Mundo de ficçãoIniciar sessãoA noite tinha engolido a cidade quando Mattia pediu o Uber.
— As mãos tremiam tanto que ele mal conseguiu digitar o endereço no aplicativo, sua mente se debatendo entre a euforia e a negação. —A verdade? Ele estava bêbado demais para dirigir… e sóbrio demais para não sentir medo. — O carro chegou rápido, como se a noite estivesse tão apressada quanto ele para se livrar de suas preocupações. — O motorista, um homem de meia-idade com uma expressão que falava mais de cansaço do que de preocupação, olhou para Mattia pelo retrovisor, percebendo o forte cheiro de álcool que exalava dele. — Com uma voz baixa, mas cuidadosa, perguntou: — Tudo bem aí, senhor? — Tudo… ótimo — respondeu Mattia, nervoso, como se suas palavras poderiam convencer alguém disso. — Mentira, ele mesmo não havia se convencido, e nem tentou sustentar essa farsa. —O trajeto até o cassino foi marcado por um silêncio denso, pesado como chumbo, onde cada batida do vento parecia sussurrar dúvidas na mente de Mattia. Ao passar pelas luzes da cidade, cada farol parecia um farol de um navio que o guiava para um destino incerto. —Quando o Uber parou em frente ao Sttorn Palace, Mattia engoliu em seco. — As luzes do cassino refletiam no vidro do carro, não como um convite, mas como dentes brilhantes de um predador prestes a devorar sua presa. —Ele pagou a corrida, as notas escorregando de seus dedos suados, e desceu, quase tropeçando nas próprias pernas, o chão parecendo mais instável sob sua intensidade emocional. Ao entrar no salão principal, o segurança o reconheceu imediatamente, sua expressão mudando de indiferença para uma postura alerta e autoritária. — Stewart? O senhor Sttorn está esperando — anunciou o segurança, com um tom que não deixava espaço para recusa. — Mattia assentiu, trêmulo, um nó de apreensão se formando em seu estômago, e seguiu o segurança por corredores que pareciam nunca acabar. —As paredes, adornadas com tecidos opulentos e reluzentes, se fechavam ao seu redor como se a própria instituição estivesse absorvendo sua fraqueza. — A porta preta e dourada se abriu, revelando Atticus, cuja presença era tão opressiva quanto o fumo denso que pairava no ar. — Ele estava ali, sentado, frio como gelo, perigoso como fogo, e ao mesmo tempo implacável como uma tempestade que se aproxima — Mattia sabia que a tempestade que ele estava prestes a enfrentar não era apenas externa, mas totalmente interna, um conflito de medos e esperanças que ameaçava explodir a qualquer momento. — Sente-se — disse, sem levantar a voz, mas suas palavras carregavam um peso que parecia ressoar pelo ambiente sombrio do escritório. —A maneira como Atticus falava, mesmo em um tom controlado, emanava poder e desdém, como um juiz, presenciando o doloroso desenrolar de um destino. — E Mattia, consumido por um misto de medo e vergonha, obedeceu automaticamente, a mente acelerada e o corpo tenso, o coração pulsando de ansiedade. O diálogo entre eles começou a fluir exatamente como antes — duro, implacável, dominador — mas agora reverberava com uma correção fatal, como se a realidade estivesse se moldando àqueles momentos decisivos. Quando Mattia, com lágrimas escorrendo por suas bochechas desencorajadas, perguntou com uma voz trêmula: — Eu venho amanhã cedo, senhor? Um fio de esperança manchado pela desolação, a súplica por uma segunda chance pairando no ar, mas Atticus, como uma entidade imperturbável, finalmente levantou o olhar devagar e assustador. — Não, você começa hoje. Os olhos de Mattia se arregalaram, a incredulidade se transformando rapidamente em desespero antes de ter tempo de processar a profundidade daquela resposta. — S-senhor… agora? — Você achou que ia embora para beber e dormir enquanto sua filha chora em casa? Não. A sua punição começa agora. — Cada palavra dele era uma lâmina, cortando mais fundo do que qualquer dor física poderia atingir. Atticus fez um gesto brusco, abrindo espaço para a entrada do segurança, alguém tão imponente quanto um guardião de um templo sombrio. — Leve Stewart para o vestiário dos funcionários, a partir de hoje… — ele encarou Mattia com desprezo que parecia se acumular em cada fibra de seu ser — ele limpa banheiros, recolhe lixo e faz tudo o que eu mandar. — A frase ressoou como um eco de um destino irreversível, enquanto Mattia, em meio a um pranto silencioso, não conseguia encontrar palavras para se defender. — Senhor… por favor… eu não estou em condições de trabalhar… —A súplica escapava de seus lábios, um último esforço para segurar o que restava de sua dignidade, mas foi em vão. Atticus respondeu com a calma de quem decide vidas, sua expressão inabalável fazendo com que Mattia sentisse a verdade crua daquela sentença: — Você também não estava em condições de ser pai. — E nem por isso deixou de destruir a vida da sua família, levanta, Stewart, você tem uma dívida para pagar. — A culpa que pendia no ar empurrava Mattia para longe da esperança e mais perto da realidade sombria. O segurança puxou Mattia pelo braço, um ato simples, mas repleto de uma força que o fez lembrar a vulnerabilidade de sua situação, Atticus completou, sua voz como aço: — E nem pense em passar em casa, você não vai dar recado nenhum para a sua filha, ela não precisa de você. —Mas você vai aprender a precisar do trabalho que eu mando. —A frieza em suas palavras era um aviso claro: a distância entre ele e sua filha agora era tão vasta quanto o abismo que Mattia se sentia afundando. A porta se fechou atrás dele, cortando a luz e o último vestígio de esperança. — Mattia, cambaleando sob o peso da realidade, foi jogado dentro do vestiário, onde uma nova vida o aguardava. — Recebeu um uniforme de faxina e uma ordem austera: — Começa pelo banheiro dos apostadores VIP. Agora. No silêncio angustiante que se seguiu, Mattia sentiu uma mistura de humilhação e raiva crescer dentro dele. — Ele se agachou, os joelhos grudados no chão frio e irregular, enquanto as lembranças de sua antiga vida — cheia de promessas, amor e uma felicidade inexplorável — pareciam um eco distante. Cada esfregada na superfície do piso era como um remorso despejado em um balde que nunca se enchia: um ciclo interminável de limpeza, mas nunca de purificação. — E naquela mesma noite… o homem que destruiu a própria família, agora reduzido a esse estado de servidão, limpava o chão a joelhos, maravilhando-se com a ironia amarga da vida. —Ele poderia ter sido um pai admirável, um marido protetor; no entanto, ali estava, reduzido às sobras de suas ações. —Enquanto isso, Atticus, no escritório, bebia em silêncio e perdia-se em um mar de lembranças e reflexões. — Pensava em Opal — na voz dela, suave como o canto de um passarinho, na inocência dela que brilhava como uma estrela, e no quanto aquela garota, com sua curiosidade contagiante, não fazia ideia do monstro do qual ele estava tentando poupá-la. — O peso desse segredo o esmagava, e cada gole que tomava parecia um passo mais profundo em um abismo cuja saída estava cada vez mais distante.






