Gazela

Lily acordou se sentindo mal. Uma sensação de fraqueza e cansaço pairava sobre ela, como se algo estivesse errado com seu corpo. Preocupada com seu quadro de anemia, ela se arrumou para ir até o hospital.

Enquanto tomava café, ouviu passos na escada. Olhou de relance e viu Rafael se aproximando para se juntar a ela à mesa. Ficou por um momento atordoada — ele nunca estava em casa, muito menos tomava café da manhã com ela. Em silêncio, ele se sentou e cruzou os braços. Estava com a expressão de quem não havia dormido: cansado e mal-humorado.

— Não vai servir meu café? — disse ele.

Lily ficou em choque. “Está me pedindo café? E com essa cara de poucos amigos?” Sem pensar muito, serviu um pouco de café puro em uma xícara de cerâmica e entregou a ele.

— Só isso? E a comida? — continuou ele.

Lily ficou ainda mais surpresa. Como havia preparado o café apenas para si, só havia torradas e pão — o que Rafael odiava. Seu café da manhã costumava ser variado, com frutas, ovos mexidos ou alguma proteína.

— M-mas você não gosta de torradas ou pão… O que gostaria de comer? Posso preparar — disse, levantando-se da mesa. No entanto, como não estava se sentindo bem, sentou-se rapidamente, tentando disfarçar o enjoo e a palidez.

Rafael percebeu rapidamente que havia algo errado.

— Não precisa. Quero apenas uma fatia de pão com manteiga.

Lily ficou confusa. Por que ele aceitaria algo que normalmente rejeitava? Mesmo assim, preparou a fatia e entregou. Rafael comeu tudo como se estivesse faminto e bebeu o café rapidamente. Lily ficou pensativa com aquela fome repentina e se perguntou se ele não havia se queimado com o café quente.

De repente, seu celular vibrou. Era uma mensagem de Liza, sua secretária:
"Bom dia, Sra. Lily! Gostaria de lembrá-la que hoje temos uma reunião com a administração do shopping. Está marcada para as 14h. Deseja que eu adiante seu almoço?"

Lily pensou por um instante. Olhou de relance e viu Rafael a observando com um brilho estranho nos olhos. Sem entender o porquê daquele olhar, respondeu:
"Sim, adiante para 12h."

Ela se levantou da mesa, ainda se sentindo fraca, pegou sua bolsa e foi em direção à garagem. Quando se aproximava do carro, sentiu seu braço ser puxado. Era Rafael.

— Eu te dou uma carona até a empresa — disse ele, com um tom despojado.

— Não precisa. Tenho que passar em um lugar antes.

— Você não tem horário para chegar ao trabalho? Que tipo de chefe é você que não dá exemplo aos funcionários? Deve ser por isso que sua loja está péssima.

Ao ouvir aquilo, o sangue de Lily ferveu. Não podia acreditar no que estava ouvindo — ela, que sempre se esforçava tanto para administrar sua boutique da melhor forma.

— Obrigada Rafael, mas eu tenho um carro e posso ir sozinha ao trabalho — disse ela, cerrando os punhos.

Tentou caminhar, mas foi novamente impedida pela mão de Rafael. Desta vez, ele segurou seu pulso. Um choque percorreu seu corpo, causando arrepios. Por que aquilo parecia tão bom?

— Já disse que vou te dar uma carona. Entra no carro ou eu mesma te coloco lá. E você não vai querer isso… Vai, querida esposa? — disse ele, com desdém.

Lily, já de saco cheio, percebeu que não conseguiria passar no hospital e se resignou a aceitar a carona.

O caminho até o shopping foi silencioso — quase angustiante. Se não estivesse se sentindo mal, teria considerado aquilo uma experiência pior. Mas, por querer silêncio, agradeceu por Rafael não puxar assunto nem provocar uma discussão.

Quando Rafael estacionava o carro:

— Não quero mais te ouvir chorando à noite. Você não deixou ninguém dormir. Saiba que essas lágrimas de crocodilo não me afetam.

Lily sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. Como ele podia achar que ela chorava de propósito?

— Eu não chorei de propósito, se é isso que está insinuando. Não tive a intenção de te atrapalhar, tá legal? Se não queria ouvir, por que não foi para outro quarto?

— Não adiantaria. Você parece uma gazela chorando. Por mais que a mansão seja grande, não dá pra não ouvir uma taquara rachada a noite inteira, né?

O sangue de Lily ferveu. Teve que se segurar para não dar um tapa na cara dele.

— Ótimo. Hoje mesmo vou comprar um tampão de ouvidos pra você, tá bom, grande rei que não pode ser incomodado?

— Ótimo. Compre dos maiores, tá? E pode comprar dois, porque um só não vai dar pra aguentar sua voz de taquara rachada.

Lily apertou com tanta força a maçaneta da porta do carro que seus dedos ficaram brancos. Se ele a chamasse de “taquara rachada” mais uma vez, ela perderia o controle.

— Ah, e a propósito — disse ele com um olhar de desdém —, a casa é minha. Então quem tem que me respeitar e me deixar dormir é você.

Depois disso, saiu rindo e bateu a porta do carro. Lily saiu em seguida, com passos apressados, tentando alcançá-lo para xingá-lo, mas não conseguiu. Seus passos eram curtos e ela era bem menor que ele.

Ao entrar no elevador, notou que seu rosto estava quase da cor do cabelo: vermelho de raiva. Sentia-se atônita com tudo o que acabara de acontecer. O ódio percorria seu corpo. "O dia já começou bem…", pensou ela.

Ao sair do elevador, olhou de relance e viu, a umas cinco lojas da sua, uma figura alta, vestida de verde, com sapatos pretos e cabelos loiros, segurando uma prancheta ao lado de uma mulher baixa e gorducha, vestida com terno.

Seus olhos escureceram. Lily já sabia: aquilo não era bom.

Não podia ser outra pessoa… Catarina.

E de Catarina, ela sabia: nada de bom vinha.

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