Deixei a sala pensando em como convenceria Maytê e sequer reparei que a bolsa da garota ainda estava na cadeira.
Mas foi impossível não notar quando ela saiu do banheiro mexendo no celular e seguiu em minha direção.
— Ai! — continuei parada, e ela se chocou contra mim, quase me derrubando.
— Desculpa! Não vi você — com uma mão, ela guardou celular e, com a outra, evitou minha queda.
— Foi minha culpa. Eu te vi, mas não deu tempo de desviar — mentira, foi impossível sair do lugar porque estava encarando a tatuagem da coxa esquerda. Era um corvo com lágrimas nos olhos.
— Você está bem? — ela perguntou, muito perto de mim.
— Sim, foi só um esbarrão — afastei-me um pouco para respirar. Subitamente, o ar parecia ter se tornado rarefeito.
— Você não parece bem. Ouviu más notícias lá dentro? — ela fitava meus olhos, realmente interessada no que eu tinha a dizer. E receber toda aquela atenção não era algo ao qual eu estava acostumada.
— Está tudo bem — respondi rapidamente. — Só algumas coisas para resolver. Filhos… você sabe.
— Filhos? — ela arregalou os olhos. — Você não parece ter filhos, ainda mais no ensino médio. Pensei que estivesse aqui para a entrevista.
— Que entrevista? — senti-me lisonjeada. Suze dizia que, se não fosse minha amiga desde o primário, não acreditaria no meu porte de trinta e quatro anos depois de dois filhos adolescentes. Mas uma coisa era minha melhor amiga dizer isso, ela me conhecia a vida inteira e tinha a obrigação moral de me fazer sentir bem, e outra era ouvir de uma garota rock'n roll tatuada, aparentando ser recém saída de uma revista em quadrinhos.
— Estão contratando monitores e uma professora substituta de Português para o primeiro ano. A última teve um colapso ou algo do tipo — ela balançou os ombros.
— Poxa! Meus filhos devem ser alguns dos responsáveis por isso — eu realmente estava preocupada com a pobre mulher.
— Provavelmente sim. Adolescentes sabem ser assustadores — a moça disse, soando como alguém extremamente mais velha. — Mas não se preocupe, ela já está melhor.
— Como você sabe?
— Ela recebeu uma bolada do governo e está realizando o sonho de todos nós — após um suspiro reflexivo, acrescentou: — Um pacote completo de SPA a bordo de um cruzeiro.
— Por isso você veio para entrevista? De olho no que pode receber se tiver uma crise psicótica aqui? — perguntei, pensando que Izabel nunca contrataria alguém com tantas tatuagens.
— É a minha meta de vida, mas o máximo que posso conseguir se tiver um colapso é um vale para usar a sauna do clube no horário de almoço — seu tom de voz saiu com sarcasmo. — Não vim para a entrevista. Já trabalho aqui. Só preciso que minha mãe assine uns papéis.
Espera um pouco, Izabel é sua mãe? — uau! Por essa não esperava! Eu nem sabia que Izabel tinha filhos. As dezenas de certificados pendurados na parede e nenhuma foto pessoal em sua sala não davam nenhum indício de que a mulher fosse outra coisa além de diretora. Na verdade, já havia pensado na possibilidade de ela ter professado votos de castidade e ser uma freira. Descartei a ideia quando, sem querer, a ouvi discutindo com um fornecedor da cantina e muitos termos impuros saíram da sua boca.
— Sim, não achou que somos parecidas? — ela brincou com a minha reação espantada, que deveria ser a mesma de qualquer pessoa que as vissem.
— Agora que você falou, notei algumas semelhanças — fiz com que ela abrisse um sorriso com minha ironia.
Izabel tinha uma aparência séria, quase militar. Andava alinhadamente arrumada, seus terninhos sempre combinando com os sapatos fechados enquanto a garota vestia, por baixo da jaqueta, uma camiseta preta quase tão surrada quanto suas botas. Era impossível imaginar duas pessoas mais diferentes.
— Preciso ir antes que ela entre em outra reunião. Foi um prazer conversar com você. Espero que a gente se esbarre por aí de novo — a mulher estendeu a mão e me deu um olhar que fez minha maldita consciência concordar comigo dessa vez: ela estava totalmente flertando. — Meu nome é Liz.