O céu sobre Al-Qadar ardia em tons de ouro líquido quando Zayn entrou no prédio espelhado da Al-Rashid Enterprises — sede global de seu império. Os vidros refletiam o sol inclemente e a cidade viva abaixo, mas ali dentro, a temperatura era controlada, os relógios giravam no fuso do mercado internacional e o tempo... pertencia a ele. Vestia um terno azul meia-noite, sob medida, abotoado com precisão cirúrgica. A gravata era um toque de disciplina. A expressão, impenetrável. Os corredores se calavam com sua passagem. Não havia sorrisos ou conversas desnecessárias. Os funcionários sabiam que ele não tolerava distrações — nem elogios, nem bajulações. Zayn era o tipo de líder que inspirava excelência e medo em proporções matemáticas.
— Bom dia, senhor — murmurou o assistente ao lado do elevador, estendendo a pasta com os relatórios atualizados. Zayn não respondeu. Apenas aceitou os papéis, girou nos calcanhares e adentrou o elevador reservado. Trinta andares acima, o topo do poder. A sala de reuniões principal era circular, com janelas panorâmicas e uma mesa de mármore negro como o deserto sob a lua. Ali, estavam reunidos os líderes de cinco filiais da Al-Rashid Motors, além de representantes de governos e investidores de três continentes. Zayn entrou em silêncio. — A apresentação começa — disse ele, sem cumprimentos, sem rodeios. A equipe iniciou os gráficos. Crescimento anual, projeções de mercado, novas tecnologias de bateria autossustentável. Um executivo italiano tentou acrescentar um elogio sobre o “gênio estratégico” de Zayn. — Se quiser me bajular — disse ele, interrompendo —, pague mais dividendos e menos palavras. Silêncio tenso. Alguém tossiu. Zayn cruzou os braços, observando os gráficos por um longo minuto. Então se levantou, foi até a tela e circulou com uma caneta digital um ponto vermelho. — Aqui está o problema. Vocês querem expandir a produção, mas a cadeia logística entre Marrocos e China está vulnerável a sanções e instabilidade. Se não fortalecerem esse elo com parcerias seguras, teremos gargalos até o próximo semestre. E eu odeio gargalos. — Mas senhor, isso exigiria uma mudança política delicada... — disse um dos chefes de setor. — Então sejam delicados — retrucou ele. — Ou sejam substituídos. No almoço executivo, recusou vinho, piadas e sobremesas. A refeição era frugal: salada de folhas escuras, grão-de-bico e cordeiro marinado. Alimento funcional. Cada garfada medida. Cada respiração controlada. Zayn conversava com um grupo de investidores de Cingapura sobre fusões na Ásia quando seu celular vibrou sobre a mesa. Um toque silencioso. Apenas um nome: Kareem. O secretário pessoal. Se ligava, era importante. — Com licença — disse ele, erguendo-se. — Dinheiro espera. Eu não. No gabinete privado, Kareem já aguardava, tenso, mas treinado demais para demonstrar nervosismo. — O senhor requisitou as informações sobre o evento diplomático desse mês. — Fale. Kareem abriu o tablet e deslizou para uma apresentação organizada por pastas. — O convite partiu da embaixada brasileira. Sua presença é requisitada em São Paulo para uma série de eventos que envolvem segurança energética, parcerias ambientais e... — ele pausou, relendo — aparições sociais com empresários locais. Zayn ergueu uma sobrancelha. — Brasileiros. Festas e caos. Maravilhoso. — Será uma agenda extensa. Quatro dias. Jantares, palestras, conferências. O senhor precisará de um intérprete durante os encontros bilaterais. A equipe da embaixada está organizando isso. Zayn reclinou na cadeira de couro. Bateu os dedos no tampo da mesa, pensativo. — Um país com quase duzentos milhões de habitantes... e eu ainda tenho que levar alguém para traduzir? Impressionante. Kareem hesitou, mas manteve o tom neutro. — O intérprete será designado pela embaixada brasileira. Estão selecionando alguém com fluência em árabe e inglês, além de experiência diplomática. Zayn bufou levemente, cruzando os braços. — Provavelmente algum burocrata de terno amarrotado com cheiro de café e pretensão de ser melhor que o convidado. — A informação que recebi é que será alguém discreto e competente. Um dos professores que trabalham na área cultural do consulado está liderando o processo de escolha. Querem garantir que o senhor se sinta... confortável. Zayn sorriu de canto. Um daqueles sorrisos que não prometiam nada — apenas ironia. — Confortável? Eu não preciso de conforto, Kareem. Preciso de eficiência. Ele se levantou. Caminhou até a janela. O sol começava a descer no horizonte, tingindo o céu de cobre e fogo. — São Paulo, então... Um lugar onde tudo transborda. Barulho, calor, emoção. Fez uma pausa longa, como se calculasse as próximas jogadas no tabuleiro invisível que comandava. — Prepare a equipe de segurança. E Kareem... — Sim, senhor? — Certifique-se de que o intérprete saiba quando calar. E, por favor, que fale menos que eu. — Vou cuidar disso. Zayn voltou à mesa. Abriu o arquivo com o cronograma do evento. Os nomes dos participantes brilhavam na tela. Brasileiros, europeus, diplomatas do Golfo. Mas algo nele já antevia o imprevisto. E o imprevisto... costumava ser o único adversário que o fazia sorrir. As horas seguintes transcorreram com precisão militar. Zayn passou por três reuniões com os setores de engenharia, recursos estratégicos e expansão tecnológica. O tom era sempre o mesmo: direto, eficiente, sem rodeios. Um erro de cálculo em uma projeção de custos levou à substituição imediata de um dos analistas. — Falhas não se corrigem com justificativas — declarou ele. — Corrigem-se com resultados ou com demissões. Escolha seu caminho. Assinou contratos, vetou dois projetos milionários por julgá-los pouco visionários, e aprovou silenciosamente uma startup da Noruega que prometia motores híbridos com tecnologia de autorrecuperação. Ele não elogiava. Apenas autorizava — e quando autorizava, mudava o rumo do mercado. Perto das cinco da tarde, a tensão na sede da Al-Rashid Enterprises parecia aumentar. Todos sabiam que o humor de Zayn ao fim do dia era ainda mais afiado. Seu silêncio, mais cortante. Kareem o encontrou na sala de estratégias, revisando sozinho um plano de expansão no norte da África. Documentos abertos, projeções em holograma, e uma caneta de tinta preta entre os dedos. — Precisa de algo, senhor? — Preciso que os homens que gerenciam meu império tenham mais cérebro do que vontade de me agradar. — Entendido — respondeu Kareem, sem piscar. Zayn apontou para a projeção. — Envie isso para o ministro de energia do Marrocos. Diga que se quiser nossa tecnologia, terá que abrir mão da cláusula de exclusividade com os franceses. Eles são lentos. E eu... não espero. — A linguagem será firme? — Diplomática, mas venenosa. Ao encerrar o expediente, por volta das dezenove horas, ele atravessou os corredores com a mesma postura firme de quando chegara. Um silêncio quase reverente o seguia — e nenhum funcionário ousava manter os olhos nele por mais de dois segundos. A presença de Zayn não era uma que se sustentava com palavras. Ela se impunha com uma energia densa, silenciosa, como se o ar se comprimisse em sua presença. No saguão de mármore escuro, um dos motoristas aguardava com o carro já posicionado. Um modelo exclusivo, sem logotipo — fabricado pela própria montadora de Zayn. Blindado, elegante, silencioso. Ele entrou sem dizer nada. No caminho para casa, não usava celular, não ouvia música, não relaxava. Apenas observava a cidade além dos vidros escurecidos, como um general avaliando seu território. Ao chegar ao complexo privado onde morava — um palácio moderno com linhas minimalistas e jardins secos que imitavam a beleza do deserto —, foi recebido por uma única criada, que apenas abaixou a cabeça. O silêncio da casa era quase sagrado. Subiu direto ao segundo andar. Lavou as mãos, retirou o paletó e soltou a gravata. A camisa continuava impecável, como se o dia inteiro não tivesse deixado marcas. Sentou-se no divã à frente da janela panorâmica que dava para o vazio das dunas. Ali, com os pés firmes no mármore frio, finalmente respirou de forma diferente. Mas não era alívio. Era apenas... silêncio. Controle restaurado. Na mesa ao lado, uma bandeja com chá forte, tâmaras secas e três documentos que Kareem havia deixado para revisão final. Leu um, assinou outro, e rasgou o terceiro ao meio. Depois disso, olhou para o céu escurecendo. O crepúsculo em Al Qadar não pedia permissão. Ele se impunha com uma beleza dura, sem doçura. Assim como ele. Zayn Al-Rashid se levantou e caminhou até seu quarto. As luzes se acendiam automaticamente ao seu passar. No closet, retirou o terno e vestiu uma túnica escura, simples, confortável. Nenhum símbolo, nenhuma ostentação. Antes de se deitar, pegou o celular. Havia uma nova atualização da embaixada brasileira: “Intérprete confirmado. Chegará antes da sua chegada a São Paulo para integração com a equipe.” Zayn revirou os olhos e murmurou: — Que seja rápido, eficiente... e calado. Deixou o celular de lado, deitou-se e encarou o teto. Mas naquela noite, por mais que tentasse, o sono não vinha de imediato. Algo rondava sua mente. Um detalhe que não sabia nomear. Um pressentimento que se esgueirava pelas sombras do quarto silencioso. Algo estava por vir. E, embora não soubesse o quê, Zayn sorriu para o teto escuro. Porque ele gostava... quando o mundo tentava desafiá-lo.