Dorian foi até a janela, cruzou os braços e fitou o reflexo do próprio rosto sobre a cidade lá embaixo.
— Se ela entrou na minha casa... Preciso saber com quem. Se foi deixada por alguém. Se tinha um carro esperando. Ou se... realmente veio sozinha. — Tá dizendo isso como empresário — provocou Cássio — ou como homem atingido por um salto agulha no ego? Dorian sorriu de canto. — Estou dizendo isso como alguém que não gosta de ser feito de idiota. Cássio ergueu as mãos, rendido. — Ok. Tá autorizado então? Posso pedir pro pessoal de segurança separar as imagens da entrada? — Não. Deixa que eu mesmo cuido disso. — Claro. Mais emocionante quando o caçador participa da busca pessoalmente. Dorian pegou o celular, como quem já traçava um plano. — Não vou vê-la de novo por acaso, Cássio. Vou vê-la... por escolha. Cássio apenas balançou a cabeça com um sorriso de lado. — Boa sorte com isso, meu amigo. Você vai precisar. […] A sala de segurança da mansão ficava num anexo discreto, com paredes revestidas de monitores e o som constante de gravações sendo revisadas em silêncio. Lá dentro, Elias, o responsável pelas câmeras e segurança eletrônica da casa, tomava seu café com cara de segunda-feira eterna. A porta se abriu devagar, e uma cabeça familiar apareceu no vão com um sorriso exagerado demais pra ser inocente. — Elias... Sabe que eu te amo, né? Ele nem tirou os olhos do monitor. — Nem vem, Francine. Não vou perder meu emprego por sua causa. Ela entrou, fechando a porta atrás de si com cuidado, já caminhando na direção dele com o andar de quem está pra aplicar golpe emocional. — Eu só preciso saber se o senhor Dorian já passou por aqui hoje... — O senhor Dorian? Aí sim, Elias virou o rosto pra encarar ela com mais atenção. — Não, não esteve. Por quê? O que você aprontou? — Eeeeeu? — Francine arregalou os olhos, fingindo indignação. — Sou uma santa! — Aham. E eu sou o anjo Gabriel. — Que a sua fé seja forte, Elias... Ele suspirou, já tirando os fones de ouvido, sabendo que não ia escapar daquilo fácil. — O que a “santa” quer comigo, então? Ela sorriu, teatral. — Quero ver se por acaso... uma mulher de vermelho aparece nas filmagens da área externa da festa de ontem. Elias arqueou as sobrancelhas. — Tá brincando. — Só uma checadinha, rápida. Sem salvar nada. Sem cópia. Sem vestígios. A gente vê junto e pronto. — Francine, cê sabe que essas imagens são criptografadas. Tem registro de acesso, tudo. Se ele quiser saber quem viu o quê, ele descobre. — Mas ele não vai querer. Não ainda. E se eu estiver certa... nem vai precisar. Por favor. Ela fez uma carinha que misturava culpa, charme e desespero. Elias a encarou por um bom tempo, analisando o risco. Depois girou na cadeira, resmungando: — Só porque você me dá um pão de queijo na cozinha de vez em quando... — Eu sabia que um dia minha culinária ia me salvar! — E só cinco minutos. Se aparecer alguma mulher de vermelho, você me avisa, e a gente finge que nunca aconteceu. — Combinado. Ela se abaixou ao lado dele, os olhos grudados na tela conforme ele começava a puxar os arquivos da noite anterior. Francine nem piscava. Sabia que aquela “santa” ia precisar de um milagre se aparecesse mais do que um fiapo do vestido. O vídeo avançava com fluidez. Câmeras externas da mansão, ângulos de entrada, saída, jardim lateral... Até que ali estava ela. Francine. Com a máscara. Vestido escarlate. Cabelos soltos. Saindo pela porta da cozinha como se fosse a estrela de um filme de ação infiltrada. Elias pausou o vídeo devagar, os olhos arregalados. Francine arregalou ainda mais. — Merda. — Francine... — Eu preciso que você apague essa imagem! — Você tá doida?! — Elias se virou pra ela, quase tropeçando no próprio fone de ouvido. — Claro que não vou apagar! — Por favor, Elias! Meu emprego depende disso! — O meu também!! Se ele descobre que eu apaguei uma imagem dessas, eu sou o primeiro a rodar! Francine andava de um lado pro outro da sala, como uma leoa em jaula. — Tô ferrada... Tô muito ferrada... — Eu sinto muito, mas eu não posso te ajudar nisso. Ela parou, olhou fixo pra ele. — Pode sim. Você vai me ajudar. Você vai fazer o seguinte... — Lá vem... — Quando o Sr. Dorian chegar, eu vou desligar o disjuntor da mansão. Você diz pra ele que o sistema caiu com a oscilação e que vai fornecer as imagens assim que a energia voltar. Elias arregalou os olhos. — Isso não vai funcionar! — Vai sim, vai por mim. Você vai ter tempo de preparar os arquivos, certo? — Preparar...? — Isso. Quando for gravar as imagens pra ele, você simplesmente pula essa câmera que mostra a cozinha. Mostra as outras. Diz que o sistema falhou justo ali, sei lá. Inventa qualquer coisa técnica. Você é o técnico, não é? — Francine... isso é pedir pra ser demitido com pé na bunda e chave de cadeia! — Elias, é só essa câmera! Ele nem deve lembrar que ela existe! Todo o resto você mostra! Finge naturalidade! A gente já teve pane em câmera antes! Ele passou a mão no rosto, nervoso. — Eu tô sendo arrastado pro inferno, né? Francine juntou as mãos como quem reza. — Elias... por favor. Se você não me ajudar, o senhor Dorian vai ver essa imagem. Vai me reconhecer. E vai me mandar embora. Sem carta de recomendação. Sem um centavo. Silêncio. Elias olhou pro monitor... depois pra Francine. Suspirou como quem assinava a própria sentença. — Você me deve uma vida. Ela sorriu aliviada. — Eu te dou até o pão de queijo especial com goiabada do reino. — E a sobremesa. — Fechado.