— Sua resposta é: Depende, Carlos. - Helena respondia, suavemente. - E não se trata de ser infiel ou desleal. — E se trata do que, então? - Dario cria em retribuição. — Condições e concessões. — Ela ainda tinha a expressão leve. - Se eu concedo fé e lealdade, você as mantém com a condição de não machucar nem uma e nem outra. — Se eu as machucar? - Ele começava a entender o ponto de vista da mulher venerada. — Minhas cicatrizes, suas cicatrizes são exemplos práticos. - Ela baixou o olhar para as quatro mãos que se entrelaçavam. - Pode até cicatrizar e se fechar, se curar, mas cada história vai estar lá, como uma arma, pronta para disparar. Não dá para saber quantas cicatrizes algo suporta antes de não ter mais espaço para ter uma. — Entendo. Aplica a tudo? - Dario perguntou, curioso com o pensamento. — Não sei. Não testei tudo. - Helena tinha aquela paz no semblante que o alcançava. — Quero propor algo que penso há muito tempo. - Ele escolhia as palavras.— Sou sua. - Helena não
Assim que Helena abriu o vidro, escuro, do carro que conduzia para o rapazote que a abordou, a mera visão dos olhos fantasmagóricos da mulher, esculpida em mármore, de cabelos castanhos, o estremeceu. "A Rainha!" Pensou, se afastando, como quem via a própria morte diante dos olhos. Ela seguiu, com a expressão divertida no rosto e a certeza de que algo estava para além de muito fora do padrão. Andava pelas ruas dos bairros mais periféricos, onde a vida não era tão gentil, especialmente, com os mais jovens, cujos anseios eram muito maiores do que as possibilidades disponíveis. A proximidade de alguns metros com a fronteira do mundo de conto de fadas que, para eles, eram os Estados Unidos, gerava ansiedade e uma cobrança para assumirem posturas inconsistentes com as próprias realidades. Helena se divertia com aquilo, andando de carro pela cidade. Decidia parar em uma padaria, já na saída para a estrada que retornaria. Sua entrada parou o lugar. Era uma mulher de notória beleza e olhos
— O que está procurando, Helena? - A voz de Dario surgiu, austera, irritada. Helena enregelou-se, no lugar, parava as mãos imediatamente.— Seu nome é Carlos, não é? - Ela girou sobre o corpo, sem se levantar. Não havia documentos que pudessem identificá-lo, nada naquele lugar além de livros, joias e obras de arte. A voz dela parecia irritadiça, afoita.— Por quê a dúvida agora? - Ele retorquiu.— Quero respostas. Não perguntas. - Ela se levantou. A postura rígida, militar, se apresentava. Estava tensa. Algo, naquele passeio, havia dado muito errado.— Não. - Dario respondeu, secamente. Helena empalidecia diante dele. A raiva tomava conta dela. "Traições e mais traições. É assim que vai ser, então." O olhar dela se nublava em uma tempestade brutal. Dario deu um passo a frente.— Você é Mictlán? "O" Mictlán? - A voz dela ganhava vulto. Ela recuava.— É uma das formas que sou conhecido. - Ele avançou mais um passo, ela, recuou outro. Sentiu a mesa atrás do quadril. Em um ato de autodefe
Dario entrou no quarto dela. Helena ainda enredada e amarrada, a mão esquerda ferida, suja da terra seca que a cobria, como canela. Ele a deitou na cama, sem a libertar. Era aquela raiva, curtida por anos, que ele precisava, era aquele seu sinal. Ela não era indiferente. — Fala comigo e eu solto você. - Dario determinou, sentando-se longe dela, ainda, naquela delicada situação em que ela estava, ele não conseguia mais prever quem era sua Helena. Ela virou o rosto para o sentido contrário. Era um soldado, afinal, obviamente, resistiria. - Helena, deixa disso. Sei que eu poderia ter sido mais honesto, mas não conseguiria me aproximar. Levei muito tempo para perceber quem você era e, seja o que for que aconteceu quando saiu, se não tivesse saído, não teria descoberto.— Da mesma forma que não descobriria seu caso se não tivesse saído do trabalho antes. - Ela respondia. Dario sentia, nas palavras hostis, um lampejo de esperança. Ela ainda se ressentia, mesmo depois de tantos anos. — Eu
A manhã já ia alta quando Helena decidiu sair da cama, estava livre, inclusive, para decidir seu destino. Livre, como jamais esteve antes. Uma nova realidade se desenhava: não haviam expectativas sobre ela, nem cobranças, ou objetivos, não havia superiores e nem subordinados, não tinha filhos, nem responsabilidades financeiras ou pessoais, estava por si e apenas aquilo. Havia um imenso hiato, um vazio existencial de quem, simplesmente, existia e não existia e aquilo era assustador. As refeições não foram servidas, aquele dia, e nem ninguém entrou em seu quarto. Ela, também, não se sentia à vontade para pedir nada e nem dar ordens, não se sentia parte do contexto. Não era alguém, não tinha sequer sua existência documentada mais, era um fantasma, uma sombra de ninguém na escuridão. Um desespero, fluente e profundo, começava a inundar seu coração, exigente, pesado. Para si, era um absoluto desperdício de recursos. Ela havia se afastado de tudo, abandonado todos. Devagar, saiu da cama e
Dario se desesperava, Helena, ainda que armada, estava com uma barra de aço na mão, as sobrancelhas erguidas e parecia contar passos, com um dedo tambolirando, suavemente, o pé-de-cabra em sua mão. Ela maneou a cabeça. Dario contava, mentalmente: um, dois, três. Luiz, ao seu lado, via a mesma tela, descrente. Helena avançou, em um bote. Gregory, sem que houvesse tempo de reação, virou-se para o vulto em seu ponto cego, não teve tempo de se posicionar, sentiu a pesada barra de aço bater contra o braço, forçando-o a soltar o gatilho da arma, em uma dor intensa. Seu atacante havia lhe quebrado um braço. Ele se ajoelhava. — Técnica da Migra? - Dario se perguntava, vendo o absurdo. Helena sorria. Estava se divertindo, para o horror da equipe que pretendia resgatar aquela criatura que mostrava as presas. Helena chacoalhou a barra como um taco de baseball. Gregory percebia seu atacante. "Helena?" Ele arregalou os olhos quando o chute, na cabeça, o fez sentir a tontura. O ouvido zunia, s
Rhodes terminou a corda. Campbell protegia a retaguarda do homem. Abriram a porta e saíram para a varanda. Helena se aproveitava daquele nervosismo, tática, tranquila, de espírito sereno. "Morte ou Sorte? Quem estará de serviço hoje?" Ela sorriu, linda, feliz. Luiz e os outros dois sentiam as entranhas congelarem, especialmente, com o olhar apaixonado de Mictlán. A mulher era uma assassina robustamente treinada, impiedosa. Campbell sentiu o tiro na base do abdômen, ainda que sobrevivesse, tinha sido emasculado, ele caiu de joelhos no chão, com as mãos entre as pernas, a tontura vertiginosa, a dor que lhe cegava. Rhodes, rapidamente, jogou a corda pela sacada, atirando-se para fora, ouviu outros dois disparos. Campbell jazia no chão, um tiro na cabeça, outro, do lado direito do pescoço. O corpo se esvaziava. Sem qualquer honra, Helena cortou o nó do lençol, Rhodes bateu, pesadamente no chão, sentiu o peso da dor, se não estivesse quebrado, havia torcido o pé. Ele viu a garagem, carro
— Eu não preciso voltar, Helena. - Gregory respondeu. - Se você não vai voltar, eu fico. — Não faz isso com a gente, Gregory. - Helena advertia, apoiando o rosto sobre a mão, cobrindo os olhos fechados. - Escuta: Vou mandar você par SUA casa, com a SUA família. - Ela estava irredutível. - Se entrar no meu caminho, mais uma vez, eu vou forçar a Katrina a fazer o inventário para suas filhas. - Ela se levantou. Mesmo com aquelas roupas, era linda. Gregory resmungou e se lamentou. Rhodes despertou. Não quebrou ossos, mas estava bastante machucado. Ele via Helena olhar para Rhodes, séria, parecia bastante irritada. — Você, eu vou torturar se não cantar para mim, bebê. - Helena ameaçou o homem, que despertava em estado de alerta. - Que palhaçada foi essa, Jeferson? — Temos ordens do General. A elite é recrutada para desativar rotas sob o disfarce de missões, garantindo a hegemonia dos negócios para Della Rosa. - Ele resumida. — Há quanto tempo? - Ela pontuou. Gregory parecia confuso,