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Capítulo 3: Estrada Para Campinas

Sofia passou a noite em claro outra vez, mas dessa vez não era só tristeza. Era expectativa. Lucas havia mandado mais mensagens depois da primeira: fotos de satélite da Fazenda Boa Vista (um complexo enorme, com heliponto, capela particular e lago artificial), o nome do chefe de segurança (um ex-policial chamado Marcos) e até uma matéria antiga de revista que mostrava o pai de Isabella posando com políticos e empresários poderosos. “Os Monteiro não são só ricos”, escreveu Lucas. “São intocáveis.”

Às oito da manhã de sexta-feira — véspera do casamento —, Sofia já estava pronta. Vestiu um vestido leve floral, sandálias baixas e óculos escuros grandes, para disfarçar as olheiras. Deixou um bilhete para Helena na mesa da cozinha: “Vou resolver umas coisas na faculdade. Volto à noite. Te amo.” Não queria explicar ainda. A mãe já estava frágil demais.

Lucas a esperava em frente ao prédio dela, encostado em um Fiat Toro preto um pouco surrado, mas limpo. Ele usava camiseta cinza, jeans e a mesma jaqueta de couro. Quando a viu, abriu um sorriso que fez o estômago dela dar um pequeno salto.

— Bom dia, detetive. Pronta pra invasão?

— Mais ou menos — respondeu ela, entrando no carro. O cheiro era de café fresco e um leve aroma de cigarro, embora o cinzeiro estivesse vazio. — Obrigada por vir comigo. Sério.

— Não precisa agradecer. Eu vivo disso: correr atrás de histórias. E essa tá cheirando a furo de reportagem.

Partiram pela Rodovia dos Bandeirantes num dia claro, o trânsito fluindo bem para os padrões paulistanos. Lucas dirigia com uma mão no volante, a outra tamborilando no câmbio ao som de uma playlist indie — O Terno, Tim Bernardes, coisas que Sofia também curtia. Conversaram sobre tudo e nada: a faculdade dela, as matérias que ele mais gostava de investigar (corrupção e vícios), o bairro onde ele crescia na Zona Leste, tão diferente do Jardim Europa.

— Você já entrou num cassino clandestino? — perguntou ela de repente.

— Já. Mais de uma vez. É um mundo paralelo, Sofia. Homens que têm tudo e apostam tudo. Mulheres que acompanham pra fingir que tá tudo bem. E agiotas esperando no canto, sorrindo.

— Meu pai... ele tá afundado nisso há anos.

Lucas olhou para ela de lado.

— E o Rafael? Você acha que ele casou pra tentar salvar o pai?

— Não sei. Mas o bilhete que ele deixou... parecia que ele tava se despedindo. Como se soubesse que não ia voltar tão cedo.

Chegaram em Campinas por volta do meio-dia. A Fazenda Boa Vista ficava a vinte minutos do centro, numa estrada particular ladeada por eucaliptos altos. O portão principal era imponente: ferro preto com o brasão da família Monteiro — um cavalo rampante dourado. Dois seguranças uniformizados pararam o carro.

— Convite, por favor — pediu o mais alto, olhando o documento de Lucas com desconfiança.

Lucas entregou um papel impresso que Sofia nem sabia que ele tinha.

— Somos da equipe de decoração floral. Atrasamos um pouco por causa do trânsito.

O segurança conferiu uma lista no tablet, franziu a testa, mas acabou abrindo o portão.

— Estacionem na área de fornecedores. Não circulem pela área dos convidados.

Dentro, a fazenda era ainda mais impressionante do que nas fotos: gramados perfeitos, piscina olímpica, estábulo com cavalos puro-sangue. Havia tendas brancas sendo montadas para o casamento, flores sendo descarregadas de caminhões refrigerados, funcionários correndo de um lado para o outro.

Sofia sentiu o coração disparar. Rafael estava ali, em algum lugar.

— Vamos nos separar — sussurrou Lucas enquanto estacionava disfarçadamente perto de uma área de serviço. — Eu finjo que entrevisto um funcionário. Você tenta achar a casa principal.

Ela assentiu, saindo do carro com as pernas trêmulas. Caminhou como se soubesse para onde ia, passando por empregadas que arrumavam mesas. Virou uma esquina e viu: a casa principal, uma construção colonial enorme com varanda circular. Na porta, Isabella.

Vestida de branco impecável — não o vestido de noiva, mas um conjunto chique —, falando ao telefone com voz baixa e firme.

— ...sim, o celebrante chega às quatro. E os seguranças extras na entrada sul, por favor. Não quero nenhum jornalista aqui.

Sofia se escondeu atrás de uma pilastra. Isabella desligou, entrou na casa. Segundos depois, outra pessoa saiu pela porta lateral: Rafael.

Ele estava mais magro, barba por fazer, olhos fundos. Vestia uma camisa social azul aberta no colarinho, como se tivesse acabado de acordar. Parou na varanda, acendeu um cigarro — coisa que Sofia nunca o vira fazer — e olhou para o horizonte.

Sofia não aguentou. Saiu do esconderijo e correu até ele.

— Rafa!

Ele virou devagar, como se não acreditasse. O cigarro caiu da mão.

— Sofia... o que você tá fazendo aqui?

Ela parou a poucos metros, lágrimas já escorrendo.

— O que eu tô fazendo aqui? E você? Sumiu, pediu demissão, vai se casar amanhã e me manda um bilhete frio? Somos irmãos, Rafa! Eu mereço uma explicação!

Rafael olhou ao redor, nervoso, como se temesse ser visto.

— Não aqui. Vem.

Ele a puxou para trás da casa, num jardim lateral mais reservado, perto de uma fonte. Sentaram num banco de pedra.

— Mana... eu não queria que você viesse.

— Por quê? Porque você tá fugindo da gente? Do papai, das dívidas?

Ele baixou a cabeça.

— Não é só isso. É pior. O pai deve mais de dois milhões. Dois milhões, Sofia. Agiotas de verdade. Aqueles que não mandam cobrança por carta. Eles apareceram no apartamento dele semana passada. Ameaçaram a mamãe. Ameaçaram você.

Sofia sentiu o sangue gelar.

— E você... casou com a Isabella pra pagar isso?

— Não exatamente. O pai da Isabella soube das dívidas. Ofereceu quitar tudo. Em troca... eu entro na empresa da família. Mudo pra cá. E fico longe do “mau exemplo” do meu pai. Foi o jeito que encontrei de proteger vocês.

— Mas você podia ter me contado! A gente podia ter procurado ajuda, polícia...

Rafael riu amargo.

— Polícia? Contra gente como os Monteiro e os agiotas que o pai deve? Não, mana. Era isso ou ver a família destruída. Pelo menos assim a mamãe fica segura. Você fica segura.

Sofia segurou o rosto dele com as duas mãos.

— E você? Você fica feliz assim? Preso num casamento que é um negócio?

Ele desviou o olhar.

— Eu gosto da Bella. De verdade. Só... não era pra ser assim. Não tão rápido, não desse jeito.

Nesse momento, passos se aproximaram. Isabella apareceu no caminho de cascalho, o rosto endurecido.

— Rafael? Quem é essa?

Rafael se levantou rápido.

— Bella, é a minha irmã. Sofia.

Isabella olhou para Sofia de cima a baixo, o sorriso educado não chegando aos olhos.

— Ah, a famosa Sofia. Que surpresa. Você veio para o casamento? Não recebemos confirmação de presença.

— Eu vim falar com meu irmão — respondeu Sofia, firme.

— Entendo. Mas amanhã é um dia importante. Talvez seja melhor você voltar para São Paulo. Rafael precisa descansar.

Rafael abriu a boca para falar, mas Isabella o cortou com um olhar. Ele ficou em silêncio.

Sofia sentiu a raiva subir.

— Eu volto amanhã. Pro casamento. E vou estar lá, quer você goste ou não.

Virou-se e saiu, o coração batendo forte. Encontrou Lucas perto do carro, fingindo fotografar flores.

— E aí? — perguntou ele, baixinho.

— Encontrei ele. E descobri tudo. Ele tá fazendo isso pra nos proteger das dívidas do pai.

Lucas assoviou.

— Sacrifício clássico. Mas tem mais coisa aí. Enquanto você tava com ele, ouvi dois seguranças falando. Parece que tem um “encontro de negócios” hoje à noite na fazenda. Gente importante chegando de helicóptero.

— Que tipo de negócios?

— Não sei ainda. Mas se envolve o pai da Isabella e agiotas... pode ser a troca final do acordo.

Sofia olhou para a casa ao longe.

— Eu não vou embora hoje. Quero ficar e ver o que acontece.

Lucas sorriu, admirado.

— Então a gente fica. Tem um hotelzinho discreto na estrada. Vamos nos hospedar como “casal em passeio romântico”. Ninguém vai desconfiar.

Ela corou levemente, mas assentiu.

Enquanto dirigiam para fora da fazenda, Sofia olhou pelo retrovisor. Rafael ainda estava no jardim, olhando na direção dela, o rosto cheio de arrependimento.

Amanhã seria o casamento.

Mas a noite ainda guardava segredos.

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