Constrangida por aquela situação, Ava pega o álbum, mas não o abre de imediato.
Ela sente que deve um pedido de desculpas por sua desconfiança, mas não sabe como fazer.
— Obrigado por trazer, amigo, eu estava justamente indo buscar — Hector diz com um leve sorriso de gratidão.
Antes de sair do quarto, Mark sente a tensão no ar e decide sondar um pouco mais.
— Aconteceu alguma coisa aqui? — ele pergunta, notando o clima pesado.
— Nada além do esperado — Hector responde rapidamente, visivelmente irritado. — Ava não se lembra de mim, e ela desconfia de tudo que digo.
— Não é exatamente isso — Ava interrompe, querendo esclarecer sua posição. — Eu só disse a ele que estou confusa sobre tudo isso.
— Entendo ambos os lados — Mark intervém, tentando mediar a situação com sua voz calma. — Como médico, vou pedir que vocês tenham paciência. A amnésia da Ava não afeta só ela, mas todos ao redor. É crucial que aprendam a conversar de forma mais tranquila. Digamos que digerir essas informações já é complicado, e fica ainda mais difícil quando há tantas emoções envolvidas.
— Você tem razão — Ava responde, tentando manter a calma. — Mas o Hector parece não ter paciência e me trata como se eu fosse culpada pelo que está acontecendo.
Sentindo-se acusado, Hector responde com um tom de defesa:
— Não é uma questão de culpa, Ava. Mas é difícil para mim também. Eu te conto as coisas e você fica aí toda desconfiada!
— Entendo que seja difícil — Ava rebate, cruzando os braços. — Mas imagina para mim, que estou tentando juntar pedaços de uma vida que não lembro. Você poderia tentar ser mais compreensivo ao invés de me pressionar.
— Pressionar? — Hector se surpreende e sua voz se eleva um pouco. — Estou tentando ajudar a reconstruir essas memórias, não é como se eu pudesse simplesmente sentar e esperar que tudo se resolva sozinho.
— E eu aprecio isso, realmente — Ava diz, suavizando um pouco o tom. — Mas a forma como você “ajuda” me faz sentir mais perdida do que apoiada.
Mark observa o desenrolar da discussão e decide intervir novamente antes que a conversa escale ainda mais.
— Vamos tentar manter a calma. Ava, é importante lembrar que Hector também está se ajustando a esta nova realidade. Talvez uma abordagem mais suave de ambos os lados possa ajudar — pondera. — Hector… Será que podemos conversar por alguns minutos a sós?
Assentindo, Hector sai do quarto acompanhado de Mark e os dois esperam estar a uma distância segura do quarto, antes de começarem a conversar.
— Não acha que está passando dos limites? — Mark questiona, com uma expressão preocupada.
— Por que diz isso? — Hector responde, tentando parecer indiferente.
— Hector, a pobre da Ava já não se lembra de nada e você ainda insiste em jogar esses seus jogos, confundindo ainda mais a cabeça dela.
— Não estrague a minha diversão — Hector declara com um tom sarcástico, tentando mascarar sua defensiva.
— Diversão? Você deveria agir com mais humanidade, sinceramente — Mark retruca, totalmente decepcionado. — Não te reconheço quando age assim. Sei que você tem seus propósitos de vida, mas o que você está fazendo com a Ava não é justo. É manipulação. Espero que você repense suas ações antes que seja tarde demais.
Hector abre a boca para responder, mas Mark continua:
— Isso pode parecer engraçado para você, mas devia se colocar no lugar dela. Você poderia ir pelo lado certo. Só o fato de tê-la resgatado já é um fato bem grande para fazê-la estar em dívida com você. Não precisava criar essa história de noivado — adverte. — Quando ela recuperar a memória, ao invés de ser grata, o odiará mais ainda por fazê-la de boba.
Os dois permanecem em silêncio, por alguns minutos, até que Mark decide continuar aquela conversa.
— Eu não queria te contar isso, mas consegui acesso à ficha médica dela e descobri que Ava já perdeu um bebê antes. Por causa disso, ela tem dificuldades para engravidar. Quando ela recuperar a memória e descobrir que perdeu outro bebê, vai ser devastador para ela. Não acha que isso é sofrimento suficiente?
Aquela revelação pega Hector desprevenido. Ele não sabia que a altiva Ava Smith passava por aquele tipo de situação.
— Vou para casa agora — Mark avisa. — Deixei a prescrição dos remédios que ela deve tomar na madrugada, na mesa do escritório, avise a Doris — diz Mark, antes de se afastar e deixar Hector sozinho.
Como se nada do que havia escutado houvesse lhe abalado, Hector caminha lentamente pelo corredor e retorna ao quarto, onde encontra Ava sentada, folheando as páginas do álbum com um olhar surpreso. Ao vê-lo entrar, ela fecha rapidamente o álbum e caminha até ele, com os olhos brilhando, cheios de lágrimas contidas.
— Me desculpa — ela pede, com a voz trêmula. — Me desculpe mesmo. Eu não queria te magoar — revela, abraçando-o com força.
Ao sentir o abraço sincero de Ava, Hector a aperta contra o peito e percebe que ela começa a chorar silenciosamente. Enquanto a segura, as palavras de Mark ecoam em sua mente, aguçando a sensação de culpa que começa a se instalar. Ele se pergunta se está realmente agindo corretamente, se os jogos e manipulações valem a dor que está causando à Ava.
Enquanto a abraça, Hector percebe a fragilidade do corpo leve e magro dela, que, apesar dos ferimentos, encontrou forças não apenas para escapar do veículo submerso, mas também para nadar até a costa. Ele se recorda dela se arrastando pela areia e das palavras que murmurou antes de perder a consciência.
“Por favor, me ajude. O meu noivo… ele tentou me matar e empurrou o meu carro na ribanceira. Ele fez isso, só porque o flagrei me traindo com um homem.”
Naquele dia, Hector ponderou levá-la para o hospital, mas a sua mente ambiciosa o fez perceber que manter Ava por perto seria muito mais vantajoso.
Enquanto Ava chora em seus braços, ele é atormentado por pensamentos que o levam a questionar ainda mais suas ações. Sabia que ela o odiaria por suas mentiras, então precisava de algo para dá-la, como compensação.
Confrontado com esses pensamentos, Hector sente um aperto no coração, mas decide algo.
— Não se preocupe com nada, Ava — ele diz, usando o polegar para enxugar as lágrimas que cobrem o rosto dela. — Vou cuidar de você e, quando se recuperar, vou te dar um filho, eu prometo!