5. Uma Forma Cruel de Vingança
“Liz Montesi”
Mal tenho tempo de digerir o corte que Ettore acaba de me dar quando percebo que outro desconforto se aproxima.
Isabella Ricci.
A queridinha da mãe de Ettore. Alta, elegante, longos cabelos castanhos e um sorriso perfeito, daqueles que só servem para disfarçar o veneno.
Isabella sempre representou tudo que Chiara Bianchi julgava ser a escolha ideal para o filho: família influente, comportamento impecável… ótima candidata a esposa perfeita de um herdeiro.
— Isabella — Ettore diz com um sorriso educado, mas os olhos continuam frios.
— Estou tão feliz em ver você — ela responde, alternando o olhar entre nós dois. — E vejo que não está sozinho. Liz, quanto tempo!
— Olá, Isabella — digo com meu melhor sorriso falso. — Você está tão elegante quanto me lembrava.
— Obrigada — ela esboça um sorriso que não chega aos olhos, então foca na minha aliança. — Vejo que está noiva. Parabéns. Posso saber quem é o… felizardo?
Ettore coloca a mão sobre a minha na mesa, um gesto possessivo que me pega de surpresa.
— Sou eu — confirma, num tom suave, quase carinhoso. Se eu não soubesse da verdade, até acreditaria na encenação. — Na verdade, este é o nosso jantar de comemoração.
Isabella arregala os olhos. Por um segundo, o choque e a confusão passam pelo seu rosto antes que ela recupere a pose.
— Isso é… surpreendente — comenta, com um sorriso tão falso quanto o meu. — Pensei que vocês tivessem terminado há anos.
— Algumas coisas são melhores quando mantidas em privado — Ettore responde, deixando claro que a conversa está encerrada.
— Bem, não quero interromper. Meus parabéns. — Ela se vira para mim com um sorriso calculado. — Você é uma mulher de sorte, Liz. O partido mais cobiçado de Milão…
— Obrigada, Isabella — respondo no mesmo tom falso. — Mas, para ser sincera, sempre soube que voltaríamos a ficar juntos. Algumas coisas são simplesmente inevitáveis.
— Imagino — ela diz, olhando direto para Ettore. — Chiara vai ficar surpresa quando voltar da viagem.
Ettore aperta um pouco mais a minha mão, e noto sua mandíbula travada. Será que Chiara ainda não sabe do casamento do ano?
Quando Isabella finalmente se afasta, tento soltar minha mão, mas ele não permite.
— Ela continua observando — comenta, tomando um gole de vinho.
Sigo seu olhar. Isabella se sentou do outro lado do salão, mas seus olhos continuam cravados em nós.
— Ettore, por que eu? — pergunto em voz baixa. — Qualquer mulher, inclusive a queridinha da sua mãe, adoraria ser sua esposa.
— Talvez eu queira alguém que já provou que pode me deixar quando quiser — ele responde, frio. — Alguém que não vai confundir negócios com sentimentos.
— Ou talvez seja só uma forma cruel de vingança.
Ele sorri devagar, soltando minha mão para pegar a taça de vinho. Seu silêncio responde por ele.
É isso que ele quer: vingança. Me punir. Me fazer sentir a mesma dor que causei.
Finjo interesse no prato à minha frente, me forçando a voltar ao papel da noiva feliz.
O restante do jantar se resume a formalidades e a um teatro bem ensaiado. Toques milimetricamente calculados, sorrisos falsos, beijos nos meus dedos só para exibir a aliança.
Quando finalmente entramos no carro e ficamos sozinhos, o cansaço me atinge de uma vez. Encosto a cabeça no vidro e, sem perceber, adormeço.
Acordo com Ettore tocando meu braço. Abro os olhos e vejo que já chegamos. Do lado de fora, uma mansão imponente se ergue diante de mim. Fria. Intimidadora.
Uma versão em pedra e vidro do próprio Ettore.
— Sua nova casa — ele diz, abrindo a porta do carro.
Pego minha bolsa e abro a porta antes que ele se aproxime. Não preciso de mais uma cena agora.
Mas, claro, para ele, o show está só começando. Ettore segura minha mão antes que eu me afaste e me conduz para dentro.
Logo na entrada, uma senhora de meia-idade, com cabelos grisalhos presos em um coque impecável, nos recebe com postura de quartel.
— Essa é Adeline, nossa governanta — meu noivo diz, colocando a mão nas minhas costas.
— Seja bem-vinda, senhora — ela diz com um sorriso gentil.
— Obrigada, Adeline.
— Vamos— ele diz, gesticulando para as escadas. — Vou mostrar nosso quarto.
Engulo em seco, como se isso fosse resolver a bagunça no meu estômago. Dormir na mesma cama que ele… a simples ideia me dá um frio na barriga.
— Sua suíte ficará ao lado da minha — Ettore explica, quando terminamos de subir os degraus.
Minha suíte. Um suspiro aliviado escapa antes que um desconforto estranho tome o lugar, mas finjo não sentir.
— Achei que ficaríamos no mesmo quarto — deixo escapar, antes que consiga me controlar.
Ettore para de repente e se vira. Os olhos azuis me atravessam com tanta intensidade que tenho a sensação de que ele consegue enxergar cada canto escondido da minha mente.
— Para manter as aparências, algumas adaptações foram feitas. Há uma porta conectando nossos quartos, e isso é suficiente — responde num tom baixo, quase cortante, antes de retomar o passo pelo corredor. — Não pretendo dividir mais do que o estritamente necessário com você.
Dessa vez, a provocação não me afeta tanto quanto deveria. Talvez porque o que mais me incomoda seja o fato de que algumas adaptações foram feitas.
Tudo isso está planejado há muito tempo. Isso, sim, me tira o chão.
Seguimos em silêncio até ele abrir uma porta dupla de madeira clara, revelando um quarto amplo, impessoal e, definitivamente, nada parecido comigo.
Caminho devagar pelo ambiente, tentando esconder o quanto me sinto deslocada ali dentro.
— Aquela porta ali — ele aponta para uma entrada lateral, quase invisível na parede branca — conecta com a minha suíte. Como eu disse, apenas quando for necessário manter as aparências.
Assinto, desviando o olhar.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, o celular dele toca. Ettore olha a tela e franze a testa.
— Preciso atender essa ligação — diz, já se afastando em direção à porta.
Quando finalmente estou sozinha, solto um suspiro longo e pesado. Nem me dou ao trabalho de explorar o quarto. Terei doze meses para isso.
Agora, tudo o que quero é um longo banho. Como se fosse possível lavar toda essa dor e humilhação.
Vou direto para o banheiro, tirando o vestido pelo caminho. Só então dou uma olhada ao redor. A banheira parece me chamar, mas escolho o chuveiro.
— Já chega de prolongar essa noite — murmuro, entrando no box.
Deixo a água quente cair nos ombros, fecho os olhos e revivo cada segundo surreal das últimas doze horas.
De namorada traída à noiva de um homem que me odeia. Tudo isso num único dia.
Vinte minutos depois, enrolada numa toalha que parece menor do que deveria, só consigo pensar em uma coisa: cama.
Só quero dormir e fingir que esse dia nunca existiu.
— Achei que tinha se afogado lá dentro — a voz de Ettore ecoa pelo quarto, fazendo meu coração dar um pulo.
Instintivamente, aperto a toalha contra o corpo e dou de cara com ele… sentado na beira da minha cama, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— O que você está fazendo aqui? — solto, tentando manter a dignidade que me resta.
Finjo que não me importo com o fato de estar praticamente nua na frente dele e dou um passo rumo ao closet.
Mas é claro que o universo não quer facilitar.
Tropeço no tapete felpudo, perco o equilíbrio e vou direto para frente. Em cima de Ettore. E, claro, caímos juntos na cama.
Eu de costas, ele sobre mim. O rosto a centímetros do meu. A toalha perigosamente frouxa entre nós.
Meu coração dispara. Pelo susto. Pela proximidade. Pelo calor do corpo dele colado no meu.
Seus olhos percorrem meu rosto até pararem em meus lábios.
— Está esperando que eu te beije, Piccola?