Escrever um livro é contar uma história. É construir um mundo paralelo onde você decide os rumos dos seus personagens. Há quem faça por prazer, há quem faça por dever, outros fazem apenas pelo controle. Mas enquanto desenham universos paralelos para um sem número de personagens, quem escreve a sua vida? Quem conta a sua história? O medo paralisa alguns, move outros, mas é consenso que ele está em todos. Em pouca ou muita medida, é certo. Mas ainda assim ele está lá. Dizem que ele é o instinto de todo ser humano e principalmente, dizem que ele nos mantém vivos. Bem, o medo de viver manteve Giovanna protegida das mais variadas emoções. Viver através do que criava era mais seguro do que se expor. Mas basta uma única mudança de planos, aquela decisão aparentemente inofensiva como ir ou não aquela festa, aceitar ou não determinado convite e PUFF!!! Adeus controle e bem vinda ao mundo real, onde o amor machuca, as pessoas morrem e/ou decepcionam e onde nem tudo depende de você. Você vai conhecer e se apaixonar por Giovanna e Matteo. Ele é um homem marcado pela morte. Ela é uma mulher marcada pelo medo de viver.
Leer másOlhar o ir e vir das pessoas sempre me inspirava. Fazia com que as ideias borbulhassem. Embora, em outro momento, o silêncio me ajudasse a aperfeiçoar essas ideias. Antes eu achava que aquela cena típica, onde um escritor se sentava em um café, era clichê demais. Estereotipada, eu diria. Hoje vejo que tudo é uma questão de adaptação e que algumas coisas podem não te servir hoje e serem imprescindíveis amanhã. Pois bem, agora aquele café estava incorporado a minha rotina. Todos os dias pela manhã eu me dirigia até ele e me sentava no mesmo local, de onde tinha uma visão privilegiada de todo o lugar, bem como da rua.
Eu gostava de imaginar o que cada uma dessas pessoas fazia ao longo do dia. Do que elas gostavam? Quem eram? Que tipo de vida elas levavam? Para quem era aquele copo extra de café com leite que a loira vestida com uma saia lápis e saltos de dez centímetros levava todos os dias? E o que aquela mulher com pinta de executiva viu naquele homem que se vestia e se comportava como um adolescente? E aquele homem elegantemente vestido em seus ternos caros? Seria um advogado? Ele era casado? Ele era feliz?
São tantas variáveis que giram em torno de uma única pessoa que eu posso compreender hoje quão fértil é esse campo. Quão férteis são as pessoas. Por isso era tão interessante observá-las.
Algumas vezes eu lhes atribuía nomes e era frustrante quando, por acaso, eu descobria seus nomes verdadeiros. Era angustiante ter que me adaptar a eles, por isso muitas vezes os ignorava e continuava chamando-os pelos nomes que lhes dei.
Outras vezes apenas refletia sobre seus comportamentos, e era intrigante.
Todas essas pessoas não tinham ideia de quem eu era. Isso era bom. Talvez algumas delas já tenham lido as minhas histórias ou mesmo trocado uma ideia comigo nas redes sociais, mas elas não tinham ideia de que aquela jovem mulher, que passava por aquelas portas todos os dias e pedia seu café puro com ovos mexidos, torradas e geleia, era ninguém menos que “Gi”, o pseudônimo que utilizava nas minhas obras.
Depois de anos sendo ninguém para a turma de populares da escola e de passar despercebida pela faculdade eu me acostumei a ser invisível. Dona de uma timidez nível 6 em uma escala de 1 a 5 eu rezava para não ser notada.
Escrever sempre foi uma paixão e eu realmente mostrava outro lado que a minha voz não era capaz de mostrar. Eu verdadeiramente me fazia compreender através da escrita, mesmo quando eu não estava sendo eu, mesmo quando era apenas um personagem falando, eu me fazia compreender através dele. Eu me sentia ouvida, porque eu falava de fato. Eu me comunicava.
- Gostaria de mais um pouco de café? - a garçonete ofereceu. Ela já me perguntou o que eu estava fazendo, certa vez. Eu lhe disse que corrigia trabalhos acadêmicos, escrevia alguns artigos para diversos sites e revisava textos de modo independente. Ela pareceu satisfeita com a resposta e nunca mais voltou a puxar conversa comigo, limitando-se a me oferecer um café ou alguma comida. Como se o que eu fizesse fosse sem graça demais para querer saber algo mais a respeito. Não que eu não gostasse disso. Como eu disse, o anonimato é bem vindo.
- Sim, por favor – aceitei. Ela caminhou até o balcão e voltou trazendo uma xícara grande de café fumegante. Enquanto ela se afastava, um alerta de e-mail surgiu no canto da minha tela. Geralmente eu era muito organizada com as minhas atividades. Eu tinha momentos pré-determinados para revisar os textos escritos e também para responder aos meus leitores nas redes sociais. Quando eu recebia um e-mail ou mensagem eu aguardava até que fosse o momento para responder, caso contrário, eu não conseguiria fazer as minhas outras atividades, pois recebia um sem número de mensagens ao longo do dia. Mensagens que eu tinha o prazer de responder, mas se eu parasse o que estava fazendo para responder cada vez que uma mensagem entrasse, eu não conseguiria concluir o meu trabalho. Então, como eu disse, eu tinha um momento do dia destinado exclusivamente para interagir com os meus leitores. Porém, eu já havia produzido bastante por hoje e estava ansiosa para bater um papo com eles. Além disso, em breve eu precisaria de uma pausa para revisar o texto do dia anterior.
O remetente era desconhecido, o que não me surpreendeu em nada, eu os recebia o tempo todo. Às vezes eram novos leitores, outras vezes eram apenas mensagens aleatórias da internet com correntes ou propagandas. Porém, foi o assunto do e-mail que me chamou a atenção:
IGNORE-ME
Eu era curiosa por natureza. Discreta, mas curiosa. Então, como toda boa curiosa, me apressei em abrir a mensagem e a cada palavra lida, meus olhos se arregalaram e eu fiquei ainda mais confusa. Dizia o texto:
"Você vai achar um absurdo que eu lhe escreva um e-mail e ao mesmo tempo peça para ignorá-lo. É contraditório, eu sei, mas estou a mais de dois anos fazendo essa merda que é falar comigo mesmo e definitivamente isso não tem dado certo. Talvez você se pergunte por que apenas não escrevi e depois deletei, ou enviei para mim mesmo, ou ainda salvei como um rascunho. Eu não tenho uma tese para isso. Talvez eu no fundo não queira ser ignorado. É só no que eu posso pensar no momento para justificar.
Você provavelmente deve estar se perguntando: por que você? Isso eu posso te responder. Eu escolhi você por que você a entendia. Então talvez eu possa conseguir entendê-la sob a sua ótica. Você sabe o que é ter alguém ao seu lado, alguém que você ama e, mesmo assim, não ser visto? Você deve sentir prazer em ter as respostas do mundo para os seus leitores. Eu queria ter esse prazer, mas não para pessoas estranhas e sim apenas para uma pessoa. Eu queria ter as respostas, eu queria ter o poder de mudar o mundo à minha volta. Você pensa que muda o mundo, mas não. Você muda o rumo de pessoas fictícias e ilude pessoas para que acreditem que tudo pode ser e elas te escutam.
Você falava com ela de um modo que eu não conseguia. Ela te ouvia. Não a mim. Antes eu não sabia. Não tinha ideia. Mas depois, quando já não adiantava eu percebi que ela prestava atenção em você e eu não conseguia entender por que. Então eu quis descobrir isso. Eu quero. Estou buscando as respostas. Dê-me"
Tão bruscamente como começou, terminou. Eu fiquei um longo tempo lendo, relendo e meditando sobre aquilo. Nada fazia sentido. O que aquela pessoa queria dizer? Não. Não pode ser. Isso é loucura. Provavelmente uma mensagem enviada para um destinatário errado - Só pode ser engano - Conclui.
Decidida a tomar isso como verdade, tomei meu café, agora morno, em um só gole, fechei meu notebook e saí do meu cantinho predileto. Hora de ir para casa. Era final de tarde e eu estava a algumas quadras de distância da minha casa. Eu caminhei pelas calçadas sem pressa, aproveitando a oportunidade de observar os transeuntes. Não havia muitos, porém. A maioria das pessoas devia estar trancada em algum escritório contando as horas para voltarem para as suas casas, para as suas famílias. Eu não morava com os meus pais por opção. Eu poderia ter alguém me esperando animadamente em casa agora, Mamma e Papà estariam mais do que felizes em me receber diariamente, mas sabe quando o seu relógio alarma com uma mensagem do tipo: “Ei, você cresceu, hora de alçar um voo solitário, mas que vai ter encher de experiências”. Bem, o saldo é que eu tinha adquirido experiência em como cuidar da minha própria casa, como administrar a minha vida profissional e as minhas finanças. Eu descobri que a vassoura não se materializa na sua sala, assim como o papel higiênico. Logo, você não pode ir ao supermercado e comprar apenas comida. Mas, no que diz respeito a relações sociais, eu ainda sou aquela mesma menina tímida que morava com os meus pais. Isso não mudou. Eu estava começando a perceber que isso não é algo que a mudança de endereço vai me dar, mas honestamente eu não tenho ideia de como ser de outro modo.
Bem, pelo menos, apesar de não morar mais com meus pais, nem ter um relacionamento amoroso, eu posso dizer que tenho uma companheira de quarto. Eu não posso dizer que a minha companheira de quarto me espera. Na verdade, eu acho que às vezes ela só torce para que eu saia de casa algumas noites. Não é que ela não goste de mim, felizmente nos damos bem, mas deve ser mesmo constrangedor emitir todos aqueles gemidos desesperados sabendo que a sua companheira de quarto Nerd e encalhada estava ouvindo. O que faltava em mim de confiança, sobrava em Penélope. Eu admirava a sua personalidade atrevida e determinada. Ela tinha simplesmente uma legião de admiradores. Do porteiro do nosso prédio aos seus colegas de trabalho ficavam estagnados quando ela estava por perto. Esse era o efeito Penny, eu costumava dizer.
Felizmente, hoje não havia sinal de gemidos quando eu entrei em nosso pequeno apartamento de dois quartos. Também, é muito cedo para isso, ela não deve chegar nas próximas duas horas.
Fui direto para o meu quarto. Eu sempre ficava tensa com as longas horas sentada diante do computador. Esse tempo todo era um bálsamo para a minha alma, mas resultava em uma tensão muscular que gritava por uma banheira cheia de água quente e uma taça de vinho e depois cama. A cama ficaria para mais tarde, pois hoje era o meu dia de preparar o jantar.
Bem, eu estava quebrada, mas iria juntar cada pequeno pedaço e ficaria forte para o meu filho – O carro está aí – ela anunciou. E pegou a minha bolsa que estava sobre a penteadeira e me entregou. Eu dei uma última olhada no meu reflexo no espelho e não me reconheci. Aquele rosto perfeitamente maquiado contrastava com a minha alma. Eu não escolhi nada, nem o vestido azul, nem sapatos prateados, nem o modo como meu cabelo estava arrumado em um penteado meio preso meio solto, nem a cor do lápis de delineava os meus olhos. Nada. Penélope, Lucy e Antonella juntas, que por sinal haviam se tornado boas amigas durante o período em que se revezavam para cuidar de mim, foram as únicas a escolher tudo. Quando Matteo deixou o seu quarto, no dia em que o mundo desabou sobre a minha cabeça, Tony o seguiu me deixando para trás com Penélope e Antonella. Eu não tinha energia para explicar tudo o que havia acontecido. Então, apenas peguei o novo livro que estava em cima da mesinha de cabeceira e mostr
Enquanto meus irmãos e Penélope saíram para cavalgar, meus pais levaram os meus futuros sogros para um passeio pela vinícola. Embora eu adorasse fazer isso, eu adorava ainda mais, ficar com Giovanna. Sobretudo quando ela não está falando comigo. Quando todos saíram, ela se levantou, mexeu na pilha de correspondência, pegou um embrulho e entrou na casa sem dizer uma palavra. Eu esperei alguns minutos para que ela se acalmasse e só então fui atrás dela.O embrulho estava sobre a mesinha lateral e ela estava deitada de lado olhando para ele.- Oi – eu comecei, por que não sabia como agir quando ela estava assim. em regra, ela era calma, doce, nãos e irritava com facilidade. Eu não estava habituado a lidar com Giovanna temperamental.- Oi – ela respondeu secamente.- O que é isso?- Apenas um livro.- Você não vai abrir.- Mais tarde.Eu caminhei até a cama e sentei-me na beira da cama – Posso ver?Ela hesitou um pouco e eu imaginei que ela deveria estar com muita raiva para não querer fa
Matteo - Bom dia, pessoal. – Um bom dia coletivo soou na varanda. Apesar de a festa ter ido até tarde a noite passada, a maioria dos nossos familiares acordaram cedo.- Querido, onde está Giovanna? – mamma quis saber.- ainda dormindo, mamma.- Eu também dormia bastante quando estava grávida – A mãe de Giovanna contou – e também enjoava bastante. Para mim foi a fase mais complicada – Então ela começou a contar um pouco sobre a sua própria gestação.Eu me sentei na outra extremidade da mesa, já que o meu pai sentou-se na outra ponta. O clima era bastante animado. O cheiro de café fresco impregnava o ar misturando-se ao dos ovos mexidos, suco de laranja e outras delícias. Havia chovido, o que podia ser perfeitamente comprovado pelo cheiro de terra molhada e pelas gotas de chuva que ainda caíam do beiral. Eu não podia deixar de pensar no tempo que eu não reparava nessas coisas. Durante anos eu apenas trabalhei e me lamentei. Eu só conseguia enxergar o quanto a minha vida era
- Qual o seu problema com Antony? – Perguntei a Penny dois dias depois. A festa estava sendo um sucesso. Havia em torno de duas centenas de convidados, sendo que pelo menos trinta deles estavam hospedados na propriedade. Isso sem contar os familiares de Matteo e meus. Felizmente a casa era imensa e havia um anexo apenas para os hóspedes. A nossa família estava hospedada no prédio principal e eu estava adorando toda aquela movimentação. Embora meus pés estivessem me matando e Matteo aproveitasse cada pequena oportunidade para me fazer sentar.- O problema – ela arqueou as sobrancelhas e deu um olhar mortal na direção dele – é que ele é um idiota.- Mas você era louca para pegar esse contrato.- Sim, por que era grande, desafiador, uma excelente experiência para a minha empresa que está apenas começando e precisava de um cliente de prestígio com a Mazza telecom. Além do mais, pagava bem e eu sabia que podia fazê-lo. Mas eu não tinha ideia do quanto era difícil trabalhar com esse... hom
Exausta nem chegava perto de definir como eu me sentia. Apesar de Matteo se desdobrar para me poupar de tanta atividade, era impossível com três grandes eventos acontecendo em menos de dois meses. Faltava apenas dois dias para a Festa da Uva, dali a mais quinze dias seria o lançamento do meu livro e quinze dias depois seria o meu casamento. Sendo que no que diz respeito ao meu livro, era um sofrimento completamente solitário. Pois eu, apesar de tentar, não encontrei uma maneira de falar pra ele uma coisa aparentemente tão simples. Na maioria das vezes eu pensava que estava exagerando, mas então eu relia cada conversa no chat do Facebook e me sentia uma mentirosa e manipuladora. Eu definitivamente não me orgulhava do que eu fiz. No instante em que eu percebi que Matteo e Teo Pain eram a mesma pessoa, deveria, por uma questão de fato, ter dito a ele toda a verdade. Agora, eu me sentia a pior pessoa do mundo. Não ajudou o fato de ele ter que viajar a negócios por
Giovanna Eu precisei de um esforço extra para me manter conectada à conversa à mesa de café-da-manhã. Minha cabeça ainda estava na conversa que eu tive com Matteo no escritório. Eu deveria ter contado tudo pra ele. A cada dia que passava ficava mais complicado falar a verdade e mais difícil seria ele me perdoar depois. Os clientes não estavam apenas de passagem, mas ficariam hospedados com as suas esposas por um par de dias no anexo da mansão que era utilizado para este fim. Com a ajuda de Guilhermina eu me desdobrei em atenção para com os convidados e organizei passeios e refeições.Felizmente Alícia se manteve distante, o que era um alívio pra mim. Mas de algum modo eu sabia que era uma questão de tempo até que ela me confrontasse. Ela não me parecia como alguém que aceita as coisas de bom grado. Eu ouvi boa parte da sua conversa com ele. Ela estava insinuando... Não. Ela disse com todas as letras que eu engravidei para segurar Matteo e que ele estava se casando comigo a
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