O despertador tocou às seis em ponto, mas Camila já estava acordada muito antes. O colchão fino rangia toda vez que ela se mexia, e o teto mofado do quarto parecia prestes a desabar. A madrugada tinha sido longa, repleta de preocupações que martelavam sua cabeça como um relógio sem fim.
A cada manhã, o mesmo pensamento a atormentava: como sobreviver ao próximo mês? As contas se acumulavam na mesa da cozinha, e o envelope vermelho da companhia de luz era uma ameaça silenciosa: se não pagasse até sexta, ficaria no escuro. O aluguel já estava atrasado dois meses, e o senhorio não escondia a impaciência. Camila respirou fundo, tentou afastar a angústia e se levantou. Preparou um café ralo, dividiu o último pão dormido em duas partes e deixou uma fatia para a mãe doente, que ainda dormia no quarto ao lado. Olhou para a senhora frágil deitada na cama e sentiu um aperto no coração. Não podia deixar que nada faltasse para ela. Foi nesse cenário de desespero que a proposta surgiu. Três dias antes, enquanto trabalhava como recepcionista em uma clínica de fertilidade — um dos seus bicos mal pagos —, Camila ouviu uma conversa no corredor. Duas médicas comentavam discretamente sobre um casal rico, desesperado por um herdeiro, que buscava uma barriga de aluguel. O assunto ficou martelando em sua mente. Naquela noite, ela pesquisou tudo o que pôde sobre o tema. O dinheiro oferecido era suficiente para pagar todas as dívidas, dar conforto à mãe e ainda mudar sua vida. Mas o preço... emprestar seu corpo, carregar um filho que não seria seu. Seria capaz? Camila tentava não pensar mais nisso, mas, quando recebeu a ligação no celular antigo e trincado, seu coração disparou. — Camila Santos? — A voz feminina do outro lado era firme e sofisticada. — Aqui é da família Monteiro. Soube que você tem interesse em um contrato especial. Camila ficou sem ar. Era real. — Eu... sim. Quer dizer, gostaria de entender melhor — respondeu, trêmula. Foi então que marcaram um encontro para aquela manhã. --- Às dez horas, Camila estava diante dos portões de ferro da mansão Monteiro, um palacete de muros altos, câmeras e jardins impecáveis. Sentiu-se uma estranha naquele mundo de luxo. Ajustou a blusa simples, que destoava da sofisticação do lugar, e apertou a campainha. A porta foi aberta por uma empregada uniformizada, que a conduziu até a sala principal. Tudo cheirava a riqueza: lustres de cristal, quadros caros, móveis importados. Camila engoliu em seco. — A senhorita Camila, suponho? — Uma voz feminina ecoou. Era Beatriz Monteiro, uma mulher de porte altivo, cabelos loiros impecáveis e olhar frio. Usava um vestido de seda azul que parecia custar mais do que tudo que Camila tinha no guarda-roupa. — Sim, senhora. — Camila tentou parecer confiante. Beatriz a analisou de cima a baixo, como quem avalia um objeto em exposição. — Você tem boa saúde? Alguma doença? Antecedentes familiares? — perguntou, sem rodeios. — Nenhum grave, senhora. Fiz exames recentes, estão todos em ordem. Beatriz assentiu com um leve sorriso, mas seus olhos permaneciam gelados. Foi nesse instante que outra presença entrou na sala. Ricardo Monteiro. Alto, ombros largos, olhar penetrante. Vestia um terno escuro perfeitamente ajustado ao corpo atlético. Diferente da esposa, havia uma gentileza discreta em seus gestos, algo que fez Camila corar sem entender o motivo. — Camila, não é? — Ele estendeu a mão. — Obrigado por vir. O toque foi breve, mas despertou nela uma corrente elétrica inesperada. Beatriz percebeu o detalhe e estreitou os olhos, mas nada disse. — Vamos direto ao ponto — continuou a esposa. — Precisamos de alguém para gerar nosso filho. Tentamos de todas as formas, mas não foi possível. Você seria bem compensada, claro. — Quanto exatamente? — Camila perguntou, a voz vacilante. Ricardo a encarou com firmeza. — Meio milhão de reais. O suficiente para recomeçar a vida. Camila sentiu o chão sumir sob seus pés. Era muito mais do que poderia imaginar. Com esse dinheiro, poderia salvar sua mãe, pagar todas as dívidas e ainda construir um futuro. Mas o preço... nove meses de entrega total, carregando um filho que não seria seu. Beatriz interrompeu seus pensamentos: — Há cláusulas. Você teria que morar aqui durante toda a gestação. Precisamos de controle total sobre sua saúde e... seu comportamento. Camila piscou, surpresa. — Morar... aqui? — Exatamente. — A esposa se inclinou para frente. — Nada de distrações, nada de romances. Apenas disciplina. A última palavra soou como uma ordem. Ricardo, por sua vez, pareceu desconfortável. Lançou um olhar rápido à esposa, depois voltou-se para Camila. — Sei que é muito para assimilar, mas você terá todo o conforto. Médicos à disposição, segurança, um quarto só seu. E, claro, o pagamento integral no final. Camila respirou fundo. Aquela proposta poderia resolver tudo, mas também a prenderia em uma gaiola dourada, sob o olhar constante de um casal que ela mal conhecia. E, ainda assim, havia algo em Ricardo que a deixava intrigada. Seus olhos, apesar de sérios, transmitiam uma espécie de dor silenciosa, como se ele também fosse prisioneiro daquela situação. — Preciso pensar — murmurou Camila. Beatriz franziu o cenho, como se não estivesse acostumada a ouvir “não”. — Você tem até amanhã. Depois, não haverá segunda chance. Camila se levantou, pronta para ir embora. Mas, antes de alcançar a porta, Ricardo a chamou pelo nome. — Camila... — Sua voz era grave, quase um sussurro. — Só quero que saiba que não está sozinha nessa decisão. Ela o encarou por um instante e sentiu o coração acelerar de novo. Havia algo perigoso ali, algo que não estava no contrato. Saiu da mansão com o peso da escolha sobre os ombros. Sabia que aquela proposta mudaria sua vida para sempre. O que não sabia era que, junto com o dinheiro, vinha também um destino cheio de segredos, traições e desejos proibidos. E o primeiro passo já estava dado.