Lily ficou atordoada. Será que, finalmente, o universo estava jogando a seu favor? Correu para terminar os preparativos, arrumou a mesa da melhor maneira possível e sentou-se para esperá-lo.
O jantar correu, em sua maior parte, em silêncio. Um silêncio estranho, que fazia o coração de Lily palpitar. Será que ele havia se lembrado de que ela era sua esposa?
Quase ao fim da sobremesa, ele disse:
— Você vai sempre àquele restaurante?
A pergunta, fria como gelo, fez Lily estremecer. Não sabia o que responder. Não entendia o motivo daquela pergunta. Estaria bravo com o que aconteceu mais cedo? Provavelmente. Afinal, haviam irritado a doce Catarina.
— Não sempre. Apenas quando sou convidada. Felizmente, Ana é uma das poucas pessoas que me convidam.
Ao ouvir isso, Rafael lançou-lhe um olhar gélido. Algo estava claramente errado.
— Entendo. Dei uma olhada na sua empresa hoje. Parece que seu desempenho não anda nada bem, não é mesmo?
Lily congelou. O coração quase saltando pela boca.
— Como assim meu desempenho não anda bem? Meus resultados triplicaram neste trimestre!
— Para mim, não é o suficiente. Você sabe que no meu shopping, um resultado de 400 milhões não é bom. Sua loja está em um dos melhores shoppings do país. O mínimo que aceito é o triplo disso.
Lily ficou em choque. Não fazia ideia de que outras lojas faturavam tanto mais que a dela. Sempre pensou que sua boutique fosse uma das mais promissoras do shopping.
— Eu sinto muito. Tentarei melhorar no próximo trimestre. Eu... eu pensei que o valor estava ótimo, analisei os relatórios hoje pela manhã — disse, quase engasgando com a sobremesa.
— E por que você acha que eu deveria manter sua loja no meu shopping no próximo trimestre? Se os resultados não estão à altura, o mínimo que devo fazer é encerrar seu contrato.
A colher caiu da mão de Lily, o som metálico ecoando no ambiente. Ela não podia acreditar — ele estava querendo expulsá-la do shopping? Para onde iria sua loja? Como conseguiria outro espaço em tão pouco tempo?
— M-mas... você nunca falou sobre isso! Sempre achei que os resultados estavam bons. Triplicaram, inclusive! Por que agora está falando em me tirar do shopping? Onde vou conseguir outro espaço tão rápido para a boutique? E os funcionários? E tudo?
— Pois é. Onde você conseguiria, não é? É exatamente por isso que você me deve tanto. Acha que teria crescido como estilista se não fosse o fato de sua boutique estar no meu shopping? Só por isso você é reconhecida. Espera que eu tenha pena de alguém que me tratou como você me tratou hoje? Depois do escândalo que causou no restaurante? Ainda quer humilhar a mim e à Catarina?
Lily não podia acreditar. Então tudo se resumia, mais uma vez, à preciosa Catarina. Riu com desdém e lhe lançou um olhar amargo.
— Ah... então finalmente chegamos onde queríamos. É sobre a sua doce Catarina, não é? Ela sempre foi a sua prioridade, não é?
— Do que você está falando? Você humilha a mim e à Catarina no restaurante, pede para sua amiga jogar vinho nela, e agora vem falar com desdém?
Lily ficou atônita. Ele realmente acreditava que ela havia pedido aquilo?
— SIM! — gritou ela — EU ESTOU FALANDO DA SUA AMANTE! Porque é isso que ela é, não é? Sua amante!
Rafael não acreditava no que ouvia. Sua esposa... gritando com ele? Ela nunca havia feito isso.
— Ah, vai negar agora, querido esposo? Vai negar que ela é sua amante? Você nunca conversa comigo. Nunca sequer se dá ao trabalho de jantar em casa, enquanto eu faço a comida todos os dias. Nunca agradece quando escolho sua roupa com cuidado para ir trabalhar. Quando está doente, quem cuida de você? Quem faz surpresas, quem se importa? Eu! Sou eu quem cuida, quem lava, passa e cozinha! E agora você vem dizer que está se sentindo mal pelo que aconteceu com a Catarina no restaurante?
— E quanto a mim, Rafael? Quanto às vezes que eu me sinto mal vendo as fotos de vocês dois nas mídias? Aos comentários que escuto das pessoas chamando vocês de casal do ano? Como você acha que eu me sinto vendo vocês juntos, como se fossem um casal, quando eu sou sua esposa, Rafael?! Eu! Estou tão cansada disso...
Lily chorava desesperadamente, sentia que ia desmaiar a qualquer momento.
— Do que você está reclamando? Você nunca se opôs ao casamento. Ficava contando os dias até a cerimônia! Acha que eu não percebia? Que eu não via como você me olhava, mesmo sabendo que sempre amei a Catarina e ela a mim?
— E quanto as coisas que você faz por ''mim''. Eu nunca te pedi nada disso, a casa é cheia de empregados, você faz por que você quer.
Lily sentiu o chão sumir sob seus pés. Seu sangue fervia. Mil pensamentos giravam em sua cabeça. Então... ele achava que a culpa de tudo era dela?
É verdade que Lily amava Rafael desde os 14 anos. Mas nunca pensou em roubá-lo de Catarina. Só soube do acordo de casamento aos 19, quando seu tio explicou que o casamento havia sido combinado entre as famílias, desde antes do nascimento deles. Tentou manter-se positiva, mesmo sabendo que Rafael não a amava. Casar-se com ele parecia a realização de um sonho — ele era bonito, inteligente, honrado. Desde que o conheceu, sentiu um vínculo inexplicável. Como se ele fosse o seu destino.
Mas a realidade bateu à porta cedo demais.
Rafael nunca quis aquele casamento. Queria Catarina. Pensou em fugir com ela. Em incendiar a igreja. Fez de tudo para que a cerimônia não acontecesse. Sabia que, ao dizer "Aceito", sua vida mudaria para sempre.
Lily não aguentava mais ouvir os insultos de Rafael. Subiu, se arrastando pelas escadas, para ir ao seu quarto. A única coisa que queria era poder esquecer aquela noite, esquecer dos seus problemas, do seu casamento.
Ao deitar-se na cama, escutou Rafael bater a porta do quarto. Foi então que finalmente desabou. Seu choro ecoou pelo ambiente enquanto colocava seus sentimentos para fora.
Sem mais nem menos, passou a noite pensando em como sair daquela situação. Ela não queria mais viver com angústia e sofrimento. Pensou em como sua vida teria sido se seus pais não tivessem partido.
Lembrou-se do dia em que recebeu a notícia de que eles haviam morrido em um acidente de carro. A empregada que Lily chamava de tia Sara a abraçou e, com lágrimas nos olhos, contou que seus pais não voltariam mais. Lily tinha apenas cinco anos. Não entendeu o que estava acontecendo, mas sabia que algo ruim havia acontecido.
Não compreendia por que teve que se vestir de preto no funeral, muito menos por que, de repente, precisou ir morar com os tios e com sua prima, Catarina. Também não entendeu por que passou a ser maltratada, mesmo sem ter feito nada de errado.
Sua única sorte foi que tia Sara foi com ela para a casa dos tios. Além de empregada, era sua babá. Os tios permitiram que ela cuidasse de Lily, alegando que a menina não deveria causar nenhuma dor de cabeça — ou então, Sara seria demitida.
Lily, que não queria ficar longe de Sara, tentou ao máximo ser uma criança bondosa e não causar problemas.
Seu único problema era a prima Catarina, que sempre teve inveja dela — inveja dos cabelos, dos olhos, da forma delicada de agir e andar, mas, principalmente, sentia ódio do modo como Lily sempre se destacava.
As duas estudaram no mesmo colégio a vida toda, e Catarina não suportava ver Lily sendo a melhor da escola, tirando as melhores notas, fazendo os melhores trabalhos e tendo os melhores amigos.
Para Catarina, sua única vantagem era o amor de Rafael. Com ele ao seu lado, acreditava que poderia conquistar tudo o que desejasse: poder, riqueza e status. Sua maior ambição era ser amada por ele — porque, para ela, isso significava ter o mundo aos seus pés.
Mas tudo desmoronou no dia em que descobriu que Rafael iria se casar com Lily. Naquele momento, sentiu como se tivessem arrancado dela o futuro que tanto almejava.
No escuro do quarto, com o choro ainda ecoando em seus ouvidos, uma decisão começou a se formar dentro de Lily, uma decisão que poderia mudar tudo. Mas, no fundo, uma dúvida cruel a consumia: Rafael perceberia, antes que fosse tarde demais, o que estava prestes a perder?