CAPÍTULO 2

MORGAN

Eu nunca imaginei que minha vida pudesse se transformar num campo de silêncio — daqueles que pesam, que esmagam, que deixam marcas invisíveis no corpo.

Mas desde que Delila fechou aquela porta atrás de si, meses atrás, tudo dentro desta casa se tornou barulhento demais e, ao mesmo tempo, insuportavelmente quieto.

—O choro de Louise ecoava pelos corredores, uma súplica aflita que eu não sabia como acalmar.

E quando ela finalmente se exaustava, quando caía em meus braços e adormecia agarrada à minha camisa, o resto da casa parecia um mausoléu.

Nesta manhã, o choro dela começou ainda antes do sol nascer. — Acordou assustada, soluçando, chamando por mim com aquela voz miudinha que se parte em cacos quando está nervosa.

—Eu a trouxe para o escritório, sentei-a no meu colo e tentei embalá-la, mesmo com o laptop aberto, reuniões atrasadas e contratos que eu deveria ter lido há três dias.

— Papai… eu quero ir trabalhar com você… — ela sussurrou, escondendo o rosto no meu pescoço.

Aquela frase, que deveria ser doce, pesou como chumbo no meu coração. Minha filha de cinco anos estava tão desesperada para não ficar sozinha que preferia vir para uma sala cheia de papéis, telas e silêncio, só para não precisar enfrentar o vazio que ficou desde que a mãe dela foi embora.

A porta bateu duas vezes. Eu já sabia o que era. A quinta vez em seis meses.

— Senhor Alpert… — a babá começou, hesitante, segurando a bolsa contra o corpo. — Eu… eu preciso ir embora.

Senti Louise endurecer nos meus braços, como se pudesse pressentir o abandono antes mesmo de ouvir o motivo.

— Não é nada pessoal… — continuou a mulher, claramente constrangida. — Mas eu não consigo mais. A Louise não me deixa sequer me aproximar. Ela chora sem parar. Não me permite tocar, nem cuidar dela. Eu sinto muito, senhor, mas eu não tenho condições de continuar.

Fechei os olhos por um instante. A quarta babá tinha pedido demissão nos mesmos termos. A terceira mal durou quinze dias. A segunda saiu chorando. A primeira alegou “esgotamento emocional”. Todas tentando contornar o mesmo problema: minha filha não aceitava ninguém. Desde junho, desde o divórcio, desde que Delila entrou no meu escritório com um olhar entediado, como se estivesse assinando o recibo de uma entrega qualquer.

Eu inspirei lentamente antes de responder:

— Entendo. Obrigado pelo tempo dedicado. Eu vou providenciar seus direitos. Pode ir.

Ela foi embora apressada, como se fugir da casa fosse um alívio. Eu senti a respiração de Louise acelerada contra meu peito, e percebi que, mesmo sem entender tudo, ela sabia que havia sido deixada mais uma vez.

Levantei-me com ela no colo, andando devagar pelo escritório para tentar acalmá-la.

— Papai está aqui — murmurei. — Eu não vou sair, meu amor. Você está segura comigo.

Ela soluçou mais uma vez, agarrou minha camisa com força e enfim relaxou, mesmo ainda tremendo.

Chamei por Yuko, a governanta. Ela apareceu na porta poucos minutos depois, sempre impecável, com aquela postura contida, silenciosa e eficiente que só quem vive há muitos anos servindo famílias ricas consegue manter.

— Senhor Alpert? — ela falou, inclinando a cabeça.

— A babá pediu demissão. Outra vez. E eu não posso continuar levando Louise para o escritório todos os dias. Ela precisa de alguém. Mas dessa vez… — suspirei, sentindo o peso da responsabilidade esmagar meus ombros — …dessa vez eu quero que você selecione pessoalmente. Quero alguém especializado, Yuko. Alguém que entenda crianças do espectro autista. Que tenha experiência com seletividade afetiva. Que saiba o que está fazendo.

Yuko assentiu, séria.

— E quanto às condições, senhor? A nova funcionária virá todos os dias ou…

— Não. Ela precisa morar aqui — respondi sem hesitar. — Não posso arriscar. Louise não suporta separações. Quero alguém que esteja sempre acessível a ela. Folgas aos domingos. Nesse dia eu cuidarei da minha filha. E mais uma coisa: quero alguém que não tenha filhos. Nem família grande. Quero dedicação integral.

Yuko anotou mentalmente tudo, como sempre fazia.

— Eu entendi, senhor. Começarei a seleção imediatamente. Assim que encontrar a candidata certa, enviarei ao senhor.

— Obrigado, Yuko.

Ela saiu, deixando a porta encostada. E foi nesse silêncio breve que o passado me atropelou como um trem desgovernado.

Eu ainda lembro daquele dia como se tivesse acontecido esta manhã. Delila entrando no meu escritório com as unhas feitas, a maquiagem impecável e uma expressão entediada, como se estivesse sendo obrigada a repetir um script que achava ridículo.

— Precisamos conversar — ela anunciou, jogando uma pasta sobre a mesa. — Já assinei. Só falta você.

Minha mão gelou ao tocar os papéis.

— Divórcio?

— Sim. Estou indo embora. Vou morar na Inglaterra. Não nasci para ser mãe, Morgan. E você sabe disso. A Louise é uma criança… difícil. Chorona. Cansativa. Eu não tenho paciência para isso. Nunca tive.

Meu sangue ferveu.

— Nós temos uma filha de cinco anos. Você vai simplesmente jogar sete anos de casamento fora?

Ela riu. Riu. Como se eu tivesse contado uma piada ruim.

— Morgan, dos sete anos, só vivi dois. Depois da gravidez, minha vida virou um inferno. Você queria filhos, eu te dei um. Mas eu não quero mais essa responsabilidade. Ela não é uma criança normal. Ela não gosta de mim. Ela não se conecta. Eu não tenho estrutura para isso. Eu quero viver.

— E você já tem alguém — concluí, encarando aquele brilho triunfante nos olhos dela.

— Isso não importa. O que importa é que estou pedindo o divórcio. A guarda total é sua. Está no documento. Não quero pensão. Não quero nada. Meu futuro marido é um lorde inglês, ele vai me dar tudo.

Algo dentro de mim se quebrou.

— Não se arrependa — avisei, com a voz baixa, grave. — Porque se você voltar atrás, eu não volto.

— Não se preocupe — ela respondeu, pegando a bolsa e ajeitando os cabelos. — Eu nunca volto atrás.

Assinei.

Ela foi embora.

E o silêncio que ela deixou não terminou até hoje.

Louise puxou minha barba levemente, me trazendo de volta ao presente.

— Papai… — ela murmurou, com os olhos azuis brilhando de um jeito que sempre me desmonta — …eu te amo, papai.

Apertei-a contra o peito, sentindo o calorzinho dela derreter um pouco da dureza que o mundo me colocou nos ombros.

— O papai também te ama, minha menina.

— Papai… você vai trabalhar? — ela perguntou, encostando a testa no meu queixo.

— Vou, meu amor, o papai precisa trabalhar um pouquinho.

— Eu fico aqui? — ela insistiu.

Olhei para o pequeno tapete onde ela sempre montava suas torres, suas fileiras organizadas, seu mundo particular que poucos conseguiam entrar. E sorri.

— Fica aqui com a Bárbara — a bonequinha favorita dela. — Sirva chazinho para ela, o papai termina logo logo.

— Depois você toma chá comigo? — ela perguntou, com aquela esperança tão pura que quase dói.

Acariciei sua bochecha.

— Depois o papai toma chá com você, sim.

E assim começou o dia em que tudo mudaria.

O dia em que Lélia entraria na nossa vida.

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