HENRY
— Está falando comigo? — pergunto a mulher de cabelos loiros, sujos e desgrenhados a minha frente. Por que aquela mulher coberta de terra estava falando comigo como se me conhecesse? Ela abre a boca, mas não ouço som nenhum sair dos seus lábios.
— Sr. Henry Denis, essa é a senhorita Deena Hoyth e ela vai acompanhá-lo durante o cumprimento de sua sentença. Todos os dias, das seis da manhã às duas da tarde. — a assistente comunica, já passando entre nós dois para nos deixar.
Me dirijo a escrivaninha e me sento a cadeira mais próxima. A loira continua em pé, em choque, junto a porta.
— Bom dia... — começo para que repita o seu nome. Não é que eu não tenha ouvido, é só que eu quero saber como ela prefere ser chamada.
— Deena. — responde sem olhar para mim.
— Então, Deena... o que eu tenho que fazer por aqui?
— Muitas coisas. — ela diz saindo pela porta. Me levanto para segui-la, mas ela sai correndo. Que mulher maluca! O que eu estou pensando? Todas as mulheres são doidas! Por isso não me apego a nenhuma. Vivo livre e desimpedido, pego quem eu quero e depois sigo com a minha vida.
Espero uns dez minutos até que apareça alguém. Pena que esse alguém não tinha a menor ideia do que eu estava fazendo ali. Saio do escritório e me sento em um banco muito baixo encostado a parede, onde fico até escutar o barulho estridente de um sino batendo insistentemente. Percebo todos indo em direção a um galpão, decido acompanhá-los.
Lá dentro um cheiro maravilhoso de comida caseira preenche cada célula do meu corpo e meu estômago ronca alto. Vejo que estão formando uma fila para se servirem e acabo entrando nela também. Cumprimento a todos, que me olham com curiosidade, mas parecem ter medo de me perguntar o que eu faço ali. Ainda bem!
Após encher o meu prato com batatas, milhos assados e carnes gordurosas, procuro uma mesa para me sentar. São longas mesas de madeira crua e clara. Me sento a ponta, o mais distante possível de qualquer pessoa e começo a comer, até que percebo uma movimentação vindo da porta. Uma mulher de cabelos loiros ondulados com um vestidinho florido e esvoaçante adentra o galpão conversando e rindo com todos. Ela estaca ao me ver. Não move um músculo, mas eu sei que ela está prestes a sair correndo na primeira chance. Me levanto, indicando o lugar a minha frente. Ela aponta a mesa, precisa se servir. Assinto, voltando a me sentar e comer.
Estou quase terminando quando ela se senta a minha frente com um prato bem generoso para as suas medidas tão miúdas.
— Eu não sou perigoso. — Disparo, fazendo-a parar com o garfo no ar. Ela pousa o talher lentamente sobre o prato e me encara receosa. — Eu dei uma garrafada na testa de um babaca em um bar, que abriu a lateral da testa dele. Se levou quinze pontos foi muito. Acontece que eu já fui pego dirigindo bêbado antes e...
— Ok. — ela me interrompe secamente. — Está tudo bem. — ela diz me olhando nos olhos. Aqueles olhos... eu conheço aqueles olhos. De onde? Paro um pouco, tentando me lembrar, mas nada me ocorre. A encaro mais um pouco contornando cada detalhe daquele rosto com meus olhos. Não parece em nada com aquele boneco de barro que me recebera algumas horas antes. Quem a visse agora, nunca acreditaria que era a mesma mulher, sua boca é cheia e rosada, o nariz arrebitado, os olhos grandes e de um azul tão claro.
— De onde eu te conheço, boneca?
— Boneca??? — ouço a sua voz extremamente ofendida. Não acredito que disse isso em voz alta, mas não posso deixar que ela perceba que foi um erro.
— Você é linda como uma boneca. De onde nos conhecemos? Está muito claro que já nos esbarramos por aí. — digo exalando toda a confiança contida em meus poros, mas a resposta da gata não é a que eu esperava. Ela me olha friamente e dispara:
— Nunca te vi na minha vida, ou acha que eu fico andando por aí com criminosos? Boneca é a sua mãe! Eu sou sua supervisora, aqui. Não pense que vai me ganhar com o seu charme, você vai trabalhar duro como todo mundo. Aliás, assim que terminar de almoçar terá quinze minutos para se recompor e então irá ajudar no carregamento das doações. — ela pega o prato se levantando e, como se tivesse acabado de se lembrar de algo, me encara com uma expressão raivosa e completa. — E como hoje chegou muito tarde, só sairá as cinco. Pense duas vezes antes de me chamar de qualquer coisa que não seja Deena ou srta. Hoyth.