####CAPÍTULO 3

LÉLIA

Dois dias após enviar meus currículos para várias agências especializadas em babás, preparei-me para o silêncio absoluto.

—A rejeição é dolorosa, mesmo quando invisível. Mas, naquele fim de tarde, enquanto organizava os armários do pequeno apartamento, repleto de memórias e cheios de objetos que até pareciam contar histórias, meu celular vibrou com um número desconhecido.

— Boa tarde, fala a senhorita Lélia Seimor Stewart? — a voz firme e educada do outro lado teve um sotaque sutil que não consegui identificar de imediato, algo característico de pessoas que vivem à margem de culturas. — Sim, sou eu. — Meu nome é Yuko, sou governanta da residência do senhor Morgan Alpert, recebemos seu currículo pela agência e gostaríamos de conversar com hoje?

— Meu coração, acelerou e depois se perdeu em uma mistura tumultuada de medo e alívio. — Tenho, sim — respondi, esforçando-me para não parecer desesperada, pois esta era, sem dúvida, a minha primeira oportunidade concreta de trabalho, e eu estava pronta para agarrá-la.

Yuko me passou o endereço, e cada palavra dela soava como uma ponte para um futuro desconhecido. — Minutos depois, eu já estava me arrumando, tentando transformar a ansiedade em confiança. Escolhi uma roupa simples, mas apresentável: uma blusa branca que acentuou meu tom de pele e uma saia escura que me fazia sentir um pouco mais madura. — Prendi os cabelos em um coque despretensioso e respirei fundo, tentando deixar de lado as inseguranças.

— O caminho até a mansão me deixou nervosa — não apenas pelo tamanho da propriedade, mas pela palpável sensação de que eu estava prestes a entrar em um mundo completamente diferente do meu, um mundo onde riqueza e invisibilidade coexistiam em uma dança complexa.

— Ao chegar, Yuko me recebeu na porta, ela era uma mulher com postura impecável e uma elegância que pareciam tão naturais que eu mal conseguia acreditar que era uma governanta. Imaginei que, pelo nome, ela seria mais formal, mas sua aparência revelava traços delicados, uma mistura harmoniosa entre o japonês e o brasileiro. — Em seu jeito acolhedor, percebi que havia mais ali do que apenas protocolo.

— Entre, por favor — disse ela, abrindo espaço para mim e me permitindo dar o primeiro passo nesse novo capítulo da minha vida.

A mansão era silenciosa e grande, mas não vazia. Havia um cheiro de casa vivida, uma melancolia sutil pairava no ar, como se as paredes tivessem ouvido risadas e lágrimas, sonhos e desilusões. Yuko me conduziu a uma pequena sala de estar, adornada com móveis elegantes e suaves.

— Antes de qualquer coisa, quero que saiba que você é a décima primeira candidata que entrevisto em dois dias — explicou Yuko, sentando-se frente a mim, sua presença imponente e reconfortante ao mesmo tempo.

— Nenhuma das outras se qualificou, algumas não tinham experiência com crianças com seletividade afetiva ou não estavam disponíveis para residir aqui.

O caso da filha do senhor Alpert exige alguém preparado, dedicado e paciente. — E sua formação chamou minha atenção, respirando fundo, tomei um instante para refletir sobre todas as horas de estudo e treinamento que me levaram até ali, tentando controlar a ansiedade que começava a surgir novamente. — Eu entendo — respondi, mantendo a calma, ciente de que minha capacidade de conexão e empatia seria crucial nesse novo desafio.

— Estou pronta para responder o que for necessário.

Ela me fez perguntas sobre meu curso, especialização, estágios e experiências com crianças neurodivergentes. — Perguntou como eu reagiria em crises sensoriais, como conduziria atividades educativas e como trabalharia a comunicação com uma criança não verbal ou seletiva.

— Respondi a tudo com a sinceridade de quem estudou por vocação, não por obrigação – cada resposta refletia a paixão e o compromisso que sempre nutri pela educação inclusiva.

— Quando terminei, Yuko cruzou as mãos no colo e assentiu lentamente, e eu podia sentir a expectativa pairando no ar.

— Senhorita Lélia… por mim, você está aprovada.

Meu coração quase escapou pela boca, e a esperança de um futuro que parecia distante começou a se acender novamente.

— Mas, ela continuou — agora depende do senhor Alpert, ele está trabalhando em casa esta semana porque a menina não fica longe dele.

— Você passará pela entrevista final com ele agora.

—Se ele aprovar o seu perfil, você poderá começar imediatamente. — A vaga exige residência na casa, com folga aos domingos.

— Assenti sem pensar, o peso da responsabilidade começando a se misturar à minha empolgação. — Sim, senhora, tenho total disponibilidade. — Então venha comigo — disse ela, levantando-se com graça.

— O escritório dele fica do outro lado do corredor.

Segui a governanta em silêncio, as mãos suando e o coração batendo tão alto que parecia ecoar pelas paredes da mansão, como se os ecos de antigos segredos estivessem sussurrando por trás de cada um dos quadros nas paredes ricamente decoradas.

— Paramos diante de uma porta dupla, e Yuko bateu duas vezes, o som reverberando de forma melodiosa.

— Entre — a voz dele respondeu, grave e segura, quase como um comando, Yuko abriu a porta e anunciou: — Senhor Alpert, esta é a candidata que selecionei para a vaga.

— Ela atende a todos os critérios que o senhor solicitou, se o senhor aprovar, ela poderá iniciar amanhã cedo.

— Ou ainda hoje, caso deseje, ele ergueu o olhar do computador, e a intensidade de sua presença tornou-se palpável, como se o ar ao redor pulsasse de expectativa.

— A primeira coisa que percebi foi a presença dele, a aura que preenchia a sala não precisava de movimento, era quase tangível.

— Elegante, forte e impecável, ele também carregava algo de ferido em seus olhos, como alguém que suportava o peso do mundo, mas ainda assim permanecia de pé, uma figura imponente que igualmente emanava um misto de vulnerabilidade.

— Mande entrar — disse ele, como se estivesse disposto a dar uma chance.

Yuko acenou e eu avancei um passo, sentindo que cada movimento meu era cercado de significado.

— Boa tarde, senhor — cumprimentei, esforçando-me para projetar uma confiança que eu ainda tentava encontrar dentro de mim.

— Boa tarde, qual é o seu nome?

— Lélia Seimor Stewart, ele assentiu, estudando meu rosto por um instante que pareceu se estender, e nesse interlúdio, eu me perguntei o que ele via em mim.

— Você tem filhos, senhorita Stewart?

— Não, senhor.

— Tem compromisso? — Minha garganta apertou, mas mantive o olhar firme, um reflexo do meu passado que eu não queria que obscurecesse o presente.

— Sou divorciada, senhor, não tenho filhos, nem outros compromissos.

— Ele fez um leve movimento de cabeça, como se estivesse aprovando minhas respostas, e minha ansiedade começou a se dissipar.

— Você tem disponibilidade para morar aqui durante a semana? — Folgar aos domingos, pode sair no sábado à noite e voltar no domingo à noite ou segunda pela manhã.

— Tenho, senhor, se contratar meus serviços, seguirei exatamente o que for necessário. — O compromisso que estabeleci comigo mesma me deu uma força que eu ainda não compreendia plenamente.

Ele apoiou os braços na mesa, como se estivesse prestes a tomar uma decisão importante.

— Louise — chamou ele, virando-se com um ar paternal que despertou em mim um profundo respeito.

— Venha cá, minha filha, a menina estava sentada de costas, cercada por brinquedos educativos, e montava alguma estrutura de blocos enquanto conversava com uma bonequinha no colo, imersa em seu próprio mundo de imaginação.

— Quando ouviu a voz do pai, virou-se devagar, seus olhos grandes e curiosos encontraram os meus.

O mundo pareceu parar, ela se levantou, segurando a boneca por um braço, e me observou com olhos profundos que pareciam enxergar além da aparência.

— Eram olhos que conheciam dor, mas também reconheciam afeto. — Essa moça vai morar aqui em casa — explicou Senhor Morgan com ternura na voz, sua maneira de suavizar a transição para a filha — e vai ser sua nova amiga.

A menina deu um passo hesitante, depois outro, e então, com um sorriso que iluminou toda a sala, disse: — Oi… quem é você ? Meu coração travou, um turbilhão de emoções me invadiu.

Olhei para o Senhor Morgan, sem saber o que dizer, a responsabilidade da situação se avolumando em minha mente.

— Ele se apressou para esclarecer: — minha filha, ela será sua nova babá, e amiga.

—Louise esperou mais explicações, em um movimento imprevisível, ela correu em minha direção e me abraçou.

Um abraço inteiro, quente e verdadeiro, e ali, naquele momento, percebi a conexão instantânea que pode surgir entre almas inocentes.

— Eu me abaixei devagar, tomada por uma emoção que não conseguia disfarçar, um novo tipo de amor se formando ali.

— Como é o seu nome, princesa? — perguntei, acariciando seus cabelos com ternura.

— Louise… — ela respondeu baixinho, os olhos brilhando com esperança. — Você é linda, sabia? Ela sorriu, tímida, e minha determinação se fortaleceu.

Senhor Morgan observava tudo em silêncio, e atônito, a expressão em seu rosto revelava um misto de surpresa e esperança, como se testemunhasse um milagre de fé e reconexão acontecer bem diante de si, ressoando com suas próprias feridas, ela estendendo a mãozinha, um convite espontâneo para um mundo colorido que ela mesma criara.

— Olhei para o Senhor Morgan, pedindo permissão com os olhos, a conexão com a criança amplificando meu desejo de ser útil.

Ele assentiu, quase sem fôlego, e atônito ele deixou um leve sorriso brotar em seu rosto.

O sorriso dela desmanchou, como se eu tivesse apagado uma luz, e a fragilidade da situação tornou-se evidente. — Não, fica aqui… fica ela me pede e diz: vem comigo? Senhor Morgan respirou fundo, a responsabilidade pairando entre nós como uma sombra.

— Senhorita Stewart… você poderia ficar até ela dormir? — ele me pediu, a voz baixa, quase um sussurro. Era um apelo não para mim, mas para a conexão que sua filha ansiava.

— Depois o motorista a leva para casa, e amanhã ele vai lhe buscar na sua casa, você tem carro?

— Não, senhor… — Então o motorista cuidará disso, pode ficar hoje?

Olhei para Louise, o brilho em seus olhos, e soube naquele instante que ficaria, e aquela oportunidade era mais do que um emprego; era um novo começo.

— Claro, senhor — respondi, o compromisso ardente pela responsabilidade que estava prestes a assumir.

— Eu fico, e foi assim que, sem planejar, sem saber, ou perceber, e com um coração repleto de esperança e determinação, comecei meu primeiro dia naquela casa.

—E minha vida nunca mais seria a mesma, um novo ciclo se iniciava sob as luzes tênues daquela mansão, onde cada riso e lágrima se tornariam parte da minha história.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App