O silêncio no escritório era denso, carregado de uma formalidade fria que Mary nunca havia experimentado. Ethan Carter a observava com uma intensidade que a fazia se sentir dissecada sob um microscópio. Ela tentou manter a compostura, endireitando a postura na cadeira de couro que parecia engoli-la.
"Espero que sua acomodação esteja a seu contento, Srta. Oliveira," ele disse, a voz plana e desprovida de qualquer calor.
"Sim, Sr. Carter. É... muito confortável," Mary respondeu, evitando o contato visual direto. A verdade era que o quarto era opulento além de seus sonhos mais selvagens, mas também terrivelmente impessoal, como um quarto de hotel de luxo onde ninguém realmente vive.
"Ótimo." Ele juntou as mãos sobre a mesa, os dedos longos e elegantes entrelaçados. "Como sabe, este é um acordo estritamente profissional. Esperamos discrição e profissionalismo de ambas as partes."
"Entendo perfeitamente, Sr. Carter," Mary afirmou, tentando transmitir a seriedade que sentia. Ela sabia que este casamento era uma farsa, uma encenação para o mundo exterior. Seu papel era ser a esposa troféu, a figura elegante ao lado do bilionário recluso.
"Haverá eventos sociais, jantares de negócios... ocasiões em que sua presença ao meu lado será necessária. A Sra. Davies a informará sobre sua agenda e providenciará o que for preciso em termos de vestuário e acompanhamento."
Mary assentiu, absorvendo as informações. Ela imaginava os flashes dos paparazzi, os olhares curiosos, as perguntas indiscretas. A ideia a deixava desconfortável, mas ela sabia que fazia parte do acordo.
"Sua discrição é fundamental, Srta. Oliveira. Minha vida pessoal é... privada. Não tolerarei qualquer indiscrição ou especulação." O tom de Ethan era firme, quase um aviso.
"Pode ter certeza, Sr. Carter. Sou discreta," Mary garantiu, sentindo um leve ressentimento pela implicação de que ela poderia ser de outra forma.
"Excelente." Ele pegou uma pasta sobre a mesa e abriu-a. "Aqui estão alguns detalhes sobre sua história... seu passado. Para evitar inconsistências, é importante que estejamos alinhados."
Mary franziu a testa, confusa. "Minha história?"
"Sim. Onde se conheceram, como se apaixonaram... os detalhes triviais que a imprensa e a sociedade esperam. Preparei um esboço. Leia com atenção e familiarize-se com ele."
Ele lhe entregou algumas folhas datilografadas. Mary pegou-as, o papel frio em suas mãos. Seus olhos percorreram o texto, uma narrativa fabricada de um encontro casual em uma galeria de arte, um romance florescendo em meio a jantares românticos e viagens exóticas. Era uma fantasia elaborada, tão distante da sua realidade quanto a mansão em que agora se encontrava.
"Isso..." Mary começou, sentindo um nó na garganta. "Isso não é verdade."
"Eu sei," Ethan respondeu, sem qualquer emoção. "Mas é a narrativa que apresentaremos ao mundo. Quanto mais convincente formos, mais fácil será para ambos."
Mary engoliu em seco. Ela teria que fingir, mentir sobre sua própria vida, sobre como "conheceu" e "se apaixonou" por este homem frio e distante. A ideia a repugnava, mas ela sabia que não tinha escolha.
"Entendo," ela murmurou, a voz baixa.
"Haverá também um acordo pré-nupcial," Ethan continuou, pegando outro documento. "Já foi elaborado por meus advogados. Recomendo que o revise com seu próprio advogado, embora os termos sejam bastante claros."
Mary pegou o documento, o coração afundando. Um acordo pré-nupcial. Era mais uma prova de que este casamento não era sobre amor, mas sobre proteção de bens. Ela não o culpava, dada a sua fortuna, mas a formalidade fria de tudo aquilo a fazia se sentir ainda mais como uma mercadoria.
"Eu irei," ela respondeu, embora não tivesse ideia de como contrataria um advogado.
"Ótimo." Ethan se levantou. "Acredito que isso seja tudo por enquanto, Srta. Oliveira. Sra. Davies a informará sobre seus compromissos futuros."
O encontro foi breve, direto e incrivelmente impessoal. Mary se levantou, sentindo-se tonta e desorientada. Ela seguiu Sra. Davies para fora do escritório, o contrato e o acordo pré-nupcial apertados em suas mãos.
Nos dias que se seguiram, Mary tentou se adaptar à sua nova vida. A mansão era um labirinto de corredores silenciosos e salas opulentas. Ela passava a maior parte do tempo sozinha, explorando os jardins vastos e bem cuidados, sentindo-se uma prisioneira em uma gaiola dourada.
Sra. Davies era eficiente e impecável em suas funções, mas mantinha uma distância profissional intransponível. As outras empregadas eram igualmente reservadas, seus olhares carregados de uma curiosidade silenciosa. Mary sentia falta da atmosfera acolhedora e familiar de sua floricultura, das conversas com os clientes, do cheiro doce das flores.
Ethan Carter era uma figura fantasmagórica. Ela o via ocasionalmente durante o jantar, refeições silenciosas e formais onde mal trocavam palavras. Ele parecia absorto em seus próprios pensamentos, o rosto muitas vezes sombreado por uma melancolia distante. Mary percebia a vulnerabilidade por trás de sua fachada fria, mas não se atrevia a quebrá-la.
Um dia, Sra. Davies a informou que haveria um jantar de gala beneficente naquela noite, e que sua presença era esperada. O pânico tomou conta de Mary. Ela nunca havia participado de um evento tão sofisticado. A ideia de se misturar com a elite da cidade, fingindo ser a esposa apaixonada de Ethan Carter, era aterrorizante.
Sra. Davies providenciou um vestido elegante, um modelo longo de seda azul que realçava seus olhos. Maquiadores e cabeleireiros vieram à mansão para prepará-la. Mary se olhou no espelho, mal se reconhecendo na mulher sofisticada que via refletida. Era como se estivesse vestindo uma fantasia, interpretando um papel que não lhe pertencia.
Quando Ethan a encontrou na sala de estar antes de partirem, ele a observou com uma expressão indecifrável. Pela primeira vez, seus olhos pareceram deter-se nela por mais tempo, analisando-a de cima a baixo.
"Está... elegante, Srta. Oliveira," ele disse, a voz ligeiramente diferente do habitual.
"Obrigada, Sr. Carter," Mary respondeu, sentindo as bochechas corarem.
No carro, o silêncio era ainda mais opressor do que na mansão. Mary sentia o olhar de Ethan ocasionalmente sobre ela, mas ele não dizia nada. Ela se perguntava o que se passava em sua mente, que segredos se escondiam por trás de sua máscara de frieza.
O evento era um turbilhão de luzes, música suave e conversas animadas. Mary se sentiu deslocada e intimidada no meio da multidão de rostos conhecidos e vestidos deslumbrantes. Ela se agarrou ao braço de Ethan enquanto ele a conduzia pela sala, sorrindo e acenando para os convidados.
Ethan era um anfitrião impecável, charmoso e envolvente quando necessário. Ele a apresentava como sua esposa, e Mary forçava sorrisos e trocava cumprimentos educados, seguindo o roteiro da narrativa fabricada. Era exaustivo manter a fachada, fingir uma intimidade que não existia.
Em um momento da noite, enquanto Ethan conversava com um grupo de empresários, Mary se afastou para um canto mais tranquilo. Ela observava as pessoas ao seu redor, as risadas fáceis, os abraços calorosos. Sentia-se uma estranha naquele mundo, uma intrusa que não pertencia àquele brilho superficial.
De repente, uma voz familiar a chamou.
"Mary? Mary Oliveira, é você?"
Mary se virou e viu uma mulher elegante se aproximando, um sorriso caloroso no rosto. Era Sofia, uma antiga colega da faculdade de artes, alguém que ela não via há anos.
O coração de Mary disparou. Como ela explicaria sua presença ali, ao lado de Ethan Carter? A narrativa fabricada desmoronaria em segundos. Ela engoliu em seco, o pânico a paralisando. A máscara que ela tanto se esforçara para manter ameaçava se quebrar, expondo a farsa por trás do contrato e revelando os segredos que ela estava desesperadamente tentando esconder.
O reconhecimento de Sofia atingiu Mary como um raio em meio à falsa serenidade da festa. Seu sorriso congelou, e o pânico começou a borbulhar em suas veias. Como ela explicaria sua presença ali, tão diferente da vida modesta que Sofia conhecia?"Sofia... Nossa! Quanto tempo!" Mary conseguiu articular, forçando um sorriso que não alcançava seus olhos."Mary! Que surpresa te ver aqui," Sofia exclamou, aproximando-se e lhe dando um abraço apertado. "Ainda está trabalhando na floricultura da sua avó? Adorava passar por lá e ver aquelas rosas lindas."O coração de Mary acelerou. Ela precisava pensar rápido. "Ah, sim... A floricultura vai bem. Mas hoje... hoje estou acompanhando um amigo." Ela gesticulou vagamente em direção à multidão, esperando que Sofia não insistisse em detalhes.Mas Sofia era perspicaz. Seus olhos seguiram o gesto de Mary e pousaram em Ethan, que se aproximava delas com uma expressão ligeiramente tensa no rosto."E este deve ser o seu amigo?" Sofia perguntou, um sorris
A hesitação de Ethan no corredor ecoou na mente de Mary durante toda a noite. Ela se revirou na cama king-size, sentindo o toque imaginário de seus lábios e a intensidade de seu olhar. Aquele breve momento havia rompido a bolha de formalidade que os envolvia, deixando no ar uma eletricidade sutil e perturbadora.Na manhã seguinte, a atmosfera na mansão parecia ter mudado imperceptivelmente. Os olhares trocados entre Mary e Ethan carregavam uma nova nuance, uma curiosidade cautelosa. Eles ainda mantinham a formalidade diante de Sra. Davies e dos outros empregados, mas nos momentos a sós, havia um reconhecimento silencioso do que acontecera na noite anterior.Um dia depois do jantar, Ethan convidou Mary para acompanhá-lo em um passeio pelos jardins após o almoço. Era a primeira vez que ele a convidava para algo que não fosse uma obrigação social. Mary aceitou, sentindo uma mistura de apreensão e expectativa.O sol da tarde banhava os jardins em tons dourados, realçando a beleza das flor
A proposta de Ethan pairou no ar entre eles, carregada de um significado que ia além do financeiro. Para Mary, era uma demonstração inesperada de confiança e cuidado, um gesto que aquecia seu coração e confundia ainda mais seus sentimentos."Eu... eu preciso pensar," Mary respondeu, a voz embargada pela emoção. A ideia de aceitar a ajuda de Ethan era tentadora, mas também a deixava desconfortável. Ela sempre prezara sua independência, e a ideia de se tornar ainda mais dependente dele a perturbava."Claro," Ethan disse gentilmente, sem insistir. "Não há pressa."Nos dias que se seguiram, Mary debateu-se internamente. Por um lado, o investimento de Ethan poderia salvar a floricultura, permitir que ela honrasse a memória de sua avó e reconstruísse seu futuro. Por outro lado, aceitar sua ajuda criaria um laço ainda mais forte entre eles, complicando ainda mais a natureza já complexa de seu relacionamento.Ela se pegava pensando em Ethan constantemente, em seus sorrisos raros, em seus mome
A quietude da biblioteca tornara-se um refúgio para ambos. Longe dos olhares curiosos da equipe da casa e da formalidade opressora dos eventos sociais, era ali que Mary e Ethan encontravam um espaço para uma comunicação mais genuína, ainda que cautelosa. Na noite seguinte à tempestade, após um jantar surpreendentemente tranquilo, eles se encontraram ali novamente, como se um acordo tácito os guiasse para aquele santuário de palavras e silêncios compartilhados.Ethan estava sentado em sua poltrona de couro habitual, um livro de capa escura repousando em seu colo, mas seus olhos estavam fixos na lareira crepitante. Mary se aproximou lentamente, sentando-se no sofá a uma distância respeitosa. A tensão da noite anterior ainda pairava sutilmente no ar, uma eletricidade silenciosa que nenhum dos dois ousava dissipar completamente."Não está conseguindo dormir?" Mary perguntou em um sussurro, quebrando o silêncio morno da sala.Ethan desviou o olhar do fogo, seus olhos encontrando os dela.
A atmosfera na imponente mansão Carter havia se transformado em algo mais sutil do que a mera formalidade inicial. Uma corrente de entendimento tácito, quase imperceptível aos olhos externos, agora ligava Mary e Ethan. O livro de poemas, um presente silencioso, repousava na mesa de cabeceira de Mary como um símbolo tangível de uma conexão que ousava florescer para além das frias letras do contrato. No entanto, uma cautela mútua pairava, como um véu fino, lembrando a ambos da fragilidade de seu arranjo e da incerteza do futuro.Uma tarde, buscando um respiro da opulência sufocante da casa, Mary encontrou consolo no calor úmido e no perfume exótico da estufa. Entre as folhas verdejantes e as cores vibrantes das flores tropicais, ela dedicava-se aos cuidados delicados das orquídeas. Foi ali que Ethan a encontrou, parado na entrada, observando seus movimentos suaves com um olhar contemplativo, distante."Minha mãe nutria uma paixão especial por orquídeas," ele comentou, a voz carregada de
A perturbação semeada pela presença de Vivian Holloway floresceu nos dias subsequentes na mente de Mary, como uma erva daninha teimosa em um jardim bem cuidado. Ela se flagrava revisitando mentalmente cada interação, cada sorriso trocado entre Ethan e a elegante visitante, tentando decifrar a profundidade dos laços que os uniam. A imagem de um passado compartilhado, do qual ela era irremediavelmente excluída, lançava uma sombra de insegurança sobre a tênue intimidade que começava a florescer entre ela e Ethan.Buscando dissipar a crescente tensão e, talvez, obter alguma clareza sobre a misteriosa Vivian, Mary propôs a Ethan um passeio noturno pelos jardins da mansão. A escuridão suave era pontilhada pela luz tênue de luminárias estrategicamente posicionadas, criando um cenário de beleza melancólica. A brisa noturna carregava consigo o perfume adocicado das flores, e o murmúrio distante de uma fonte proporcionava uma trilha sonora suave para seus passos hesitantes.Eles caminharam lado
O envelope cor de marfim parecia pesado demais para o seu tamanho, repousando sobre a mesa gasta da cozinha de Mary como um prenúncio. Seus dedos hesitavam em tocar o selo de cera com as iniciais entrelaçadas, um "EC" elegante que parecia zombar da sua atual situação financeira, tão precária que mal conseguia pagar o aluguel do minúsculo apartamento que dividia com a saudosa lembrança de sua avó.Suspirou, a visão embaçada pelas lágrimas que teimavam em cair. A pequena floricultura que herdara da avó, seu refúgio e fonte de alegria, estava afundando em dívidas. A pandemia havia dizimado os eventos, as encomendas diminuíram drasticamente e os credores não paravam de ligar. A cada toque do telefone, seu estômago se contorcia em um nó de ansiedade.Com um tremor nas mãos, finalmente rompeu o selo. Dentro, o papel de alta gramatura exalava um perfume sutil e caro. As palavras impressas em uma fonte clássica pareciam frias e formais, contrastando com o desespero que lhe apertava o peito. E