Helena estava deitada, os olhos cobertos pelo braço, respirava suavemente. A porta do quarto se abriu e se fechou, quase não ouvia os passos de quem entrou. Ela se sentia segura naquele lugar, apesar de saber muito bem que estava no covil inimigo. — Rafa, acho que preciso dormir um pouco. - Helena anunciou, mantendo-se relaxada, como estava. A pessoa se aproximava, devagar. - Rafa?Ao tempo de abrir os olhos, um homem, parecido com Rafael, se atirou sobre ela, agarrando seu pescoço com ambas as mãos, grades, fortes. O mesmo olhar intenso, de âmbar, os dentes cerrados. Ela já o tinha visto antes, com Rafael. O homem parecia odiar Helena.Não havia tempo para pensar muito. Ela tinha os braços soltos, levou ambas as mãos ao rosto da figura odiosa, começando a pressionar seus olhos, com força. O homem a soltou, afastando as mãos dela em um único golpe, abrindo ambos os braços. Helena rolou para fora da cama, enrolando-se ao lençol, procurava sua arma, sem a encontrar. Em um rápido olhar,
— Ele está bem, só desacordado. - Algum tempo depois, Mendes o médico da família disse. - Ela precisa de muita hidração e repouso. Foi de raspão. Já suturei. Vai ficar bem. — Obrigado, Mendes. - Rafael agradeceu. Pegou Helena e saiu, sem dizer nada. Rafael tinha seus meios. Levou Helena a uma de suas casas de prostituição, era o melhor refúgio para o momento. Cuidariam bem dela ali, caso precisasse se ausentar. Lola, a gerente do lugar, recebia instruções, mesmo os irmãos não entravam naquele lugar sem um convite, nem se precisassem. Rafael tinha uma ligação diferente com aquele lugar desde na adolescência, quando o pai foi abatido e ele precisou de proteção. Foi ele quem resgatou a mãe e os irmãos. — Deixe eu entender, Rafa. - Lola acariciava Helena numa das camas profanas daquele lugar, reservado à eleita de Rafael, um generoso guardião daquele lugar, a quem ela apadrinhou ainda jovem. - Está me dizendo que essa menina linda é do tipo perigosa, de verdade, e o Gabriel atacou ela
Helena despertou, os calafrios do choque percorriam cada fibra de seu corpo. Sua abordagem falhou. Precisava se recompor, mesmo se sentindo mal, deixou o lugar com a pouca bagagem que tinha, passava, despercebida, pelos corredores, sem se interessar em saber onde estava. Era fácil sair de um lugar tão movimentado. Ela estava desorientada, sentia muita sede e percebia a dor lancinante na lateral do corpo. Tinha que aguentar. A culpa a corroía. Não queria pedir ajuda e nem se sentia à vontade, por mais que fosse necessário. Ela seguiu para o terminal rodoviário, iria sair, para qualquer lugar que tivesse partida imediata, depois resolveria, quando estivesse reorganizada. Ela se acomodou à poltrona do ônibus, sequer notava o destino que tinha embarcado. Em pouco tempo, dormia com o balanço do ônibus, estavam na rodovia. Agilidade costumava garantir anonimato. "Dói para me dizer que estou viva." Ela ponderou, mentalmente. "Ainda estou viva." Ela se ajeitava para que a dor não fosse tão cr
Dario trocou de veículo, um de seus homens trazia um modelo simples, frigorífico, de serviços, sem identificação, mas bem equipado, Helena era gentilmente acomodada, tremia, estava febril, mas dormia. Fora pela febre, todo o resto parecia bem. Ela estava aguentando. Horas até chegarem ao esconderijo no deserto, noite alta adentro. Dario mal acreditava na resistência dela. Ele a acomodou e voltou a Piedras Negras. Precisava se tornar irrastreável. Trocou o carro por uma caminhonete comum que mantinham e tudo o que precisavam. Helena acordou no refúgio que já conhecia, um senso de alívio se misturava à culpa por Rafael. "Então, eu gosto de bandido." Ela ironizava, mentalmente. Aquele sentimento, em relação à Rafael era persistente. Algo difícil de encarar. Cambaleante, ela foi para o banho, o corpo, suado, exigia alívio. Ela ligou a água, se sentou no chão e deixou o fluxo frio bater na pele da nuca e nas costas. Dario a havia recuperado. Por bem ou por mal, ele a protegia. Era grata po
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,
Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu
Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças. — Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer. — Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher. — Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze. — Não precisa falar
Um dia no trabalho e o relatório da ação indicava falha na ação. Em seu escritório recebia o comandante, com o braço que repousava, fora da tipóia, sobre a mesa.— Como está, Helena? - Renard perguntou, fechando a porta atrás de si. — Ah, Peter! Cara! Tive muita sorte. - Ela suspirou. - Fomos emboscados. Ou errei feio nos cálculos do planejamento ou vazou informação. De qualquer forma, a sindicância vai encontrar o problema e me cortar ou achar o boca aberta. Fiz o que pude para livrar a equipe. No time, só eu não tenho família. Sabe como é difícil dar notícia de "Morto em Ação" para quem sobrevive. — Helena, mesmo assim, deveria ser mais cautelosa com esses imprevistos. - Peter a repreendia, suave e amistosamente.— Vou tentar na próxima, Peter. - Ela respondeu, massageando os olhos sob as pálpebras. — Complicadas essas queimaduras nos olhos. Coçam um inferno. - Ele puxava conversa. — Começou aqui. No deserto, esse cara que me resgatou, tinha um colírio que foi excelente. - Ela r