Assim que a pressão no cérebro daquela garotinha foi aliviada, senti a tensão no ar diminuir ligeiramente. O monitor cardíaco estabilizou um pouco, e seu pequeno peito subia e descia com mais regularidade. A emergência ainda estava longe de acabar, mas pelo menos agora ela tinha uma chance.
Soltei um suspiro pesado, limpando rapidamente as mãos enluvadas na compressa cirúrgica que me foi oferecida. Meus olhos se voltaram para a enfermeira ao meu lado, ainda visivelmente abalada pelo que havíamos acabado de fazer. Seu olhar se fixava na menina, como se temesse que, a qualquer momento, algo desse errado novamente.
— Como se chama? — Minha voz saiu mais suave do que eu esperava, carregada por um interesse que não deveria estar ali.
A enfermeira desviou os olhos da criança para mim, parecendo surpresa pela pergunta. Ela engoliu em seco antes de responder:
— Maya… — A resposta veio hesitante, como se não esperasse que eu perguntasse algo sobre ela. — Meu nome é Maya, doutor.
O nome dela ressoou em minha mente de forma incômoda. Não deveria importar, mas importava. Contra todas as minhas regras, eu queria saber mais sobre ela. Talvez fosse o cansaço, talvez fosse aquela noite caótica. Ou talvez fosse ela.
Balancei a cabeça, afastando qualquer pensamento desnecessário. Ainda havia muito a ser feito.
— E a menina? — Perguntei, retomando o foco.
A enfermeira piscou algumas vezes antes de responder, parecendo grata pela mudança de assunto.
— Ainda não sabemos. — Ela disse baixinho, como se aquilo fosse alguma ofensa para aquela menininha.
Permiti-me um breve instante para observá-la. Pequena, frágil, mas forte o suficiente para ter resistido até ali. Balancei a cabeça mais uma vez, tentando retomar o controle sobre mim mesmo.
— Bom trabalho, Maya. Precisamos somente estabilizá-la e garantir que tenha uma vaga assim que uma sala de cirurgia estiver disponível. — Minha voz voltou a ter a firmeza de sempre.
Aquela mulher assentiu, mas não sem antes me lançar um olhar que parecia dizer que, por um momento, ela também sentiu o peso daquela vida em nossas mãos.
Maya. Eu não sabia por que aquele nome parecia se fixar em minha mente, mas tinha a sensação de que, de alguma forma, ela mudaria algo em mim.
Após estabilizar nossa paciente, Maya recebeu um sinal em seu Bip e um leve sorriso apareceu em seu rosto.
— Uma sala foi desocupada e podemos enviá-la para o bloco cirúrgico agora. — Ela disse, olhando-me com aquele olhar que me prendeu por alguns segundos além do necessário.
— Você pode encaminhá-la agora, continuarei verificando onde posso ajudar na emergência. — Disse, já retirando o avental e saindo daquela sala.
— Doutor? — Ela chamou e eu parei, encarando-a. — Obrigada por salvá-la. — Apenas dei um aceno de cabeça, me afastando dela.
Aquela mulher mexia comigo em todos os sentidos como nenhuma outra foi capaz em mais de um século de minha existência. Havia algo nela que me desestabilizava de uma forma que eu não estava preparado para enfrentar.
Sua voz suave, seu olhar determinado, o modo como suas mãos tremeram levemente ao segurar os instrumentos cirúrgicos, mas ainda assim fizeram exatamente o que era necessário.
Caminhei pelo corredor da emergência com passos firmes, tentando afastar os pensamentos que insistiam em me arrastar de volta para ela. Não podia me dar ao luxo de distrações. Passei os olhos rapidamente pelas macas alinhadas, avaliando onde minha presença era mais necessária.
Mais adiante, um homem com o braço enfaixado aguardava ansiosamente uma avaliação. A sala de espera transbordava com pacientes, mas minha mente ainda insistia em retornar ao nome que ecoava em minha mente como um sussurro constante. Maya.
Fechei os olhos por um breve instante, puxando o ar profundamente antes de soltá-lo devagar. Não era o momento para distrações. Sempre fui meticuloso, disciplinado, e agora não poderia me dar ao luxo de quebrar minhas próprias regras.
Segui em direção à sala de atendimento, onde outra emergência já me aguardava. No entanto, mesmo enquanto me concentrava no novo caso, algo dentro de mim dizia que minha história com Maya estava somente começando.
No final daquele plantão anormal, não voltei a encontrar aquela enfermeira. O monstro dentro de mim queria caçá-la e observá-la, mas eu ainda tinha o controle dele e sabia que o melhor era me manter distante.
Antes que eu pudesse deixar aquela unidade de saúde, meu bip recebeu uma nova mensagem, solicitando minha presença na sala da diretoria.
Olhei para o relógio em meu pulso e faltava pouco para amanhecer, no entanto, sabia que não poderia ignorar aquela mensagem e algo me dizia que eu iria encontrar Maya lá.
Senti seu perfume antes mesmo de chegar até a porta. Respirei fundo e seguir em frente, batendo levemente na porta. Uma voz firme me autorizou a entrar, e assim que o fiz, meus olhos imediatamente encontraram Maya. Ela estava de pé, diante da mesa do diretor do hospital, com as mãos cruzadas à frente do corpo e um olhar indecifrável no rosto.
— Dr. Dante, obrigado por vir tão prontamente. — O diretor disse, lançando um olhar entre mim e Maya. — Precisamos discutir um assunto importante sobre a paciente que vocês atenderam esta noite.
Minha expressão permaneceu impassível, mas minha mente já trabalhava em mil possibilidades. Algo naquela menina havia chamado a atenção? Ou seria Maya o verdadeiro motivo pelo qual fui convocado?
— O que aconteceu? — Perguntei, mantendo minha voz firme. O diretor trocou um olhar rápido com Maya antes de continuar.
— Fui informado sobre a craniectomia descompressiva que o senhor realizou na sala de emergência. O senhor conhece nossas regras, Dr. Dante? É um procedimento complexo para ser feito em uma simples sala de emergência.
Meu olhar encontrou o de Maya mais uma vez, e naquele instante percebi que nada naquela noite havia sido um mero acaso.
— A criança corre risco de morte? — Perguntei, analisando o diretor.
— Esse não é o caso, Dr. Dante, mas todo o risco em que vocês colocaram o hospital. O procedimento que realizaram foi altamente questionável. Uma craniotomia descompressiva na sala de emergência? Vocês sabem as implicações disso?
Olhei para Maya, que mantinha a cabeça baixa, claramente apreensiva. Sabia que ela temia as consequências, mas a verdade era inegável — aquele era o único procedimento que poderia salvar a vida daquela criança.
— Eu autorizei o procedimento. Assumo total responsabilidade. — Minha voz soou fria e definitiva. — Se há alguém que deve ser punido, esse alguém sou eu. A enfermeira Maya somente seguiu minhas ordens.
O diretor estreitou os olhos.
— Você tem certeza disso, Dr. Dante?
— Absoluta. — Afirmei, mantendo meu olhar fixo no dele.
Maya ergueu os olhos para mim, surpresa, observei que ela iria retrucar minha decisão, mas acenei em negativa com a cabeça. Ela se manteve em silêncio, resignada. Ela sabia que não poderia contestar minha decisão, mesmo que quisesse. Não deixaria que ela pagasse por algo que fizemos juntos para salvar uma vida.
O diretor a olhou, sabendo que não poderia fazer qualquer coisa contra ela, devido ao fato de eu ter assumido toda a responsabilidade. Ela estava sob minhas ordens e, se não as cumprisse, poderia responder por insubordinação.