Laura Stevens –O controle remoto escorregava da minha mão sem que eu percebesse.A televisão estava ligada há horas, mas só agora as imagens começaram a se fixar como navalhas nos meus olhos. A antiga sede da Müller Group aparecia em chamas de poeira, coberta por ruídos de demolição e sirenes. Máquinas rasgavam concreto como se aquilo fosse só mais uma obra, como se aquele prédio não fosse um marco — Como se não fosse um pedaço do que estávamos vivendo.O mundo ao meu redor pareceu perder o som. Eu só ouvia meu coração batendo forte.A câmera tremia. No meio da confusão, um vulto familiar atravessava os destroços. Eu o reconheceria mesmo no fim do mundo.Christian.Levei uma das mãos à boca e a outra apertou a barriga, como se isso pudesse proteger o bebê da avalanche de pânico que crescia dentro de mim.Amanda apareceu atrás de mim, com uma xícara de café que tremia levemente na mão. Ela olhou pra TV, franziu o cenho e ficou em silêncio por um segundo. Um segundo que pareceu uma vid
Laura Stevens –A lâmina encostava na minha pele com precisão, como se ela soubesse exatamente onde aplicar o corte para me calar de vez.— Você não devia estar aqui! — Eu sussurrei, sentindo minha voz se quebrar antes mesmo de sair por completo.O cheiro do hospital — aquele misto de álcool e desespero contido — parecia mais forte naquele banheiro pequeno e frio. A luz fluorescente piscava acima de nós, lançando sombras duras sobre o rosto dela. Um rosto que eu conhecia bem demais. O tipo de rosto que visita pesadelos mesmo quando você está acordada.— E ainda assim... olha só onde eu vim parar — Ela disse, com a calma assustadora.Norma.O nome dela era um veneno antigo. Tão antigo quanto as cicatrizes que carrego até hoje.— Achei que já tinha te perdido naquela explosão... — Ela disse, com um sorriso torto, irônico. — Mas veja só... Ivy. Ou seria Laura? Ainda não decidi qual nome combina melhor com vocêMeu coração batia como um tambor de guerra. Eu sabia que ela era perigosa. Sem
Laura Stevens —Norma caiu ao chão com um baque surdo, e no segundo seguinte, um zunido atravessou meus ouvidos como se o som do mundo tivesse sido engolido por dentro da minha cabeça.O tempo parou. Minha visão tremulava nas bordas, mas consegui virar o rosto para o lado, o vendo ali.Christian.Ele estava parado, segurando a arma com as duas mãos.Seus olhos ardiam como brasas acesas e confesso que nunca o vi tão consumido pela dor, pela raiva, pela perda, como nesse momento.Não era só fúria. Era desespero. Um homem destruído por dentro, tentando manter-se inteiro por fora.A arma tremia, mas seu olhar era firme. Estava preparado para ir até o fim — por mim, por Nathan, por esse bebê em meu ventre... por tudo o que nos foi tirado.Senti o mundo girar de novo. Meu corpo cedeu.A adrenalina que me mantinha de pé evaporou como fumaça. Meus músculos não responderam. O zunido ficou mais alto. E, então, tudo se apagou.Acordei devagar, mas mantive os olhos fechados.O colchão sob meu cor
Christian Müller –Segui o médico em silêncio por aqueles corredores gelados que pareciam não ter fim.O médico parou diante de uma sala e respirou fundo antes de se virar. Aquela expressão que ele tentou suavizar... eu conhecia. A gente aprende a reconhecer o peso das palavras antes que elas sejam ditas.— Senhor Müller... — ele começou, hesitante. — Me desculpe. Norma sofreu uma morte cerebral. Não temos mais o que fazer.Por um segundo, o tempo parou. Eu não senti alívio. Nem raiva. Nem paz. Senti nada. Era como se meu corpo não soubesse mais como reagir. Como se até a dor tivesse cansado de mim.— Precisamos da sua autorização para a doação de órgãos. É um procedimento necessário... e, em casos assim, cada minuto conta.Virei o rosto para ele. Meus olhos estavam secos, mas havia uma tempestade dentro de mim, presa. Uma fúria contida, misturada com um cansaço que não tinha nome.— Por mim, o senhor não pegaria os órgãos dela. — Falei com a voz rouca, quase em um sussurro, mas firme
Christian Müller –Saí do hospital com passos lentos, como se meus pés ainda carregassem o peso de tudo o que ficou para trás. Lá fora, a tarde já se despedia, tingindo o céu com tons alaranjados.O vento era frio, mas leve. Pela primeira vez em muito tempo, não senti que ele me cortava por dentro.Laura estava encostada no carro, com os braços cruzados, mas quando me viu, seu rosto se suavizou.Caminhei até ela em silêncio e quando cheguei perto o suficiente, ela apenas abriu os braços. Me joguei naquele abraço como quem finalmente encontra terra firme depois de um naufrágio. Fiquei ali por alguns segundos, respirando seu cheiro, o cheiro de casa.Entramos no carro sem dizer nada e o silêncio que nos acompanhava não era pesado — era confortável.Estávamos cansados, mas juntos. E isso era o que importava agora.No caminho de volta, com a estrada se desenrolando à frente como uma promessa, Laura foi quem quebrou o silêncio.— O delegado foi justo com você, não foi?Assenti, mantendo os
Laura Stevens –Eu nunca pensei que voltaria a me sentir assim. Leve.Encostei a cabeça no encosto do banco e fechei os olhos por um instante.Senti o calor da mão do Christian entrelaçada à minha, repousando sobre a minha barriga.Ele dizia que queria recomeçar, que agora tudo ficaria bem. E, pela primeira vez em muito tempo, eu acreditei.O nome “Tereza” ainda ecoava no meu peito como um afago. Era doce, carregado de significado. Minha mãe... ela teria ficado tão feliz. E ouvir aquele nome sair dos lábios do Christian, com tanta ternura, me fez entender que, de alguma forma, ela estava conosco agora. Dentro de mim, no olhar dele, no nome da nossa filha.Minha filha. Nossa filha.Sorri para o horizonte enquanto ele dirigia e aquela estrada à nossa frente parecia tão simbólica. Como se o universo tivesse nos entregado um novo caminho, depois de tantas curvas perigosas, becos sem saída e estradas esburacadas.Suspirei, deixando o som sair como um suspiro de renascimento. Era um convite
Laura Stevens –Quatro meses depois ...O sol da tarde aquecia minha pele de maneira delicada e a brisa leve fazia as folhas do jardim dançarem como se celebrassem a nossa paz recém-conquistada.Nathan ria alto, correndo atrás de bolhas de sabão que escapavam dos seus dedinhos. Eu observava, sentada na grama, com as mãos sobre a barriga já visivelmente arredondada.A pequena Tereza parecia responder à alegria do irmão com leves mexidas. Aquilo era felicidade. Aquilo era o que eu sempre sonhei, mesmo quando achei que não merecia.Foi então que vi Christian se aproximando, com o sorriso fácil de quem carrega boas notícias. Trazia rosas vermelhas nas mãos e uma caixa de chocolates no braço.Nathan foi o primeiro a notá-lo.—Papai! — Ele gritou, correndo com os bracinhos abertos.Christian o pegou no ar como se fosse a coisa mais natural do mundo, girando-o e enchendo o rostinho dele de beijos. Depois caminhou até mim e antes de dizer qualquer coisa, me deu um selar suave, cheio de carinh
Laura Stevens –O dia seguinte amanheceu... mas, dentro de mim, tudo continuava escuro.Eu não me levantei da cama. Nem tentei. O travesseiro ainda carregava o cheiro do Christian e isso só fazia meu estômago revirar mais.Aquela foto se repetia na minha mente como um pesadelo sem fim.A mão dele na coxa de outra mulher.Tão confortável.Tão íntimo.Tão covarde.As horas passaram e eu não abri as cortinas. Não comi. Não respondi mensagens.Nathan ficou o dia todo com a babá — o que doía ainda mais, porque eu sempre fiz questão de ser presença na vida dele. Mas naquele dia... eu só conseguia chorar.Chorar e me perguntar como foi que eu não vi.Como eu pude acreditar tanto?Meu celular tocava em intervalos. Sempre o mesmo nome: Christian.E eu recusava.Ou deixava tocar até ele desistir.O nome dele soava como veneno agora.Me traía até no silêncio.Me traía na lembrança das promessas que ele fez com a boca encostada na minha testa.Não sei quanto tempo passou até ouvir passos apressad