalhando, sendo mãe, tentando ser esposa. E a casa foi devagar, mudando de temperatura.

Até a noite do corredor.

Eu ia em direção ao escritório para buscar uma pasta, quando parei ao ouvir vozes. Riso abafado. A porta entreaberta, o brilho da luminária cortando a penumbra. Reconheci os timbres: o de Jeffrey, e o de Clarice. A mulher que hoje é sua secretária. Fiquei imóvel, o coração batendo nos ouvidos.

— Em breve ela vai estar morta — disse Clarice, sem cerimônia. — Já está praticamente morta, ela não consegue descobrir a doença dela.

Senti o chão ceder, uma sentença dita como se comentasse a previsão do tempo, esperei ouvir a celebração dele, a crueldade que justificasse a minha dor. Mas a resposta de Jeffrey veio tensa, quase ofendida:

— Por que você fala assim? A Samantha é uma boa pessoa. Por que ficar feliz com isso?

Fiquei sem ar, não havia prazer na voz dele, nem conspiração. Havia um desconforto que eu não soube nomear.

— Ela tomou o você — retrucou Clarice, seca. — E quando ela morrer, você vai se casar comigo de novo.

— Eu me divorciei de você para me casar com ela porque foi a vontade do pai dela — ele respondeu, cansado. — Não porque eu a amasse, mas...(a voz falhou) Clarice, isso não é assunto para comemorar.

Não ouvi mais. Afastei-me do batente como quem recua de uma beira. Eu não sabia quanto tempo tinha. Talvez pouco. Talvez muito pouco. Mas soube o suficiente: eu precisava proteger a minha filha.

Na madrugada seguinte, chamei o advogado de confiança da família. Ele entrou no meu quarto em silêncio, como quem visita uma enfermaria.

— Preciso garantir o futuro da Ive — falei, e minha voz saiu firme, apesar do tremor nas mãos. — Vamos criar um fundo fiduciário em nome dela. Intocável. Ela só poderá receber quando completar vinte e um anos. E haverá uma condição: deverá estar casada com o herdeiro escolhido por meu pai.

Ele ergueu os olhos.

— A senhora tem certeza de que quer atrelar a liberação a um casamento?

— Tenho. — Respirei fundo. — É um acordo antigo, e meu pai confiava nisso. Quero que a vontade dele esteja resguardada com as melhores cláusulas que o senhor puder escrever.

Ele assentiu, já anotando.

— Mais uma coisa — continuei. — Ontem à noite ouvi uma conversa entre Jeffrey e Clarice. Nada, criminoso, mas suficiente para me alertar de que, se eu partir cedo, haverá quem queira redesenhar o lugar da minha filha nesta casa. Preciso que o senhor vigie tudo de perto. Que seja você a estar presente em cada assinatura, em cada leitura, em cada passo legal até que a Ive alcance a maioridade.

— Eu estarei — prometeu.

Na manhã seguinte, minha menina entrou no quarto. O sol fez os olhos verdes brilharem como esmeraldas líquidas. Sentei-a na cama, segurei seus dedos finos entre os meus.

— Meu amor,— sorri e senti as lágrimas queimarem. — O mundo pode ser cruel com quem brilha demais. Até que você seja adulta, preciso que se esconda um pouquinho, só um pouquinho, para estar segura. Use seus óculos sem vergonha, vista roupas largas, prenda os cabelos. Ninguém precisa saber quem você é de verdade… ainda.

— Por quê, mamãe? — ela sussurrou, sem entender.

— Porque às vezes a gente se protege ficando quietinha. E porque eu quero que você chegue inteira até o dia certo. — Beijei sua testa. — Quando completar vinte e um anos, tudo vai mudar. Você vai vestir um vestido que já é seu, vai usar joias que combinam com os seus olhos, e vai ouvir um documento que é o seu destino. Até lá confie em mim. Eu te amo.

Ela assentiu, com a seriedade das crianças que guardam segredos. E eu, naquela hora, soube que meu último ato de amor estava feito.

Eu não sei quanto tempo me resta. Sei que Jeffrey cuida da Ive com carinho e acredito que não a fará sofrer — ele sempre foi doce com ela. Mas eu também sei como o mundo gira quando o poder muda de mãos. Por isso deixei tudo escrito, registrado, em cofres e em cartas. Há coisas que só poderão ser abertas quando ela for maior. Há um sótão que um dia será descoberto. Há um legado que ninguém poderá roubar.

Se eu não estiver aqui quando isso acontecer, a minha voz estará. E, quando a minha Evy se olhar no espelho e decidir soltar os cabelos, quero que se lembre: nunca foi feia, só estava escondida.

O último suspiro – Samanta

A cada dia, meu corpo se tornava mais fraco. As forças me abandonavam como água escorrendo por entre os dedos. Jeffrey já não me trazia mais o chá. Ele permanecia ao meu lado, em silêncio, assistindo à minha vida se apagar lentamente.

Naquela noite, quando senti que o último sopro se aproximava, minhas mãos geladas se agarraram às dele. E foi então que vi lágrimas nos olhos do homem que tanto me confundira.

— Me perdoa,— ele sussurrou, a voz embargada.

Reuni as últimas forças para perguntar:

— Perdoar por quê?

Seus ombros estremeceram.

— Por não ter te amado como você merecia.

Um nó me subiu à garganta. Sorri, fraca.

— Você me amou, Jeffrey. Você me deu a Evy.

Ele abanou a cabeça, chorando.

— Não, eu não te amei. Mas gosto de você, mas talvez não seja suficiente.

Meu coração se apertou, mas já não havia rancor em mim. Apenas a certeza de que minha missão era a Eve. Apertei a mão dele com a força que me restava.

— Se isso te faz bem, então eu te perdoo, Jeffrey.

E com essas palavras, meus olhos se fecharam para sempre, levando comigo a última lágrima dele sobre a minha pele.

O VELÓRIO E O SOFRIMENTO DE EVY

O pequeno corpo de Evy tremia ao lado do caixão. Os olhos verdes estavam inchados de tanto chorar. Ela não entendia como o mundo podia continuar girando se a sua mãe não estava mais ali.

O pai, Jeffrey, permanecia sério, rígido, como uma estátua. Ao lado dele, Clarice, a secretária, vestida de preto, mas com um traço nos lábios que Evy jamais esqueceria.

A menina ergueu os olhos, ainda marejados, e perguntou, com a inocência ferida:

— Por que você está sorrindo? A minha mãe morreu.

Clarice se inclinou levemente, fingindo compaixão.

— Eu não estou sorrindo, querida.

Eve apertou os punhos.

— Está sim. A minha mãe morreu. Não é para você sorrir.

O silêncio pesado caiu sobre os três. E, naquele instante, mesmo sendo apenas uma criança, Evy percebeu: a guerra que sua mãe temia já havia começado.

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