Está tudo pronto para o show e a contagem regressiva para o fim do meu trabalho marca cinco! Finalmente.
Hoje faremos a gravação de boa parte das músicas que vão para o DVD ao vivo da turnê nacional e uma rádio vai transmitir o show de hoje ao vivo. Minha equipe recebeu um adicional de dez pessoas, fora os técnicos do Fabrício, para toda a parafernália que ele usa no palco. Contratei duzentos figurantes para preencher a plateia (eles são contratados para puxar coro, aplausos, distribuir faixas e chorar para que mais pessoas façam a mesma coisa) e distribuímos convites o suficiente para que além da venda normal de ingressos, muitas pessoas fossem ao show. Em alguns casos, fechamos tudo com figurantes, mas a Blackout tem potencial o suficiente para trazer os próprios fãs... e vieram milhares.
Por um instante tudo quase deu errado, a casa de show não quis cancelar a programação da noite anterior e nosso tempo ficou ainda mais reduzido para montar todas as câmeras necessárias, mas deu tudo certo. Ufa!
Caminho calmamente pelos corredores dos bastidores e percebo que ao invés daquela euforia de sempre, todo mundo parece em pânico. Até Yolanda que normalmente nem está por aqui, anda de um lado para o outro com o celular na mão. Henrique (o baixista) se aproxima dela, eles trocam segredos em forma de sussurros e olhares de pânico. Tenho certeza que há algo de errado, por isso me aproximo. Quem sabe consigo mover alguém da minha equipe para ajudar?
— Eu não acredito! O que vamos fazer? — Henrique diz, para Yolanda, que comprime os ombros sem resposta.
— Quanto tempo conseguimos segurar até o show?
— Dá para atrasar uma hora no máximo.
— Faça isso. — Yolanda diz.
— O produtor vai odiar… — Na verdade, a produtora sou eu.
— Oi. — Aproximo-me dos dois e Henrique revira os olhos para mim, mas Yolanda não esconde seu pânico por trás da armação de óculos antiquado que ela usa. — Por que precisamos atrasar?
— Não te interessa. — Henrique diz, grosseiramente.
— Claro que interessa, a transmissão é minha e quero saber.
— Você só precisa saber que vamos atrasar. — Ele diz de forma agressiva e eu tenho vontade de virar a mão na sua cara, mas me controlo.
— Fabrício sumiu. — Yolanda fala rapidamente as palavras.
— Quê? — Assusto. Isso é algo incomum, porque ele é super pontual em seus shows, de um jeito que dá até raiva porque é apenas com os shows. — Como assim?
— Ele perdeu a conexão SP-RJ e sumiu.
— Mas eu o vi aqui mais cedo. — Confirmo com uma careta de estranhamento. Fora que normalmente ele viaja naquele carro caindo aos pedaços e não de avião, só em casos extremos. Ele não perdeu conexão nenhuma. — Já procuraram no camarim?
— Ninguém aqui é idiota, Leila.
— Henrique! Todos nós estamos nervosos hoje, não desconte na Leila. — Yolanda interfere. Ela é a única que não me trata como vilã por ter terminado com o Fabrício, inclusive, ela disse uma vez que me compreende.
— Desculpa! — Henrique recua. Ele coloca as mãos no bolso da ridícula calça prata que vai usar no show. — O que vamos fazer?
— Você vai até os técnicos e pede para forjar uma falha elétrica de meia hora, liberar o snack bar pra compensar e inventar alguns sorteios de brinde. Avise a radio para preparar um set list para quando a luz voltar. Depois segura mais essa hora que você me prometeu… — Digo. Eu sempre tenho um plano de contingência, mas nunca precisei realmente usá-lo quando se trata da Blackout, porque eles são todos muito profissionais.
— Certo. Obrigado. — Henrique diz e se manda, já gritando as novas ordens para todo mundo.
Yolanda me olha com um fio de esperança em seus olhos.
— Isso nunca aconteceu. — Sei que ela está se desculpando pelo sumiço do Fabrício.
— Eu sei. Fique calma, temos bastante tempo para não precisar de nada disso.
Olho no relógio. Falta meia hora para o show de abertura, o que me dá um total de uma hora e meia até que eu precise usar a operação de contingência, mas nunca se sabe o que se passa com essas celebridades… e se o Fabrício sumiu, deve ser algo sério. Yolanda sorri com doçura para mim.
— Agora me diga que isso é uma crise de pânico e que ele está no carro do pai dele. — Peço.
Yolanda balança a cabeça de um lado para o outro, negando a informação. Eu murcho, porque a minha esperança jazia nesse aspecto.
— Engraçado você dizer isso, porque ele teria que voltar para SP. O carro foi restaurado e agora faz parte da decoração da sala.
— Oi? — Faço absorvendo a informação. Por que as pessoas se tornam tão excêntricas quando ficam famosas? O Fabrício anda agindo pior que o Axl Rose. — Então ele voltou pro hotel… vai ver dormiu demais e perdeu a hora.
— Vou ligar na recepção e verificar se ele deu entrada.
— E o celular dele, já tentou?
— Mil vezes. Só vai para a caixa postal.
— Hm. — Faço. — Tente encontrá-lo, mas já deixa o figurino preparado que assim que ele aparecer começamos.
— Eu te aviso. — Yolanda diz, já remexendo em seu celular para procurar o fujão do Fabrício.
Eu continuo minha caminhada até os fundos da casa de show e percebo Elisa limpando a lente da câmera móvel. Ela vai fazer as imagens dos bastidores, a concentração da banda antes de subir no palco, essas coisas de sempre. Já temos muito material sobre isso, inclusive, mas é sempre bom ter mais um pouco e queria algo diferente, como uma conversa entre os membros da banda no camarim… desistimos dessa ideia quando na semana passada pegamos foi a Ruth transando como Mathias, que tem namorada, por sinal.
— Ei, Elisa, viu o Fabrício?
— Procurando o gatinho para uns amassos antes do show, é? — Elisa me tira do sério com essa afirmação. Ela tem os cabelos ruivos, tingidos, olhos castanhos e é bem baixinha. Está sempre de camiseta, calça jeans e ela sai com garotos e garotas.
— Estão dizendo que ele perdeu a conexão no aeroporto, mas tenho certeza que ele veio para a montagem do palco mais cedo, não veio?
— Eu fiz umas imagens com ele e os holdies hoje. Coisa bem legal. — Ela sorri. — Ele tá lá fora, no estacionamento, tomando ar.
— Oh. — Respiro fundo e vou até a porta. Olho mais uma vez para Elisa, mas ela já está colocando a lente na câmera, preparando-se para as filmagens da concentração.
Enquanto passo pela porta, envio um SMS para Yolanda dizendo que achei o Fabrício e que daqui meia hora coloco ele para dentro do camarim. Olho para todos os lados do estacionamento e simplesmente não acho o Fabrício em lugar nenhum. Já estou quase entrando em crise quando escuto um barulho de vidro se quebrando e um “ops”. Viro a cabeça e percebo através dos vidros do Corolla vermelho de Yolanda, que o Fabrício está em cima do capô, de frente para a vista do mar a noite.
Eu me aproximo nervosamente e o encontro deitado no capô, com as costas no para-brisa, de fones de ouvido, fazendo uma bola laranja de chiclete e provavelmente jogando através do celular. Nos meus pés, a garrafa de cerveja quente quebrada, vazando um resto de cerveja. É como um adolescente fugindo de uma festa.
Assim que chego, dou um tapa na perna dele, chamando sua atenção. Ele confere minhas medidas, sorri entusiasmado e tira o fone de ouvido de um dos lados.
— Oi raposinha, que surpresa. — Então ele percebe que eu cruzo os braços e estou brava. — O que houve?
— Você sumindo e deixando todo mundo louco ali dentro, Fabrício! — Reclamo. — Está pensando em atrasar o show?
Ele olha para o celular, conferindo o horário.
— Mas ainda tenho meia hora. — E se senta desencostando as costas do vidro do carro. Ele está de jeans e camiseta com um símbolo triangular. — Falhou algum equipamento?
— Não… — Descruzo os braços. Sabe, ele tem razão, ainda falta meia hora, o desespero é desnecessário e ainda não tenho motivos concretos para brigar com ele. — Mas a Yolanda está ligando para você feito maluca e você não atende!
— Hm. — Ele remexe no celular. — Esqueci de tirar do modo avião...
Coloco a mão na testa, ele ri. Ele é muito distraído, nossa, algo totalmente típico dele, causar uma confusão só porque esqueceu um pequeno detalhe.
— Ficou preocupada achando que eu fugi?
— Não, mas o Henrique ficou em crise. Combinamos até uma falha elétrica para ganhar tempo.
— Que desespero, hein… O Henrique está cada vez mais chato e neurótico.
— É que normalmente você já está no camarim… — Procuro amenizar as coisas. Sei que Fabrício e Henrique andam se estranhando desde o VMB e ele não me disse os motivos por trás disso.
— Precisava de um pouco de silêncio. — Ele tira os fones, guarda o celular e desce do capô, ficando bem na minha frente. — Jared Leto fica uma hora em silêncio antes do show, sabia?
— Fabrício, você não é o Jared Leto. — Quero dar risada, mas procuro ficar séria. Se o Fabrício pudesse ser comparado com algum rockstar seria com o Ville Valo… mas daqui uns dois ou três anos, acho que ele vai fazer tanto sucesso quanto o Jared Leto e isso será insuportável!
— Ainda bem, né, raposinha, ele tem o péssimo hábito de preferir loiras. — Ele brinca, já segurando em meus cabelos, que são castanhos, por sinal, embora eu já tenha pintado de diversas cores. Lá está ele flertando comigo de novo.
— Isso caracteriza assédio sexual, sabia?
— Não vejo problemas em assediar você sexualmente… — Posso até ver que ele está imaginando coisas sujas, porque morde a boca. — Mas você é minha mulher, então não é exatamente assédio.
— Você precisa colocar uma coisa na sua cabecinha-oca. — Bato o dedo em sua cabeça. — Nós terminamos.
Sou enfática, porque sinceramente, já não aguento mais. Estou namorando, estou feliz, não quero um cara me pegando, me beijando e tornando tudo ainda mais complicado… por mais gato e sexy que esse homem seja.
— Depende do ponto de vista. — Ele diz duvidando, o que me causa uma sensação estranha.
— Você pirou? Não comece a delirar.
— Nós não terminamos, Leila, estamos dando um tempo enquanto você fica aí resolvendo esse seu “lancezinho sem graça” com o Bernardo. — E ele se inclina para me beijar, fazendo com que eu o empurre para longe com força.
— Se você continuar com isso, antes de terminar esse DVD ao vivo, eu juro que peço demissão.
— Pede nada. — Ele me provoca.
— Eu preciso de espaço, Fabrício!
— Quer uma trégua?
— Quero que você pare e me respeite. Isso já está me irritando profundamente. — Estou sendo sincera, vou virar a mão na cara dele se continuar.
— Tá bem. — Ele se afasta e eu quase não posso acreditar que ele recuou, mas é tão real quanto posso ver. Ele passa para a frente do carro e enrola os fones no celular. — Vou te dar um pouco de espaço, mas só o suficiente para você perceber que fez a escolha errada, para variar.
— O que deu em você para chegar a essa conclusão maluca? — Pergunto, ainda atônita.
— Nada… — Ele dá de ombros e sorri. — Sei que sou o amor da sua vida.
— Não Fabrício, você não é. — Cruzo os braços.
— Negue o quanto quiser, raposinha, mas vai por mim, não vai dar para fugir para sempre. — Ele diz isso já abrindo a porta para voltar para os bastidores quinze minutos antes do que ele pretendia fazer, assumo.
Respiro fundo, conto até dez. Não tenho paciência para mania de celebridade, o que me faz contestar se estou mesmo no emprego certo… sei que o Bernardo acha que seria uma péssima ideia sair agora, mas ando considerando muito essa hipótese.
***
Para variar, quase morro assistindo o Fabrício pela central de edição as filmagens do show. Não sei o que me dá toda vez que ele canta, a voz é muito sensual e suas músicas estão melhores nesse album do que no passado… ele ainda tem o piercing na língua, mas só dá para ver quando lança algum agudo e abre bem a boca.
Eu fico imaginando, o que um cara como ele, que tem basicamente um mundo de mulheres aos seus pés, quer correndo atrás de mim. Eu sei que o Bernardo e a Drica consideram que é um capricho adolescente, mas a insistência do Fabrício anda me fazendo imaginar coisas… e eu não devia!
Balanço a cabeça, afasto a mente dessas ideias doidas e procuro me concentrar no monitor três, que foca em Cleber. Assim não preciso ficar olhando para o Fabrício sem camisa. Bem que hoje podia ser um dia bem frio, assim não precisaria ver esse garoto quase sem roupa, viu!
Eu sei que é um lance totalmente sexual entre eu e o Fabrício, ele realmente mexe comigo nesse quesito. Foi o único namorado que eu tive que fazia sexo comigo duas vezes por dia, todos os dias e as vezes até mais… mas quando vamos falar de sentimentos, meu coração bate mais forte pelo Bernardo, de um jeito que até dói agoniado só e pensar que ele não está lá muito feliz.
Tenho pensado muito na regra dos três (que o Bernardo disse que existe) e se por um acaso não estamos beirando aquele momento em que começamos a fingir que somos felizes para todo mundo, mas que no fundo, temos nossas diferenças.
Eu sei, não existem casais que sejam felizes em todos os aspectos e o essencial é que vivamos dia após dia apenas sobrevivendo às nossas diferenças… mas não me sai da cabeça que o Bernardo anda representando, desde que eu o fiz parar de viajar. Será que fui egoísta?
Uma queda de luz me chama de volta a realidade. Olho para Elisa, mas está escuro.
— O que houve? Faltou luz? — Pergunto, mas a mesa de edição se acende de novo e todos os monitores estão chuviscando.
— Ai não… — Elisa faz e aperta uns botões. Os monitores que estão ao vivo voltam a vida, consigo voltar a assistir ao show, mas Elisa me olha em pânico. — Ai, Leila… eu perdi as imagens gravadas!
— Quê? — Quase morro. — Tem certeza?
Meu Deus, meu Deus! Eu gastei uma nota montando toda a estrutura para hoje e a Elisa fez o quê que conseguiu zerar as filmagens? Isso é mesmo possível? Não entendo de equipamentos de vídeo, mas já odeio o fato de que não tinha um gerador ligado nessa mesa digital!
— Absoluta, vamos ter que refazer tudo. — Elisa sentencia e eu caio sentada na cadeira giratória atrás de mim.
Eu não vou aguentar outra maratona de Fabrício! Só pode ser brincadeira!