Capítulo dois

Treze anos atrás

Já quase aos seis anos de idade, eu sentei debaixo de uma goiabeira que tinha atrás da nossa casa, fiquei brincando ali a manhã inteira, até mamãe me chamar.

—Suzan minha filha, vem almoçar querida.

—Tá bom mãe, já vou.

Coloquei minha boneca sentada na cadeirinha de papelão que fiz para ela, e a adverti.

"—Bibi, você se comporta, e não sai da cadeirinha até eu voltar tá?"

Era assim que eu conversava com minha boneca, tratava como uma filha.

Eu adorava brincar lá, o chão de terra já estava liso de tanto eu brincar, eu não tinha irmãos nem amiguinha para brincar, mas eu tinha minha boneca cabeçuda, ela era meu xodó, ai de quem tocasse nela.

Meu pai tinha encontrado uma cabeça de boneca em algum lugar do trabalho dele, e minha mãe pegou vários panos velhos, enrolou e amarrou, agora essa é minha companhia desde então.

Sentei no banquinho perto do fogão, onde eu costumava ficar para comer.

—Primeiro vá lavar as mãos filha. —Mamãe falou antes que meu bumbum chegasse a encostar a madeira do banquinho.

Saí às pressas para lavar as mãos enquanto mamãe servia meu prato com arroz, feijão, e ovos caipiras, uma comidinha bem simples, pois não tínhamos muitas condições, mas era a comida mais gostosa da minha vida, mamãe fazia mágica na cozinha, um simples ovo, virava comida de rico.

Esse dia ela cozinhou os ovos, depois cortou em pedaços, fritou alho e cebola com sal e fez um molhinho, hummmmm.

Costumávamos sentar todos juntos para fazer as refeições e, enquanto eu lavava minhas mãos papai entrou, ele trabalhava em frente de casa, mexia com carros, não diria que era uma mecânica, mas, ele arrumava os carros do pessoal do bairro.

Mamãe e papai sentaram em um banco de madeira que o próprio papai tinha feito, e ficaram de frente comigo, enquanto comiam, me olhavam, e eu comecei a ficar vermelha e com medo.

"Será que fiz alguma arte e não estou sabendo? " Arregalei meus olhinhos assustada, não gostava de deixar meus pais bravos.

Mas antes que eu tirasse alguma conclusão, mamãe quebrou o silêncio.

—Suzan, você já está crescidinha, e nós temos que mandar você para escola, porque caso não vá, podemos perdê—la, mas você vai gostar, vai arrumar vários amiguinhos lá.

Papai e mamãe fizeram uma cara, como se eu não fosse gostar da ideia, ficaram tensos aguardando o que eu diria.

Dei um salto do banquinho e agarrei o pescoço deles gritando.

—Oba, oba, obrigado mamãe, estava contando nos dedos, queria muito fazer amiguinhas para brincar.

Na verdade, quem estava triste e preocupados eram eles, a única filha, não sabia como eu ficaria longe dos pais, e começaram a dar vários conselhos, coisa de pais mesmo.

O ano já estava quase no fim, mamãe já tinha feito minha matricula na escola mais próxima, que daria trinta minutos caminhando da minha casa até lá, mas eu fiquei exageradamente feliz, e perguntava todo dia para mamãe se eu já iria para escola e, sempre que eu perguntava, mamãe respondia e desviava o olhar, as vezes até cabisbaixa.

—Não fique assim mamãe, eu vou estudar e quando crescer vou ser doutora, e vou comprar uma casa linda para a senhora.

Olhei para o rosto de minha mãe sentada em volta da mesa, com os cotovelos apoiados e vi, uma lágrima muito discreta descendo através do seu braço.

—Mamãe, porque está chorando, eu te amo, e todo dia eu vou voltar pra casa para te beijar e abraçar muitão. —Eu dizia enquanto alisava o braço da minha mãe.

Ela se virou para mim, me olhou por um tempo, parecia até uma estátua.

—Estou chorando de felicidade filha, você é um tesouro em nossas vidas, agora vá brincar com a Bibi tá, mamãe vai dobrar roupas. —Ela fala se levantando da cadeira e indo em direção ao quarto.

No quarto tinha uma cama velha, que papai tinha soldado umas pernas de outra cor, pois a antiga tinha quebrado.

Num canto tinha uma cama de solteiro, sem cabeceira, meu pai também improvisou as madeiras, o colchão era usado que Dona Ana tinha dado.

Eu fiquei desconfiada e fingi que sai, mas voltei para olhar pela fresta da porta, mamãe se deitou na cama, pegou uma fralda velha e enxugava as lágrimas, ela chorava em silêncio, para que ninguém notasse.

Mamãe era uma guerreira, quando eu tinha três anos, ela teve um filho, que com um ano pegou uma doença, que na época não tinha cura, desde então, mamãe tem essas crises de choro, mas perto das pessoas ela sempre sorri e tenta transmitir muita alegria.

Mamãe era meu exemplo, eu a amava, e sempre tentava ajudar de alguma forma, mas, pequenina, mal conseguia falar alguma coisa útil.

O ano acabou, passamos o ano como sempre, sentados envolta da mesa, rezando e pedindo benção para os anjinhos natalinos, enquanto os fogos estouravam disparadamente no pequeno município de Forquilha.

Meus pais não iam, porque depois que meu irmãozinho Júlio morreu, mamãe nem foi mais na casa dos meus avós, ela não tem vontade de sair de casa para lugar nenhum.

O início do ano chegou cheio de novidades, papai juntou as moedinhas que seria para o frango assado da virada do ano, e comprou um par de sapato e um conjunto de roupas para eu ir para escola, uma blusinha, uma calça e um casaquinho.

Eu estava muito empolgada para ir para a escola, mamãe que ia me levar. No dia anterior eu nem dormi direito de tanta ansiedade.

Acordamos bem cedo, quando mamãe acordou eu já estava de pé, com a roupa e o sapato novo, já tinha escovado os dentes.

Mamãe me olhou, e pela primeira vez em muito tempo, alargou uma bela gargalhada, eu não sabia se ficava feliz por ela estar sorrindo, ou triste pela zombaria, cada vez que me olhava ela não se aguentava de rir.

—Que foi mãe? Já estou pronta para a escola. —Eu disse com um sorriso sem graça, pois, sabia que ela estava rindo de algo errado em mim.

—Filha, sua blusa está do avesso... seu tênis está ao contrário e.... —Cada frase que ela falava, ela não se aguentava, caia na risada. — Vem cá, a mãe vai te ajeitar para ir bem arrumadinha, é seu primeiro dia, quero que cause uma boa impressão, somos pobres, mas não desleixados né?

Minha mãe com toda agilidade e com as mãos cheias de carinho, revirou minha blusinha e ajeitou meu tênis, além disso, meu cabelo crespo estava todo arrepiado, mamãe penteou e, "fiquei linda. " Pelo menos estava me sentindo assim.

Enquanto eu comia a omelete de ovos caipira de café da manhã, minha mãe não tirava os olhos de mim, ela ficou com o olhar fixo durante algum tempo, parei de mastigar e olhei—a nos olhos, ela disfarçou e disse:

—Come filha, rápido para não se atrasar. —Mamãe falou e passou a mão nas minhas bochechinhas magrelas.

Comecei as aulas toda feliz, amei a professora Janice, era muito carinhosa, fiz amizades, e logo no início, já tinha as melhores amigas, a Carmem e a Dulce, eram quietinhas como eu, sentávamos sempre juntas, todo trabalho em grupo éramos nós três sempre.

Chegou o dia tão esperado pela mamãe, a reunião bimestral, ela queria saber se eu estava indo bem, esse dia não teria aula, então fomos juntas para escola, eu falava o caminho inteiro, parecia uma tagarela, mamãe sempre quieta, as vezes respondia com um "humhum".

Chegamos na escola primeiro que todas as mamães, minha mãe era muito tímida, já sentou nos bancos enfileirados no pátio e ficou só observando toda a escola.

—Mamãe! —Eu gritei eufórica.

Ela estava distraída e tomou um baita susto.

—O que foi menina, precisa me assustar desse jeito?

—Mamãe olha minha melhor amiguinha, a Carmen. —Apontei e já ia sair correndo para falar com ela, mas a Dona Débora me segurou pelo braço e me puxou para perto dela.

—Fique quieta aqui, tem muita gente, você pode se perder. —Ela dizia preocupada.

—Claro que não mãe, como vou me perder, conheço toda essa escola, deixa eu falar com a Carmen. — Eu, como toda criança, dei uma de sabidona, respondi.

—Filha, fique quieta, a reunião já vai começar. —Mamãe falou me puxando pelo braço, indo em direção a nossa sala de aula.

A professora Janice começou a reunião, falando de tudo que tinha feito, mostrou as notas de todos para cada mamãe.

No final da reunião, minha mãe ainda não estava satisfeita, ela esperou todo mundo sair e chamou a professora para conversar, se apresentou e já foi perguntando.

—Dona Janice, como minha filha está sendo na escola, ela dá muito trabalho?

A professora toda carinhosa, fez um breve discurso que parecia até ensaiado.

—Ohh, Dona Débora, quem dera se todas as alunas fossem como Suzana, ela é uma menina de ouro, e tem um grande caminho pela frente, eu prevejo sucesso dessa garota, ela é esperta, estudiosa, atenta e não se distrai nada, inclusive, ela ajuda os alunos que tem dificuldade.

Minha mãe nessa hora, abriu um sorriso tímido e orgulhoso, agradeceu a professora e pegou minha mão para sairmos da escola, só restavam nós.

Chegamos em casa e papai já estava na porta, esperando para saber as novidades, eu soltei da mão de mamãe e sai correndo me jogando nos braços dele.

Ele me abraçou carinhosamente e perguntou como foi na escola, como sempre fazia, eu disparei a falar tudo o que tinha acontecido, até que mamãe chegou para concluir o assunto.

Ela contou o que a professora falou, meu pai me jogou para cima de tanta felicidade, me apertando em seus braços.

—Ai... papai, sua barba está me arranhando. —Eu falei afastando o rosto do dele.

—Desculpa filha, papai está muito orgulhoso de você e muito feliz viu, continue assim, ah, hoje eu faço a barba está bem, não gosto de arranhar minha princesinha. —Ele falou me apertando outra vez, quase esmagando.

Desci do colo dele e fui trocar de roupa, estava doida para contar para Bibi tudo o que tinha acontecido.

Eu estava muito feliz, a escola ia bem, só me preocupava a minha mamãe, ela parecia estar triste, e ora ou outra, estava dentro do quarto chorando.

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