A fumaça do cigarro ainda dançava no ar quando bateram na porta do meu escritório. Dei uma última tragada antes de responder:"Entra."A porta se abriu, revelando Naja, meu braço direito, com a cara sempre séria e a postura de soldado."Chefe, o advogado tá aí. Disse que precisa falar com você. É importante."Assenti com a cabeça. "Manda entrar."Doyle apareceu segundos depois. Estava suado, a gravata torta, os olhos inquietos. Um rato bem alimentado, mas ainda assim... um rato."Fecha essa porta, senta aí... e pega uma bebida na estante antes que eu ache que você veio me encher o saco à toa."Ele obedeceu, derramando Whisky num copo com mãos um pouco trêmulas, antes de se acomodar na cadeira de frente pra mim."O que foi agora?" perguntei, acendendo outro cigarro com calma."Eu tenho notícias." Ele molhou os lábios com o álcool antes de continuar. "Iron me pediu pra preparar os papéis... Ele quer adotar a irmã de Elise. A menina. Mel."Soltei uma gargalhada alta e seca. O tipo de ris
PONTO DE VISTA DE TRENT Levei Elise pra dentro de casa.O lugar tava do jeito que eu deixei da última vez que estive ali — coberto de poeira, com aquele cheiro de madeira velha e memórias. Nada que ela merecesse. Então fui até a dispensa, achei um balde, pano, e comecei a dar um jeito na merda toda.Ela não disse nada, só me seguiu. Pegou um pano seco e foi tirando o pó dos móveis enquanto eu passava pano no chão. A gente não trocou uma palavra, mas o silêncio dizia tudo. O ar tava denso. Como se ela estivesse carregando o mundo nas costas.De vez em quando eu olhava pra ela. Os olhos perdidos, a expressão dura. Algo dentro dela tava gritando, e aquilo tava me matando devagar."O que tá errado, Amor?" perguntei, parando com o pano na mão.Ela me olhou, mas não respondeu de imediato. Caminhou até o sofá e se sentou com os ombros curvados, trazendo os joelhos pro peito como uma criança tentando se proteger do mundo."Estou preocupada com a minha mãe" sussurrou, a voz embargada. "Ela co
PONTO DE VISTA DE ELISETrent ainda estava lá fora, encostado em uma árvore, pensativo. A brisa mexia nos fios rebeldes do cabelo dele enquanto ele terminava de fumar, o olhar perdido em algum ponto além do rio. Sabia que aquela ligação tinha sido importante, que devia ter sido com Grave — dava pra ver no jeito como seus ombros carregavam um novo peso.Por dentro, meu peito ainda doía.Mas já era hora de parar.Prometi pra mim mesma, ali mesmo no sofá onde me deixei afundar antes: chega de chorar. Chega de me lamentar. Eu sempre fui uma chorona nos momentos difíceis. Mas agora… agora era diferente. Eu não podia mais ser só a garota assustada que se encolhe num canto esperando as coisas melhorarem. Não com ele ao meu lado. Se Trent era o rei dos Ceifadores, então eu precisava ser — e me comportar — como a rainha dele.E isso exigia mudanças.Levantei do sofá, fui até a cozinha, lavei os poucos pratos que restavam, finalizei a faxina com os panos de limpeza, organizei o que pude. A casa
Minha mão aperta ainda mais a arma."Quem é?" minha voz sai mais firme do que eu esperava. Tensa, mas não frágil.Silêncio.Mais uma batida. Dessa vez, duas."Eu perguntei quem é!" repito, mais alto, o coração socando meu peito.Do outro lado da porta, finalmente, uma voz rouca responde:"Eu vim em paz, moça. Só quero conversar."Engulo seco. A voz não me é familiar. Masculina. Cansada. Mas tranquila demais pra um estranho."Conversar com quem?" pergunto, firme, sem abrir."Com o Trent. Eu sabia que o encontraria aqui"Estreito os olhos."Ele não tá. Vai embora."Silêncio de novo. Puxei lentamente a cortina da porta da frente, o coração disparado e a respiração presa na garganta. Meus olhos focaram no homem que estava parado na varanda. Ele era alto, ombros largos, a pele bronzeada pelo sol e o cabelo loiro puxado para trás com um toque de pomada. Usava um terno caro, bem cortado, que não combinava nem um pouco com o cenário rústico da casa no meio do nada.Engoli em seco.Merda.Ele
PONTO DE VISTA DE ELISE"Anda logo, Troy, a gente precisa voltar antes que percebam." Termino de abaixar a saia do uniforme de garçonete do bar onde trabalho.Troy coloca a camisa, ajeita o cabelo desgrenhado e me lança um sorriso. Tento sorrir de volta, mas meu estômago está embrulhado. Sei que, quando sair desse depósito, vou encarar os olhares dos outros funcionários. Olhares de pena. E nojo.Ninguém sabe que estamos juntos há dois anos. Na verdade, ninguém sabe nem que eu existo fora daqui. Sou só a funcionária que, de vez em quando, desaparece com o chefe.Antes que ele abra a porta, respiro fundo."Quando você vai me apresentar pra sua família como sua namorada?"Troy congela. Me olha como se eu tivesse dito algo absurdo."Já falamos sobre isso, não falamos? Muito em breve você vai conhecer minha família."Seguro a alça da saia com os dedos, tentando não parecer tão decepcionada."Muito em breve..." repito, com um sorriso vazio. "Você disse isso há seis meses, Troy. E eu ainda s
O meu sangue ferve nas minhas veias, e eu sei exatamente o que elas estão pensando: que eu tenho regalias por ser "a preferida" do chefe. A dor da injustiça me queima por dentro, mas eu mantenho a expressão impassível. No fundo, eu sei que talvez elas tenham razão. Não porque eu queira esse tipo de vantagem, mas porque Troy nunca deixa claro para ninguém que estamos juntos. E isso me faz parecer exatamente o que elas pensam: uma funcionária que dorme com o chefe para ter privilégios. Talvez eu deva aceitar que ele nunca vá assumir nosso relacionamento. Talvez seja o preço que eu tenho que pagar para ficar com ele? *** Quando saio do bar, percebo que já é tarde. A rua continua cheia, com pessoas rindo e conversando animadamente nas calçadas. A noite está fresca, e o cheiro de álcool e fritura enche o ar. Caminho apressada até uma rua próxima, mas para encurtar o trajeto até meu apartamento, decido cortar caminho pelo beco. A iluminação é
Depois de dirigir por cerca de quinze minutos, finalmente cheguei ao bairro mais decadente da cidade. É o tipo de lugar que muita gente teria medo de passar à noite — prédios antigos, ruas escuras e entregas suspeitas em cada esquina.O coração aperta no peito toda vez que preciso vir até aqui, mas não tenho escolha.Estaciono o carro e respiro fundo antes de sair, tentando reunir coragem para enfrentar mais uma noite complicada.Subo as escadas mal iluminadas e passo pelo corredor estreito até a porta do apartamento. Antes mesmo de bater, ela se abre, e Mel aparece correndo, os braços estendidos na minha direção."Elise!" Ela pula nos meus braços, e eu a seguro com firmeza, aproveitando o breve momento de tê-la comigo."Ei, baixinha. Tá tudo bem?" questiono, acariciando seus cabelos.Ela hesita, mordendo o lábio, e olho para ela com um pouco de medo da resposta."A mamãe chegou faz uns cinco minutos..." Mel sussurra. "Está bêbada de novo."Solto um suspiro pesado, sentindo meu estôma
"Mel..." começo, tentando não deixar minha voz falhar. "Eu estou tentando ganhar mais dinheiro pra gente, lembra? E ficar aqui não vai ajudar nisso." Ela desvia o olhar, terminando de lavar as cenouras com cuidado. Sinto a culpa me corroendo por dentro. Eu queria poder pegá-la e levá-la comigo agora mesmo, mas não é tão simples assim. "Mamãe não é tão má." Mel sussurra, com um brilho de esperança nos olhos. "Ela só precisa de ajuda." Fecho os olhos por um momento, tentando não deixar a frustração transparecer. "Eu sei, baixinha... Sei que ela ama você. Mas... às vezes as coisas ficam difíceis pra ela, sabe?" digo, tentando encontrar um equilíbrio entre a verdade e a proteção. Mel suspira, enxugando uma lágrima que escapa de um de seus olhos. "Eu amo a mamãe também... mas eu quero morar com você." Ela admite, com a voz baixinha, me passando tristeza. Seguro sua mão, apertando-a de leve. "Eu sei, Mel. Eu também quero isso. E prometo que vou fazer o possível pra que isso aconteç